2015 FOI QUANDO QUISERAM ASSASSINAR A NOSSA HISTÓRIA

Está se tornando uma tradição do nosso Grupo de Estudos Americanista fazer uma retrospectiva cronológica de cada ano que passa, desde nosso surgimento. Isto serve como base empírica para analisarmos as conjunturas que se desenharam durante o ano, e também como material para autocrítica de nossas próprias atividades ao longo deste período. Selecionamos os fatos mais marcantes, descrevemos eles, às vezes também nos questionando sobre eles, e outras vezes apenas os mencionando. 

Em janeiro tivemos no Brasil a posse da presidente Dilma Roussef, no seu segundo mandato. É a continuidade do neoliberalismo petista, de um partido que se diz de esquerda. No seu discurso de posse, no Congresso Nacional, a presidente diz o lema mentiroso de seu governo “Pátria Educadora”; tempos depois são anunciados cortes na educação e o início uma greve dos servidores das universidades federais. Há um esforço da oposição pelo seu impeachment, resultando em manifestações pró e contra esta medida. Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e liderou a oposição dissimulada, ajudando a construir uma crise política: o nosso Estado Nacional fica de costas para a população brasileira em uma luta interna. De costas para o Brasil, mas de frente para os Estados Unidos da América.

Em junho Dilma Rousseff e Barack Obama reuniram-se em Washington, capital estadunidense para negociar sobre medidas como a facilitação de entrada de pessoas e de carne brasileiros nos EUA. Em outras palavras, solicita uma força do presidente para manter o Brasil no mesmo lugar dentro da Divisão Internacional do Trabalho. 

Muito pouco nacionalista, a atual presidente se alinha com o sistema econômico que tem atual hegemonia, ainda assim foi acusada de ditadora comunista, por saudosos da ditadura de primeiro de abril de 1964 e de Hitler.

Manifestantes neo nazistas brasileiros

Mas as ruas não foram palco somente de manifestações relativas ao governo Dilma Roussef. Em outubro manifestantes em todo o Brasil pediram a renúncia do presidente da Câmara dos Deputados, o conservador Eduardo Cunha. Nas ruas inicia-se a campanha “Fora Cunha”, em grande parte promovida por setores organizados governistas. Em várias cidades foram feitas mobilizações contra o presidente da Câmara dos Deputados. O PT, entretanto, defendeu o parlamentar. Desta forma o governo mostrou-se de costas também para grande parte da sua militância e que a crise política tem elementos de teatralidade.

Eduardo Cunha e Dilma Roussef de birra

O governador neoliberal de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou um plano de “reorganização” das escolas públicas do Estado. Na prática, tal plano foi uma desculpa para fechar escolas, e, desta forma acabar com os gastos - no Brasil a educação é sempre vista como gasto, e não investimento: ela é tratada como mercadoria. Alunos secundaristas iniciaram uma grande mobilização para ocupar as escolas estaduais com o objetivo de impedir o seu fechamento. Após receberam apoio dos familiares, funcionários de escolas e movimentos sociais.

Mais de 200 escolas foram ocupadas, seguindo o modelo a revolta pinguina no Chile, que envolveu todo o país. Outra influência que poderia ter existido é a Revolução Sandinista, que em seus passos iniciais também teve ocupações de escolas por estudantes.

Além de ocupações de escolas, tivemos de prédios públicos largados pelos governos, uma delas foi em Porto Alegre. O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) organizou a ocupação Lanceiros Negros num prédio de propriedade do governo do Estado localizado no centro da capital riograndense do sul. Os novos moradores são, em sua maioria, trabalhadores que perderam suas casas durante as enchentes. 

Ocupação Lanceiros Negros

Mas o PT não foi a única tragédia brasileira no ano de 2015. Aconteceu um crime na cidade mineira de Mariana: rompeu-se uma barragem na mineradora Samarco, e cidades inteiras foram engolidas por um mar de lama, com resíduos metálicos. A lama invadiu o rio Doce e chegou ao oceano. Houve mortes. O impacto ambiental foi incalculável. Escolas foram destruídas. Quem foram os culpados pela atrocidade: o governo de FHC do PSDB que privatizou a mineradora estatal Vale do Rio Doce, ou os governo de Lula/Dilma do PT que não utilizaram as agências reguladoras para fiscalizar a mineração no local?

No mês de abril, o governo do Paraná (sob o comando de Beto Richa do PSBD) promoveu um ato de violência contra os professores estaduais; os educadores foram espancados e torturados com porradas de cassetete por revindicar melhores condições de trabalho e salário dignos.

Em Goiás, o governo do PT promoveu ato semelhante – provando que ambos os partidos (PT e PSDB) não têm projetos para a educação e na prática são dois irmãos siameses. E que o Partido dos Trabalhadores a cada dia que passa está mais a direita no espectro político.

