UMA PASSAGEM DE MR. BIGG WITTHER PELO BRASIL: o curioso exemplo de um pré-determinismo pessimista

Thomas Plantagenet Bigg-Witther foi um engenheiro inglês contratado pelo governo brasileiro e pelo empresário gaúcho Irineu Evangelista de Souza (o Visconde de Mauá). Em 1872, ele veio para o interior do estado do Paraná, junto com uma equipe de outros 15 engenheiros ingleses e suecos. Grupo este que formara a “Paraná and Mato Grosso Survey Expedition”, comandada pelo capitão do exército sueco Christian Palm. 

Sua missão: iniciar trabalhos de campo com o propósito de abrir uma estrada de ferro ligando o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico. Foi com este objetivo que, no dia 09 de agosto daquele ano, ele partiu da capital do Paraná, a cidade de Curitiba, em direção aos sertões. Destino que ele sobre o qual ele tinha a incumbência de registrar suas impressões, tanto positivas, como negativas. Com fins de encontrar os melhores trechos a abrigarem a linha férrea que eles planejavam vir a cortar este território. 

Thomas Plantagenet Bigg-Witther

Iniciando sua aventura com uma tropa de 23 mulas, Bigg-Witther atravessou a estas terras, até então, tão pouco exploradas. Repleta de grandes vazios demográficos, inclusive pela dificuldade de trânsito por estas vastas e acidentadas extensões. 

Acontecendo que, dois dias depois de sua partida, ele enfim chegara à região dos Campos Gerais (uma área compreendia, hoje, por um conjunto de cidades da região Centro-oriental do Paraná, como Ponta Grossa, Castro, Lapa, Tibagi, Telêmaco Borba, entre as mais importantes). 

Parando na localidade chamada de Ponta Grossa, foi ali que o pesquisador inglês se mostrou capaz de um erro bastante comum, dentro da nossa mentalidade brasileira: pré-determinismo pessimista. Ou seja, uma visão de que muitas boas ideias em nosso país, antes mesmo de serem postas em prática, já são encaradas como inviáveis.

Um preconceito sobre este povo brasileiro e sobre seu país que desmerece os potenciais que, por isso, não os percebemos. Gerando como consequência de que estes acabem descartados de serem investidos (sendo que sobre isso vale lembrar o caso já comentado neste blog, sobre o pioneirismo incompreendido do padre Landell de Moura; que foi publicado em artigo de agosto de 2015).

Um pensar que, infelizmente, muito se cultiva, mas não tem porque continuar a ser alimentado em nosso caráter. Talvez surgido, também em parte, pelo contaminar de uma visão estereotipada de mentalidades estrangeiras. Acostumadas a ver tudo que se diferencia de seus padrões europeizados, como inferior a eles. Os rotulando meramente como exótico, como precário, como digno de desprezo (ou quando muito, de compaixão) da sua parte.

Uma vez que Thomas Bigg-Witther, após sua primeira impressão do que observou, prontamente considerou de toda inútil aquela área para ser o caminho da estrada de ferro a ser construída. Logo, se isso não foi uma amostra de preconceito precipitado, como então definir a conclusão imediatista do competente viajante inglês sobre a localidade que ele acabara de conhecer?

A qual, já naquela época, se fazia um entroncamento de caminhos de tropas de mulas e de outros animais. Tanto quanto, lentamente, ela se via desabrochando num centro de influência (tendo, já em 1876, o seu fórum) sobre esta região central do Paraná, conhecida como Campos Gerais. E, que com o correr dos anos seguintes, cada vez mais se firmou como um ponto altamente estratégico para o trânsito de pessoas e mercadorias. 

Portanto, como esperar, aos que conheciam bem a este espaço, que se curvassem perante um decreto bastante questionável, apenas porque este o foi proferido por alguém entendido com especialista no que dizia? 

Um caso que nos mostra bem a validade do ditado popular de que não se julga um livro pela capa. Um exemplo de como, a insistência pode também levar ao sucesso.

Desde que acreditemos que somos capazes. Logo, também dependendo da nossa fé em nós mesmos. Desde que não nos afetemos pelas visões pejorativas de outros sobre nossas pessoas. Logo, sendo preciso a confiança em nossas próprias capacidades. Percebendo assim que a baixa autoestima que, muitas vezes, temos sobre o que somos, não é uma criação exclusiva de nós próprios.

Explanações minhas que podem ser mais compreensíveis, ao observarmos algumas das diversas anotações deste Bigg-Whitter. Oportunizando, aos que queiram, poder conferir as palavras do “grande especialista” sobre esta Ponta Grossa.

