Discurso de Juscelino Kubitschek antes de sua cassação como senador, em 1964



“Senhor Presidente, na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria na cassação do meu direito de cidadão, julgo do meu dever dirigir, desta tribuna, algumas palavras à nação brasileira. Faço-o agora, para que – se o ato de violência vier a consumar-se – não me veja eu privado do dever de denunciar o atentado que na minha pessoa vão sofrer as instituições livres. Não me é licito perder uma oportunidade que não me pertence, mas pertence a tudo que represento nesta hora.

Julgo, sem jactância, ser este um dos mais altos momentos da minha vida pública. Comparo-o ao instante em que recebi a faixa presidencial, depois de uma luta sem tréguas contra forças de toda ordem, inclusive as da calúnia, que em vão tentaram deter a vontade do povo brasileiro. Naquela ocasião, assumi, perante a minha própria consciência, a determinação de não me deixar guiar por ressentimentos, por mágoas, por mais justas que fossem. Perante Deus, perante o povo, diante desta Casa, posso afirmar que, presidente da República durante 5 anos, zelei pela paz do Brasil, não autorizando, não permitindo, não pactuando com qualquer atentado à liberdade de quem quer que fosse e agindo sempre com dignidade administrativa. Neste momento, sinto uma perfeita correlação entre a minha ação presidencial e a iníqua perseguição que me estão movendo. É que a mesma causa continua viva, a mesma causa da defesa das instituições livres pela qual lutei.

É essa causa que me transforma agora em vítima preferida da sanha liberticida que tanto marcou e manchou a revolução, feita para salvar-nos da tirania comunista. Sou ainda o mesmo cidadão, ontem detentor do governo, Chefe Constitucional das Forças Armadas, aquele que amparou e promoveu os seus mais ferrenhos adversários. Hoje, sou um homem desarmado, sem possibilidade de reação material, mas disposto a reagir com a energia, a determinação e a coragem dos que combatem para cair de pé. Não tenho de que me defender. Pela própria mecânica do Ato Institucional, aos fulminados não é dado acesso às peças acusatórias. Voltam-se, assim, os revolucionários do Brasil contra as mais sagradas conquistas do Direito.

Não sei exatamente do que me acusam. Só recolhi boatos e murmúrios de velhas histórias já desfeitas e desmoralizadas por contestações irretorquíveis. Já a Nação vive sob os efeitos do terror. E aqui expresso a minha solidariedade aos que estão sofrendo processos de inquirição que lembram os momentos mais dramáticos por que passou a humanidade. Se me forem retirados os direitos políticos, como se anuncia em toda parte, não me intimidarei, não deixarei de lutar. Do ponto de vista de minha biografia, só terei do que me orgulhar desse ato.

Lamento apenas que a Nação, através do partido que recentemente me indicou para as eleições de 65, sofra essa vil afronta. Mas essa mesma afronta terá a reparação certa pelas urnas, ao primeiro ensejo, com qualquer outro nome pessedista.

Por que, então, Sr, Presidente, é o caso de perguntar-me, me deveria envaidecer de tão grande privilégio – o de ser o alvo principal da luta antidemocrática –, por que me invade, neste instante, uma tristeza das mais terríveis por que já passei em toda a minha acidentada vida pública? Essa tristeza nasce, sem dúvida, de que, se, por um lado, me oferecem uma oportunidade de glória, por outro lado, ferem o nosso País, humilhando, na minha pessoa, a nossa civilização, degradando-nos no conceito das demais nações livres e fazendo da revolução algo que merecerá o repúdio de todos os democratas do mundo.

É com esse terrível sentimento de pesar que espero a consumação da iniquidade que anunciam para breve. Meu voto, aqui, já serviu para eleger o atual Presidente da República, em cujo espírito democrático confiei, mas meu sacrifício, exigido pelo ódio e pela incompreensão, servirá para ajudar, numa nova luta, em favor da paz e da dignidade do povo brasileiro. Mais uma vez, tenho nas mãos a bandeira da democracia que me oferecem, neste momento em que, com ou sem direitos políticos, prosseguirei na luta, em favor do Brasil.
Sei que, nesta terra brasileira, as tiranias não duram, que somos uma nação humana penetrada pelo espírito de justiça. Homem do povo, levado ao poder sempre pela vontade do povo, adianto-me apenas ao sofrimento que o povo vai enfrentar, nestas horas de trevas que já estão caindo sobre nós. Mas delas sairemos para a ressurreição de um novo dia, dia em que se restabelecerão a justiça e o respeito à pessoa humana.

O ato das forças tirânicas que ameaçam apossar-se da Revolução, de banir-me da vida pública, terá consequências que dificilmente poderão ser previstas. Sabe Deus que não as desejo, pois não me fez o Criador para desejar o mal a quem quer que seja, e muito menos ao meu País, como não me fez para destruir, e sim para construir. Mas, querendo-o eu ou não, a semente da injustiça, do arbítrio, da maldade, da crueldade, da violação da pessoa humana, do desrespeito, medrará, crescerá, dará frutos, e, depois, como tem acontecido invariavelmente, o castigo chegará, levando tudo de vencida.

Infelizmente, não serão apenas os maus semeadores que recolherão as tempestades negativas, mas também este pobre povo, vítima dos erros dos seus dirigentes.

Repito, o golpe, que na minha pessoa de ex-chefe de Estado querem desfechar, atingirá a vida democrática, a vontade livre do povo. Não me estão ferindo pessoalmente, mas a todos que se julgam no direito de escolher a quem desejam escolher para presidir o seu destino.

Este ato é um ato de usurpação, e não ato de punição. Será um ato de traição às promessas da Revolução, que oferecia uma oportunidade a todos os brasileiros de colaborarem na obra comum de reconstrução do País. Muito mais do que a mim, cassam os direitos políticos do Brasil.
Dirijo-me, agora, de maneira particular, aos países estrangeiros, aos meus amigos do exterior, à opinião pública internacional, para dizer-lhes que não julguem o meu País por este ato inspirado no ódio. Quero pedir-lhes que confiem não apenas na capacidade de recuperação do Brasil no plano econômico, mas também nas grandes reservas morais do nosso País. Não nos julguem por este ato deplorável de fraqueza política de uma parte dos cidadãos armados para a defesa nacional e que se voltam contra os seus homens públicos, oferecendo um tão injusto quanto bárbaro retrato do Brasil aos observadores do mundo exterior.

Não somos nós, brasileiros, esses decapitadores, ávidos de mergulharem nas vidas alheias, no que elas têm de mais inviolável, para oferecer à degradação pública os seus homens de Estado, os que lutaram pelo engrandecimento do seu País. Estamos apenas atravessando uma hora difícil. Mas este é um País democrático, que repele os extremismos de qualquer natureza. Não nos julguem apenas por um ato, é o que peço a todos os que nos contemplam de fora, neste momento em que me elevam uns poucos, acima de mim mesmo, pela discriminação do ódio e pela cegueira criminosa.

Diante do povo brasileiro, quero declarar que me reinvisto de novos e excepcionais poderes neste momento, para a grande caminhada da liberdade e do engrandecimento nacional.”



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