ENTREVISTA COM ALEKSANDER AGUILAR SOBRE A PLATAFORMA O ISTMO.

Entrevista realizada com Aleksander Aguilar jornalista, linguista e doutorando em Ciência Política. Coordena a plataforma-rede O ISTMO (www.oistmo.com)





Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Quais foram os primeiros passos até o surgimento da plataforma O Istmo?

Aleksander Aguilar- Temos dois grupos de motivações, digamos assim, para chegar a conceber a iniciativa e começar a concretizá-la:

1°) Empiricamente, vamos a 2012, quando nós participamos, enquanto membros do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da “II Jornada de Problemas Latinoamericanos”, em Mendoza, Argentina. Foi um evento que proporcionou que se conhecessem pesquisadoras e pesquisadores de temas centro-americanos de diferentes partes do continente, que iniciaram dali um intercâmbio de ideias através das redes sociais para impulsionar o debate sócio-político e cultural da região. Compartilhávamos o entendimento de que as ciências sociais, em particular, e não apenas no Brasil, mas também em muitas partes do continente, têm pendente a enorme tarefa de conhecer e debater o entorno centro-americano em todas as suas dimensões: sociais, culturais, econômicas e políticas. 

Daí é que surgiu a ideia de uma iniciativa mínima: um espaço de análise, em português e em espanhol, sobre a América Central de forma a ajudar a preencher o vazio de informação e crítica sobre a região, daí sim particularmente no Brasil, através da produção e publicação de textos curtos por intelectuais centro-americanistas de vários países que começavam a conhecer-se virtualmente, compartilhando interesses, preocupações e interesses. 

O website O ISTMO www.oistmo.com nasce desta forma, tendo por base gerencial a UFPE pelo fato de que seus impulsores serem pesquisadores desta universidade, fazendo-se assim uma plataforma inédita de visibilidade e de debates de temas centro-americanos em e a partir de diferentes disciplinas e campos de saber. 

2°) Em termos políticos e teóricos, a motivação é a reflexão da consolidação do neoliberalismo como o enquadramento dominante da vida política, econômica e organizacional, em uma grande escala global, que teve e tem consequências de longo prazo importantes para o conjunto das chamadas ciências humanas e para a relação protagonismo/invisibilização de questões sociopolíticas e culturais de certas regiões do globo.

Na imaginação neoliberal, apenas um tipo de pensamento importa, arrogando-se de sua suposta capacidade descritiva e solucionadora, a partir do paradigma da economia neoclássica. Neste delírio, cada problema tem uma "solução de mercado", e se os mercados para uma dada área da vida social todavia não existem, os neoliberais são assombrosamente eficientes em criá-los: água, educação, créditos de carbono, etc. Outras formas de pensamento se tornam, assim, residuais ou cosméticas, e têm pouca presença nas principais políticas públicas, e as vicissitudes e idiossincrasias sociopolíticas e culturais dos povos de determinadas regiões do planeta, consideradas periféricas, como os da América central, permanecem em nebulosa e em exotização. 

Por essas e outras razoes nos afiliamos com proposições intelectuais surgidas na transição para o século XXI que sugerem a ideia de uma rede de movimentos teóricos que podem ser identificados como "teorias do sul", enfatizando o caráter coletivo do trabalho intelectual, e a importância do seu contexto social. Hoje, porém, a orientação dos intelectuais da chamada periferia para as metrópoles globais- intitulada "extroversão" ou "dependência acadêmica" - é ainda um fato empírico. Nós ainda estamos diante do fato de que a maior parte dos recursos mundiais para o trabalho intelectual se localiza no Norte Global. O teórico sul-africano Abdel-Malek notou isso há 40 anos. As circunstancias materiais de pesquisa podem criar uma dependência de pacotes teóricos e metodológicos que já vêm prontos dos grandes centros sistêmicos. Quais são, então, os recursos que poderiam ajudar a transformar esta situação? O mais evidente são as conexões sul-sul, já comuns em discussões econômicas e políticas, e que cada vez mais entram também na agenda intelectual. 

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Como se viabilizou e opera a rede e a plataforma O ISTMO?

