Guatemala 1954: A revolução interrompida

Em 1999, o presidente estadunidense Bill Clinton visitou a Guatemala. Na ocasião ele pediu desculpas por um ato do governo de seu país contra o governo guatemalteco, ocorrido há mais de 40 anos: “Para os Estados Unidos, é muito importante que eu diga claramente que o suporte a forças militares e unidades de inteligência que se envolveram na difusão da violência e da repressão foi errado, e que os Estados Unidos não devem repetir esse erro.”[1] Clinton se referia a intervenção estadunidense na deposição do presidente Jacobo Arbenz em 1954; interrompendo um ciclo de dez anos de reformas nacionalistas.

Desde o final do século XIX a Guatemala foi submetida ao sistema de enclaves: grandes extensões de terra nas mãos de grupos estrangeiros destinadas a produzir para os EUA. O país era, literalmente, uma República das Bananas, cujo principal proprietário de terras era a empresa United Fruit Company (UFCO) de Nova Orleans.

Enquanto que nos enclaves haviam muitos trabalhadores estrangeiros, na produção do café (sob o domínio da elite liberal-conservadora guatemalteca) havia a exploração da mão de obra indígena, que viviam num regime de servidão.

A crise de 1929, teve um grande impacto nessa situação. A oligarquia do café e setores vinculados aos enclaves imperialistas não queriam abrir mão do poder, mesmo com o choque da crise. Assim, o apoio dos Estados Unidos foi decisivo para manter a oligarquia no poder – e também manter seus enclaves bananeiros da UFCO. Em 1931 chega a presidência o general Jorge Ubico (do Partido Liberal). Inicia-se um período ditatorial, com perseguições políticas; junto com a manutenção da economia de exportação – e exploração indígena.

Contra a ditadura de Ubico, movimentos de oposição começaram a se organizar – que evidentemente sofriam perseguições. Um destes grupos, composto pelo pedagogo Juan José Arévalo, pelo dramaturgo Miguel Galich e até pelo escritor Miguel Ángel Astúrias, ganhou força no início dos anos 1940; época em que o governo de Ubico já mostrava sinais de desgaste. Em 1944 este grupo de intelectuais militantes, opositores de Ubico, formou a Frente Popular Libertária (FPL) que ajudou a organizar diversas manifestações populares contra o governo. Em junho do mesmo ano uma destas manifestações, na Cidade da Guatemala, terminou com a morte de estudantes e professores por parte das forças repressivas do governo. Entre os mortos estava a professora Maria Chinchilla Recinos – que virou a mártir símbolo da resistência à ditadura.

Os protestos contra o governo se radicalizaram; até mesmo militares descontentes com a ditadura se juntaram a oposição. Nos campos, indígenas enfrentaram os fazendeiros contra a “lei da vadiagem” que os obrigava a trabalhos forçados. Diante da pressão popular e militar Ubico foi obrigado a renunciar e eleições foram convocadas.

Em 1944 foi eleito Juan José Arévalo. Seu governo foi marcado por políticas sociais como legislação trabalhista, que estimulou a criação de sindicatos; reforma educacional (faculdades independentes do governo), construção de estradas e portos – quebrando, desta forma, o monopólio da United Fruit nos transportes e na exportação. Obviamente, a velha oligarquia, e os interesses imperialistas não ficaram contentes com a política nacionalista do governo Arévalo. De 1945, quando assumiu a presidência, até 1951, quando passou para seu sucessor, Arévalo sofreu mais de 32 tentativas de assassinato – a maioria patrocinada pela UFCO.

Jacobo Arbenz

Em 1951 foi eleito o coronel Jacobo Arbenz que se comprometeu a levar adiante as políticas nacionalistas de Arévalo, principalmente a reforma agrária. Entretanto, a política agrária, mesmo sendo muito moderada (com indenização aos proprietários e só realizada em terras improdutivas), provocou a ira dos capitalistas da United Fruit. Em 1952, Arbenz declarou ao Congresso um dado alarmante: 22 famílias eram proprietárias de mais de 500 mil hectares de terra! A reforma agrária foi posta em prática e cerca de 100 mil famílias foram beneficiadas. A direita conservadora alegava que Arbenz era um “agente do comunismo”. A grande mídia, sempre um porta voz oficial dos setores mais reacionários, intensificou a propaganda anti-Arbenz.

A partir de então, a CIA começa a preparar um plano para a derrubada do governo da Guatemala. Um grupo de mercenários é treinado na Nicarágua (na época controlada pelo fiel cão de guarda dos imperialistas Anastácio Somoza) e colocado sob o comando do coronel Carlos Castillo Armas – um militar conservador que tentou dar um golpe em 1950, mas após o fracasso de seu intento teve que se exilar em Honduras.

“No dia 18 de junho, aviões dos Estados Unidos bombardeiam o território da Guatemala e as forças rebeldes de Castillo Armas iniciam a invasão a partir de Honduras. O governo [da Guatemala] apresenta solicitação ao Conselho de Segurança da ONU para que peça um cessar-fogo e nomeie uma comissão observadora que analise a situação no país. Apesar da decisão do Conselho em favor do cessar-fogo, o conflito continua. O presidente Arbenz solicita uma segunda reunião, mas a ação do representante dos Estados Unidos, Henry Cabot Lodge (cuja família, por coincidência, era acionista da UFCO), consegue bloquear a discussão [...].”[2]

Carlos Castillo Armas, junto de agentes da CIA

As forças golpistas de Castillo enfrentaram resistência. Soldados e contingentes civis se organizaram para manter o governo Arbenz. Contudo, houve resistência até por parte de militares legalistas em armar a população. A superioridade dos bombardeios áereos contra as forças terrestres pesou na decisão do presidente Arbenz, que renuncia no dia 27 de junho. Seu discurso dramático é transmitido pela rádio em todo país.

“A queda de Arbenz marcou a fogo a história posterior do país. [...]. Várias e ferozes ditaduras sucederam-se à intervenção estrangeira, incluindo o período de Julio Cesar Mendez Montenegro (1966-1970), que deu a ditadura uma aparência de regime democrático.”[3] Durante seu governo, Montenegro assinou um documento que autorizava fazendeiros portar e utilizar armas para “proteger” suas propriedades. A partir dai foram criados pela extrema-direita verdadeiros “grupos de extermínio”. Uma violência sem precedentes banhou os campos da Guatemala de sangue no final dos anos 1960. O objetivo era a retomada das terras desapropriadas pela reforma agrária.


Notas:

1 AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo: UNESP, 2002,p. 114.

2 AYERBE, op.cit., p. 111. 

3 GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 164-165.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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