Análise critica de “O Planeta dos Macacos: o confronto”

Filme: O planeta dos macacos: o confronto
Lançado em: 24 de julho de 2014
Dirigido por: Matt Reeves
Companhia produtora: Chernin Entertainment
Distribuição: 20 th Century Fox


Antecedentes que explicam a trama atual: Aos que não conheceram a saga anterior, dez anos antes desta história agora retratada em “O Confronto”, um chimpanzé chamado César (Andy Serkis) consegue desenvolver inteligência acima do normal e nisso organiza uma rebelião em que liberta sucessivamente um grande grupo de macacos que, em comum, tinham apenas o abuso dos seres humanos: eram cobaias de laboratório, curiosidades de zoológico e vitimas de maus tratos num abrigo de animais que, teoricamente deveria zelar por eles. Apesar do embate com os humanos que tentam barrar a fuga desses macacos eles se refugiam numa floresta próxima a São Francisco, nos EUA. 

Cena do filme: O planeta dos macacos: o confronto

Primeira parte do enredo: A partir disso podemos começar a tratar da sinopse de “O confronto” propriamente. Nesta floresta, os macacos desenvolveram uma comunidade própria, baseada no apoio mútuo, enquanto que os humanos, por sua vez, enfrentam uma das maiores epidemias de todos os tempos, causada por um vírus manipulado geneticamente, através dos macacos usados em laboratório pelos humanos. Os poucos sobreviventes precisam recomeçar praticamente do zero. Sem todos os recursos básicos para tornarem a se reorganizar, inclusive energia elétrica, um grupo de sobreviventes planeja adentrar a floresta para reativar uma usina lá instalada. Um dos líderes deste coletivo, Malcolm (Jason Clarke) ao se deparar com os símios, é um dos poucos a entender que estes também merecem ser respeitados e assim tenta agir pacificamente e impedir que o confronto aconteça. A começar quando um de seus companheiros, assustado, atacara aos macacos sem que estes nada o façam, movido unicamente pelo medo em relação a eles e estes em resposta os expulsam da floresta.

Apesar da arrogância de muitos humanos que acham que os macacos, apesar de mais fortes, não têm direito de negar a eletricidade a eles, por isso devendo tomá-la pela força, Malcolm insiste em evitar uma ação violenta e consegue, após muita paciência e coragem para se arriscar, um entendimento pacífico com os macacos. Mesmo ao custo de que entre esses mesmos macacos, muitos como é o caso de Koba (Toby Kebbell), maior colaborador de César, acharem que seu líder é fraco ao se dispor a ajudar aqueles humanos, ao invés de lhes expulsar. Isso se não até mesmo exterminar aos que considera velhos opressores. Para Koba, todos os humanos eram maus e mereciam pagar por todo o mal que já fizeram aos macacos.

A postura igualmente desconfiada e agressiva de um humano do grupo de Malcolm, ao portar escondida uma arma de fogo que acabou descoberta por César, reforça as justificativas de Koba que, então, espionando um armazém de armas dos humanos, rouba armamento de dois vigias que ele mata e planeja a vingança contra os humanos que tanto já abusaram deles (sendo que Koba tinha duras lembranças de quando fora uma cobaia de laboratório). 

Comentário: Vemos os macacos e humanos convivendo de modo que um grupo ignorava a existência do outro, até que o contato se faz de modo traumático entre os dois lados, quando um dos humanos tenta atirar em um dos macacos. Se percebe no agressor humano o medo e um preconceito, em relação aos macacos por ele vistos como meros animais inferiores. Os macacos, ressentidos com o duro tratamento em outros tempos dos humanos, igualmente não querem qualquer diálogo. Cabe a Malcolm mostrar aos macacos que nem todos os seres humanos desprezam aos símios. Numa postura muito semelhante ao militar brasileiro Candido Rondon (1865-1958) ao tentar conciliação com os índios que hostis ao avanço da civilização em seus domínios, tendo declarado “Morrer se preciso, matar nunca”. E como Rondon, a postura do personagem Malcolm não é bem aceita por muitos de seus iguais como Dreyfus (Gary Oldmann) que acham isso um absurdo devido à arrogância de um sentimento de superioridade, mesmo quando os macacos dominam o contexto. Certamente não diferente dos que muitos viam aos nossos índios como meros selvagens que atrapalhavam a marcha do progresso nos séculos XIX e (inicio do) XX. Ou seja, esses trechos são ruma clara metáfora das tumultuadas relações humanas onde cada grupo, seja por causa de sua cor, religião, língua, história, ou outro aspecto se acha superior aos demais, ou pelo menos mais digno, mais certo, com mais direito a ter a razão. E nisso a dificuldade de cada parte da questão, deixar de lado os seus argumentos para repudiar ao outro e dar uma chance de entendimento ao mesmo. O que se percebe bem nos diversos conflitos étnicos, políticos e/ou religiosos ao longo de todo o mundo, onde opressor e oprimido, cada um justifica que ele tem a razão e outro lado é o errado.

