NILO PEÇANHA (verbete)

Mesmo o Brasil não tendo sido a plena democracia racial que até certo tempo se propagava pela historiografia tradicional, ver nossa sociedade como um verdadeiro “apartheid” que se perpetuou por séculos mantendo os negros sempre na margem de tudo, é controverso. Isso se não for o caso de entender esta visão até como uma grande ofensa, em especial, aos muitos negros que lutaram e venceram o jogo duro imposto por nossa sociedade ao longo destes mesmos séculos.

Uma vez que, a despeito de todas as dificuldades, se estes conseguiram o seu espaço almejado, porque então não mostrar como os negros não foram apenas vítimas passivas, quando sim também tiveram um variado histórico de sucessos? De modo que suas conquistas merecem ser lembradas, não apenas como uma forma de justiça ao mérito destes, como também podem se revelar ótimos exemplos a serem imitados por outros, em virem a querer repetir essa ousadia de lutar para sobressair por seu valor, sem esperar compensações de outros.

Pois, não há violência maior do que omitir as vitórias de uma classe, para favorecer apenas uma visão romântica de grandes vencidos pela vida. Por mais que muitos considerem mais comovente a visão piedosa do herói eterno sofredor, ao invés de buscar referências que lhe devolvam sua dignidade de estar em pé de igualdade e respeito para com todos que o rodeiam. Sendo que as procurando, podemos muitas vezes nos surpreender com a grandiosidade destas.

Como foi o caso de Nilo Procópio Peçanha, um mulato nascido em 1867, num sítio do Morro do Coco, na cidade de Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro. Um homem cuja conquista conseguida já em 1906, a menos de 20 anos do fim total da escravidão no Brasil, supera qualquer outro fato que atualmente se ufane. Muito mais significativo do que a eleição de uma mulher presidente do Brasil, ou a de um ex-operário que a antecedeu, visto que estes foram acontecimentos ocorridos já neste século XXI, cuja mentalidade não guarda mais tantos tabus de classe, gênero ou raça com a mesma força sufocante que outrora imperava.

Uma vez, que Nilo Peçanha, apesar de sua origem humilde (tanto que na infância era mais conhecido pela alcunha de “Menino da Padaria” por causa da ocupação de seu pai com um pequeno comércio) e do preconceito que sofreu pela cor de sua pele (sendo várias vezes mencionado de forma pejorativa pela elite de sua cidade natal como “o mestiço do Morro do Coco”) conseguiu se fazer vice-presidente, em 1906 e, por ocasião da morte de seu titular, Afonso Pena, em 1909, assim se fez o primeiro presidente negro do Brasil (todavia, devendo se fazer justiça que dois antecessores seus: Campos Sales e Rodrigues Alves também tinham ancestralidade africana).

Um feito fruto de muita persistência e graduais conquistas. Como quando se formou em 1887 (com vinte anos), na Faculdade de Direito de Recife, cidade onde em seguida abriu um escritório de advocacia. Até que pouco tempo depois retornou para sua cidade natal para se fazer um dos fundadores do Clube Republicano, impulsionando sua carreira política, passando por diversos outros cargos políticos, conquistando o seu valor de modo que ele se fez presente nos momentos mais marcantes na nascente República no Brasil, se impondo deste modo numa rápida ascensão.

Nilo Peçanha

Participando da Assembleia Nacional Constituinte, em 1891, durante o governo provisório do presidente marechal Deodoro da Fonseca, como deputado federal. E em 1903 se tornando governador e Senador pelo Estado do Rio de Janeiro. Sendo que na ocasião da formulação do Convênio de Taubaté, Nilo Peçanha foi um dos signatários. Até que em 1906, com a eleição de Afonso Pena, Nilo se tornou seu vice-presidente da República. Acontecendo que por força de uma ironia do destino, Afonso Pena morre devido uma pneumonia em 1909, alçando Nilo a presidência. Quando apesar do pouco tempo nesta função, promoveu marcantes medidas para o país.

Sendo que além de restabelecer o ministério da Agricultura que tinha sido extinto no mandato presidencial do marechal Floriano Peixoto e da criação do Serviço de Proteção ao Índio (que depois dará vez a atual FUNAI), seguindo sugestão daquele que seria o primeiro diretor da entidade, o tenente-coronel Cândido Rondon; mencionados nos livros tradicionais, Nilo Peçanha desenvolveu o primeiro ensino técnico no Brasil (com as Escolas de Aprendizes de Artífices), assim como criou a lei que permitiu, pela primeira vez, o trabalho feminino nas repartições públicas.

Acontecendo que deixando a presidência em 1910, não se reservou a encerrar sua história aí. Uma vez que dois anos depois, ele voltou a ocupar a função de senador pelo seu Estado. Sendo que em 1914 foi eleito governador do Rio de Janeiro, somente não cumprindo todo o mandato porque em 1917 foi nomeado para o Ministério das Relações Exteriores. Até que percebendo o desgaste da então estrutura da tradicional política do “Café com Leite” (da qual é claro que não podemos negar que ele fez parte), primeiramente apoiou nome do baiano Rui Barbosa em oposição a Epitácio Pessoa nas eleições presidenciais seguintes. E, em 1921, ele próprio se lançou candidato contra Artur Bernardes, pela chamada “Reação Republicana”, todavia, novamente sendo derrotado, apesar do forte apoio que teve de segmentos do Exército, das lideranças dos pequenos estados que faziam oposição à hegemonia São Paulo – Minas Gerais e parcelas significativas dos centros urbanos.

Quando então decidiu abandonar o jogo político, falecendo em 31 de março de 1924. Encerrando assim a trajetória de uma existência que buscou marcar presença em todas as grandes decisões de seu tempo, sem se abalar pelos entraves do preconceito que eram muito mais vis do que nos atuais tempos que nós vivemos. Uma vida de incontáveis vitórias sem o esperar de quaisquer concessões. Uma vida que nos leva a pensar: até que ponto vale ver ao tão valoroso negro brasileiro como meramente um vencido da vida?

Sobre o Autor:
Luis Marcelo Santos. O Autor é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba).

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