Confederação Peru-Boliviana |
Durante as guerras de independência (1808-1824) o vice-reino do Peru foi o principal foco da resistência realista. O argentino San Martín, após uma campanha militar por terra e por mar, conquistou Lima e se tornou o Protector do país. De início, San Martin tentou fazer do Peru uma monarquia, por acreditar ser este o melhor tipo de governo para o ex vice-reino. Mas após sua reunião com Bolívar, em Guayaquil, ele se retira do cenário político, deixando o caminho aberto para o “Libertador”.
Em 1823 os criollos peruanos redigiram uma constituição de cunho liberal (no sentido federalista) que, por este motivo, desagradou Bolívar. Este, por sua vez, pressionou os criollos locais a adotarem como modelo a constituição centralista que ele próprio havia esboçado para a Bolívia. Por fim, em 1826 o Peru adotou a constituição centralista como modelo para a sua e Bolívar foi feito presidente vitalício. A elite peruana, contudo, começou a desconfiar de seu presidente. Simón Bolívar governa não só o Peru mas também a Grã-Colômbia. Ao regressar para a Grã-Colômbia o “libertador” deixa o seu exército estacionado no país, o que gerou grande desconfiança entre os peruanos, que temiam uma anexação do Peru à Grã-Colômbia.
Os membros da elite peruana começaram a instigar um movimento “anti-Bolívar” não só no Peru mas em algumas regiões de países vizinhos. Em 1826, os peruanos invalidaram a constituição de Bolívar e voltaram a adotar, momentaneamente, a carta de 1823. Esse sentimento “anti-Bolívar” também se reflete na Bolívia. Os bolivianos entram em conflito com as tropas colombianas, que representam para eles um poder estrangeiro. O presidente boliviano, Sucre (companheiro de batalhas e seguidor dos ideais de Bolívar, mas que proclamou a independência do Alto Peru – sob o nome de Bolívia – a contragosto do próprio Bolívar), é obrigado a se afastar do poder durante o tumulto. Um exército peruano é enviado para a Bolívia auxiliar na expulsão do exército estrangeiro. Tem início uma guerra entre Peru e Colômbia que dura de 1828 a 1829.
Após a guerra, os soldados colombianos são finalmente expulsos. No Peru e na Bolívia dois militares que se destacaram durante as batalhas foram feitos presidente pela elite local. São eles José Lamar no Peru, e Andrés de Santa Cruz na Bolívia.
No Peru, Lamar acabou enfrentando uma ferrenha oposição política por parte de outro combatente na guerra contra a Colômbia: o general Gamarra, um conservador centralista. Lamar não resiste a oposição armada e é deposto por Gamarra em 1833. A instabilidade política continua. De 1833 até 1834, o Peru tem três presidentes. Esta instabilidade atiça as pretensões do presidente boliviano Andrés Santa Cruz que em 1836 invade o país vizinho sob pretexto de acalmar os conflitos. Assim, nasce a efêmera Confederação Peru-Boliviana, com Santa Cruz como seu Protector (ele adota o sugestivo título de “Inca”). Mesmo com a união cada país tinha uma relativa autonomia, com congresso próprio e eleições presidenciais.
Andrés Santa Cruz |
Santa Cruz tenta dar à Confederação ares de um “Estado moderno”, com centralização militar, administração racional e um judiciário eficiente. Mas estas medidas tornaram seu governo bastante impopular. Isto porque transformar as velhas estruturas herdadas do sistema colonial em um “Estado moderno” custava caro. Para suprir estas despesas Santa Cruz elevou impostos – afetando principalmente os trabalhadores urbanos. A questão agrária também era contraditória. As principais rendas do Estado peruano vinham dos tributos recebidos das comunidades indígenas que após a independência local ainda viviam em suas terras comunitárias. Para elevar as rendas da Confederação era preciso elevar a produção de itens para o mercado externo; mas isto resultaria na extinção das propriedades comunais indígenas. No lugar delas se instalam latifúndios particulares – para plantação de cacau, tabaco e criação de animais, como lhama (que fornece carne e lã). Além do mais, a aristocracia mais conservadora não queria qualquer mudança na questão agrária.
Indígenas se revoltaram no Peru. Trabalhadores urbanos nas cidades de Lima e Potosí protestavam contra a elevação dos impostos. Enquanto isso, algumas cidades, como La Paz, ganharam uma relativa prosperidade com exportações de carne e lã.
Não só internamente o governo de Santa Cruz ganhou antipatias. A Argentina e o Chile não viam com bons olhos as pretensões do governante da Confederação em estender sua influência. Alguns fatores agravaram a situação entre o governo do Chile e da Confederação Peru-Boliviana. Primeiramente, muitos chilenos que se opunham ao governo conservador de seu país, buscavam refúgio junto a Santa Cruz para em seguida organizar seus movimentos de oposição. Em segundo lugar, a elite comercial do litoral chileno não queria concorrentes no comércio realizado ao longo das costas do pacífico; e uma ascensão comercial da Confederação poderia arruinar a hegemonia chilena.
Em 1837 o Chile declara guerra à Confederação Peru-Boliviana. Os chilenos são derrotados, mas se organizam junto com alguns peruanos que desejam o fim da Confederação. Outra investida é feita pelos chilenos, desta vez por mar, com o objetivo de tomar Lima. Os chilenos vencem as forças militares de Santa Cruz, reduzidas devido às oposições internas: generais caudilhos que se recusam a largar as armas; utilizando-se sempre da força para impôr seus objetivos.
No ano de 1839 Santa Cruz é deposto, após a batalha de Yungay (20 de janeiro), e a Confederação Peru-Boliviana é desfeita. “Uma vez dissolvida a Confederação, cada uma das partes componentes – a Bolívia e o Peru – descambou por veredas separadas de anarquia”[1]
Notas:
[1] DOZER, 1974, p. 254.
REFERENCIAS:
BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo:
DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013.
HALPERIN DONGHI, Tulio. História da América Latina. São Paulo: Circulo do Livro.
POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
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