Os governadores Luiz Fernando Pezão (RJ), Geraldo Alckmin (SP) Marconi Perillo (GO), Marcelo Miranda (TO), Fernando Pimentel (MG), Rui Costa (BA), Wellington Dias (PI), José Ivo Sartori (RS) Paulo Câmara (PE) e o vice-governador do Maranhão Carlos Brandão, se reuniram com o Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Entre as pautas estiveram as dívidas dos Estados com a União. A dívida interna é irmã da dívida externa. 

O líder trabalhista Leonel Brizola se tornou um “Herói da Pátria”, tendo seu nome incluído no livro de ferro do Panteão da Pátria em Brasília. O positivismo também pode ser de esquerda.

Em abril nós do GEACB realizamos a III Síncrese Americanista no Ponto de Cultura La Integracion em Porto Alegre. O evento contou com a presença de artistas argentinos e brasileiros, dentre o quais Gabo Cerqueira e Pedro Munhoz. Foram discutidos temas como a Federação Anarquista Uruguaia e o projeto Canto de Todos.

Em novembro o Senado da Argentina aprovou fim do vestibular para as universidades públicas do país. Enquanto isto, aqui no Brasil, a pátria educadora terceiriza cada vez mais a educação superior. E em fevereiro, o presidente uruguaio José Mujica deixou o cargo para seu sucessor, Tabaré Vasquez, ambos da Frente Amplio.

Dezembro. Na Nicarágua o projeto interoceânico envolvendo capital chinês e britânico enfrentou oposição liberal e camponesa. Os camponeses lideraram a realização de mais de 50 manifestações contra a construção do Canal. A concessionária chinesa HKND Group afirmou oficialmente que a rota escolhida para a construção do Canal afetará cerca de sete mil famílias, se comprometendo com o reassentamento lento e gradual. O governo nicaraguense afirmou que o empreendimento vai gerar 50.000 empregos. Dificilmente o sandinista Daniel Ortega irá se reeleger para um quarto mandato após esta grande questão pendente. Ortega está sendo acusado de vender a Nicarágua para a China, devido ao projeto ligando o Atlântico ao Pacífico por meio de um canal que abre a economia do país. 

Entretanto, o Canal não foi o único problema concreto e grave na Nicarágua. Poucos investimentos do governo na saúde, na distribuição de renda e na educação, tornou este país alvo principal da doença de chagas. Não há esforço suficiente do governo, aonde a população também sofre com as secas e a malária. Enquanto a condição de vida dos nicaraguenses não melhorar, programas e cooperação internacional para pulverização e outras medidas ineficazes não acabarão com o problema da doença de Chagas na Nicarágua.

O presidente da Colômbia Juan Manuel Santos assinou o decreto que regulou a posse e cultivo de sementes e plantas de cannabis sativa, além de controlar os processos de produção, fabricação, exportação, distribuição, comércio, uso e posse da maconha para uso médico e científico no país. O decreto viabiliza uma norma complexa, por possuir sete capítulos e 45 artigos. 

Presidente da Colômbia Santos, que regularizou o uso da maconha em seu país.

Mas o acontecimento que chamamos a atenção foi Evo Morales ter se tornado o presidente com mais tempo de governo na História da Bolívia. Foi o reconhecimento popular devido a redistribuição de renda; a refundação do País como um “Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomia”, conforme a nova Constituição; a ampliação e reforma de cerca de 700 escolas; diminuição do latifúndio improdutivo, com a diversificação das formas de propriedade da terra. Isso é o socialismo comunitário, definido desta forma por Evo Morales em entrevista a Revista Carta Capital: "É um trabalho conjunto. É respeitar as terras dos povos originários (indígenas). Há propriedade privada, há associações econômicas como as cooperativas, há empresas comunais e empresas familiares. Isso é a base do socialismo comunitário." Graças a este governo o país está livre dos transgênicos e apoiando o processo de integração latino americana, com uma nova cara. Se o bolivarismo, enquanto ideologia, fosse implantar o governo da Bolívia no Brasil, teríamos, sim, muito a aprender.

Muitos fatos de 2015 não foram registrados neste texto. Mas como diria o educador Simon Rodriguez "ou inventamos ou erramos". Preferimos, como bons americanistas, inventar mais e errar menos. Estaríamos errando ao transmitir uma cronologia igual ao dos monopólios midiáticos brasileiros. Por isso, também, o caráter tardio. Duas características de nossa cronologia americanista que não tiram a sua validade. Ainda mais em um ano quando a História sofreu tentativas várias de assassinatos, como a que nos referimos agora. 

“Um dia da Consciência Negra para homenagear Zumbi é a mesma coisa que criar um dia da ‘Consciência Branca’ para homenagear Hitler”, afirmou um membro do Movimento Brasil Livre (MBL). Nós, afirmamos acima que o governo Dilma é entreguista em relação ao lugar destinado ao Brasil na Divisão Internacional do Trabalho. Defendemos também que Zumbi foi um líder da Revolução Palmarina. Somos contra o racismo, independente de quem ele venha.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

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