Como quando o engenheiro inglês demonstrou grande surpresa ao descobrir que: “no ponto extremo de uma linha divisória de águas entre dois vales (...) aos não iniciados, como nós, o aparecimento de uma grande cidade no meio dos campos desertos, com quatro dias de marcha distante dos lugares civilizados (referindo-se a Curitiba e Paranaguá, respectivamente a capital e a cidade portuária do estado paranaense) parecera-nos tão curioso e incongruente quanto o surgimento de uma aldeia florescente no meio das planícies áridas do deserto do Saara”. 

Ou seja, aqui chegando ele prontamente se imaginou num bolsão de civilidade em meio à barbárie. Sentimento este que possivelmente era o mesmo de seu colega de nome Robertson ao declarar que: “não há a mais remota possibilidade de passar a estrada de ferro nem dentro da distancia de duas léguas (13,2 km) de sua cidade”. Em vista de como toda esta região era uma localidade extremamente acidentada de morros e depressões, não achando que valesse a pena o esforço a transformar em mais um grande corredor de acesso a outros pontos do país.

Veredicto perante o qual, um morador local, conhecedor de toda a região, desde esta Ponta Grossa até a capital Curitiba, não pode se calar, o rebatendo. Com argumentos que o conceituado técnico nem se dispôs a refletir, uma vez que Bigg Witther encerrou ao caso da seguinte forma: “É desnecessário explicar que tal cavalheiro jamais verá uma estrada de ferro e, provavelmente uma estrada de carroças em sua vida”. Ledo engano.

A vila de Ponta Grossa no sertão paranaense, segundo Jean Baptiste Debret em 1820

Sobre o qual, é claro que também com a ajuda de alguma articulação política, de pessoas influentes da dada cidade de Ponta Grossa, junto ao Governo Federal. Mas apesar disso, o pré-determinismo pessimista de Bigg-Witther ser tornou, enfim, um episódio ridículo. Haja vista que em meros 22 anos após a partida de Bigg-Witther, (ou seja, em 1894), tal localidade já se achava ligada à capital do Paraná (Curitiba) por um prolongamento da linha ferroviária Curitiba–Paranaguá. 

Ocorrendo que em 1910, também fora interligada a São Paulo e ao Rio de Janeiro, lhe convertendo num dos maiores entroncamentos ferroviários do país. Fazendo com que esta cidade, não só se tornasse passagem para outros estados, como também para outros países: a Argentina e o Uruguai. 

Destacando que tudo isso fora montado numa estrutura disposta a menos de 1000 metros (1 km) do então ponto central da cidade. Distância muito aquém dos 13,2 km que os visitantes ingleses achavam ainda ser insuficiente para a instalação de qualquer estrada.

Acontecendo que até os dias de hoje, este município paranaense é um dos maiores entroncamentos rodoferroviários do sul do país, pela grande variedade de caminhos que passam, direta e indiretamente, sobre ele. Tudo porque houve, neste caso, pessoas que não se conformaram com o fatalismo do “não é possível”.

Um caso onde se percebe bem como julgamentos precipitados, levados por primeiras impressões correm o risco de inviabilizarem grandes oportunidades. Uma questão que nos instiga a indagar que outras histórias, ao longo de todo esse nosso país, já não podem ter passado por situações semelhantes? E destas, ainda por serem contadas, quantas será que podem ter tido uma conclusão de igual persistência? 

Algo a se fazer, em especial, as novas gerações, pensarem, muito pensarem e disso quererem mudar o atual quadro de acomodamento, conformismo que poda aos grandes sonhadores, criar, ao invés de apenas esperar, um mundo melhor para todos nós. Tanto de progresso como de justiça social.


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

4 comentários:

  1. É inacreditável a inconsequência de um governo que coloca nas mãos de uma só pessoa a missão de definir o progresso de uma região e, consequentemente de um país...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Mas que eu entendi confiaram neste engenheiro que se dizia entendido. Dá pra ver nessa história que nem sempre dá para acreditar no que estes grandes dizem. Temos que confiar no que a gente sabe também.

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  3. Agradeço pelos comentários. Creio que o principal objetivo desse artigo foi alcançado: mostrar como não podemos nos curvar aos determinismos de fracasso que queiram nos impor. Igual a fabula da rã surda que só se salva por não ouvir os apregoares de desgraça sobre ela, para que assim aceitasse o pior. Um abraço.

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