Aleksander Aguilar- Costumamos dizer que realizamos um trabalho "artesanal". Grosseiramente falando, começamos abrindo um blog, uma tecnologia que qualquer pessoa hoje é capaz de utilizar, e começamos a trazer para eixo comum, baseado nas ideias descritas acima, intelectuais com que fomos estabelecendo diálogo e amizade um por um. Alguns conhecemos em Mendonza, outros foram indicação desses que conhecemos por lá, que compartilhavam um perfil ideológico e uma atenção especial ao debate sobre a América Central. Fomos conversando pouco-a-pouco, com cada pessoa, individualmente, explicando a ideia, e fazendo convites de participação nesta plataforma nascente, concebendo novas formas de fazer ideia funcionar e tomar forma. Fomos usando nossos contatos pessoais, a partir de uma ideia entendida como válida e necessária - logo de muito diálogo - para estabelecer um grupo de colunistas mensais e uma equipe de tradução, pensando na importância que seria ter material inédito e original, pela primeira vez no Brasil, de questões centro-americanas analisadas por centro-americanos, em português. E assim começamos a fazer o projeto tornar-se bilíngue, guiados por uma vocação integracionista, um espirito solidário e um compromisso emancipatório. 

Começamos, assim, a abrir espaço no meio acadêmico, principalmente através da internet, para críticas às estruturas de poder, para fazer circular análises e opiniões sobre as possibilidades de reflexão e de incidência política sobre os países da América Central, a desenvolver novas formas de conexões teóricas e práticas entre acadêmicos e não-acadêmicos, além de buscar formas de financiar trabalho intelectual transnacional que não impliquem na replicação da agenda formulada no Norte.

É uma pequena iniciativa - acreditamos que promissora e necessária - que apenas se viabiliza ao ganhar escala através do trabalho sério em rede, para produzir impacto nas práticas estabelecidas de dependência apoiando-se simultaneamente em terreno institucional e em formas auto-gestionárias e colaborativas, principalmente.

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Explique qual a relação entre O ISTMO e o Instituto de Estudos da América Latina?

Aleksander Aguilar- O Instituto de Estudos da América Latina da UFPE, inaugurado em 2015, responde à necessidade de desenvolver os objetivos da agenda institucional de cooperação internacional da UFPE. Sua missão consiste em promover amplas e diversas formas de integração regional, articulando o conhecimento e a crítica das realidades e das contradições da América Latina. Quer representar um espaço de diálogo e cooperação interinstitucional, não somente no que tange aos/às pesquisadores/as, grupos e Universidades pernambucanas e nordestinas filiadas, mas também quanto às representações diplomáticas e consulares dos países da região, bem como de outras organizações da sociedade civil que incluam ou visem a incluir temáticas transversais à América Latina e o Caribe em suas agendas. 

Já O ISTMO é uma rede coordenada de colaboradoras e colaboradores acadêmicos internacionais para intercâmbios de opinião, e difusão de conhecimento de temas sócio-políticos, econômicos e culturais centro-americanos. Utiliza a plataforma online www.oistmo.com para a produção e comunicação de análises bilíngues em português e em espanhol sobre a América Central, o que na academia brasileira, em particular, aonde o projeto nasceu, configura uma iniciativa inédita. 

O ISTMO está organizado através de vínculos, informais, apenas em manifestações de apoio, com o Instituto de Estudos da América Latina (IAL/UFPE), mas somos totalmente independentes, não recebemos nenhum recurso de nenhuma instituição e viabilizamos financeiramente o projeto apenas como o trabalho colaborativo e auto-gestionário de seus membros, acadêmicos profissionais e pesquisadoras de diferentes universidades que acreditam e apoiam o projeto.

Nossa ideia é contribuir para tornar mais visível o debate intelectual sobre a região centro-americana, fazer críticas às estruturas de poder, fazer circular análises e opiniões sobre as possibilidades de reflexão e incidência política sobre os países da América Central, e desenvolver novas formas de conexões teóricas e práticas entre acadêmicos e entre não acadêmicos. 

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Comente sobre as publicações lançadas por vocês?

Aleksander Aguilar- Manter divulgação de publicações dos membros, tanto individuais como de instituições, parceiros, é um eixo essencial do nosso trabalho. Buscamos fazer da plataforma um espaço para essa circulação de material e de disponibilização de download dos livros, cadernos e revistas desses membros - um trabalho que ainda é precário, porém, devido nossa limitação de recursos, e que estamos trabalhando para qualificá-lo.

Conseguimos em junho de 2015 compilar, editar e publicar uma edição especial da revista Ciência &Trópico, da Fundação Joaquim Nabuco, numa parceria para realizar caderno de textos, a partir de uma seleção das análises publicadas no nosso website, apenas sobre temas centro-americanos. São mais de 30 textos analíticos curtos, em português e em espanhol, de temas candentes ou históricos de grande importância na e sobre a realidade dos países e povos centro-americanos. Essa foi nossa primeira publicação, totalmente organizada por nós, da qual nos orgulhamos por ser um aporte e um material inédito no Brasil, bilíngue, sobre essa região. 

Temos planejado para o final de 2016 lançar uma nova publicação, agora a partir de uma convocatória especifica, também totalmente organizada e editada por nós de maneira colaborativa chamada: “Istmo – sentidos, usos conceptuales y las distintas perspectivas sobre laregión de Centroamérica/América Central/Mesomérica.”– um caderno de textos multidisciplinares sobre encontros históricos, limites políticos, identidades, e relações culturais e de poder na região, que esperamos conseguir realizar através do esforço coletivo via uma campanha crowdfunding que lançamos em dezembro de 2015 durante o XXX Congresso Latinoamericano de Sociologia (ALAS) do qual participamos na Costa Rica. 

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Quais sugestões para os leitores de nosso blog de literatura que trata da história, cultura, economia e política da América Central?

Aleksander Aguilar- O desconhecimento do que é a América Central, a Centro América (conceitos diferentes, polêmicos) e a própria definição da região em específico ou do que é uma região em geral é latente, e sobre estas realidades, sobre seus significados, impactos e consequências é uma necessidade principalmente para aqueles que acreditam e defendem um visão de "NuestraAmerica". Entre o Norte e o Sul está o Centro, como costumamos afirmar, e a América Central, de pontes e separações, de lições políticas, de profundíssima densidade e variedade sociocultural, de complexas antropologias, impressionantes geografias e emocionantes histórias locais de impactos regionais e globais é um poderoso espaço da nossa própria latino-américa que merece e exige conhecimento e análise específicas.

No Brasil esse desconhecimento quase que por completo de uma ampla e profunda variedade de intelectuais da América Central, e de temas referentes a essa região, implica em não saber quem são nomes de alta densidade, impressionantes contribuições intelectuais com alto rigor analítico como Edelberto Torres-Rivas, Franz Hinklamert, Carlos Henrique Consalvi (Santiago), Rafael Cuevas Molina, Alexander Segovia, Fernando Valdez, Beatriz Cortez, Alexandra Ortiz, Werner Makenbach e muitos outras e outros. 

Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata- Mensagem final aos nossos leitores?

Aleksander Aguilar- Nossa rede O ISTMO está buscando dar um salto qualitativo no projeto, e para isso lançamos uma campanha de financiamento coletivo, um chamado "crowdfunding". 

Começamos este terceiro ano de existência formal do projeto com o profundo desejo de estabelecermos como um espaço de intercâmbios cada vez mais amplo e criativo, promovendo assim uma maior visibilidade aos problemas centro-americanos através de um esforço intelectual coordenado e contextualizado.

Apostamos em obter recurso através de forma colaborativa, com doações em uma plataforma online, de todas e todos que entendem a importância de romper invisibilizações e que acreditam e que se movem, para construir um novo website, mais funcional, mais organizado, mais interativo, de forma a ter mais condições de colaborar na construção de conhecimento como base para a incidência sociopolítica séria.

Aos que solidarizarem-se com a proposta, aqui segue o link para a colaboração: ( www.igg.me/at/oistmo ) podem também ajudar a apresentá-las a outros contatos e contribuir fundamentalmente nesse momento de organização para que possamos seguir com o projeto adiante.Obrigado!






Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

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