Capa do filme: O planeta dos macacos: o confronto

Segunda parte do enredo: Koba, ao que parece, consegue assassinar César e incrimina os humanos. Koba assume o controle da tribo dos macacos e inicia um ataque à comunidade dos homens, disposto a massacrar todos os humanos que resistam e aprisionar e oprimir aos sobreviventes, tal como os humanos lhes faziam. Koba tem o apoio do ingênuo filho de César, Olhos Azuis. Somente quando Koba mata um de seus amigos que contesta a selvageria deste que, além disso, lentamente aprisiona todos os colaboradores que pensavam como César numa convivência pacífica que, então, Olhos Azuis enxerga o tirano que não irá resolver o conflito, mas sim o piorar, pois os seres humanos que escaparam se obrigam a resistir. Tendo agora a justificativa moral de que os macacos foram os que começaram o ataque, ao passo que Koba acredita que essa é a divida com os humanos a ser paga. 

Comentário: Koba, aparentemente não ambiciona o poder, mas está tão obcecado em sua crença de que os humanos são um mal a ser exterminado, não passando de vilões que devem pagar por todo o mal que já fizeram e que em nome disso conspira contra sua própria gente para conseguir tal objetivo. Conspira contra César, prende a todos os mais fieis colaboradores do velho líder e assassina, perante todos os demais, a um macaco que o questiona por que tanto sangue. Porém, é interessante que Koba acredita que César é um fraco, alienado e por isso precisa morrer para que um líder mais coerente o substitua e conserte tudo. Tanto quanto ele igualmente considera traidores aos que não entendem ou não aceitam o caminho que trilha nessa cruzada dos macacos contra os humanos. Igual aos radicalismos ideológicos, como no Brasil do Regime Civil Militar, aonde os que não eram leais (ou submissos, passivos) ao governo eram entendidos como subversivos. Ou os que criticam o atual governo do PT são entendidos pelos que o defendem como sendo estes outros os neoliberais, reacionários, burgueses, mesmo que de fato o sejam ou não. Entendem? A dicotomia de que tudo é branco ou preto, não admitindo cinza ou listrado. O que pode ir além das ideologias políticas, como acontece na religião, entre outros casos do grupo que se acha certo e esse achar lhe confere a certeza de que tem o direito de ser hostil ao que lhe discorda. 

Mas voltando a analisar as posturas seguidas de Koba, ele igualmente se enxerga no direito de “pagar na mesma moeda” aos seus opressores, fazendo justamente o que criticava neles, colocando-os em jaulas para os macacos com eles se divertirem como num zoológico. Isso até o momento que decidisse também lhes dar fim. Ao longo da história, grupos tomados por um fervor ideológico de reparação histórica fizeram o mesmo. Um exemplo foi o massacre de 1804 ocorrido no Haiti, com o imperador negro Jaques I (Dessalines) em que exterminou aos brancos do país vistos como opressores que precisavam ser punidos com o seu próprio sangue derramado. Um destino semelhante fora planejado por alguns líderes de movimentos revolucionários no Brasil que, contudo, não se concretizou como por ocasião da Revolta dos Alfaiates (1798) e Revolta dos Malês (1835) que nunca chegaram de fato a assumir o poder. Sendo que cito essas comparações por terem relação com a história do continente americano em que nós vivemos, mas exemplos recentes não faltam no mundo todo. E que podem ser discutidos em outro momento para não alongar ainda mais a esta análise.

Confronto entre macacos e humanos

Terceira parte do enredo: Malcolm encontra César ferido e o recolhe na casa que pertencia ao antigo dono de César, o cientista Will Rodman (James Franco) da história anterior (“A origem”). Enquanto se recupera o símio relembra ao amigo (e dono) possivelmente já morto pela epidemia (em vista do abandono da casa) dizendo que ele era um bom humano. Re-encontrando ao filho Olhos Azuis, César não vê outra saída senão matar Koba que nunca aceitaria qualquer trégua com as pessoas e continuaria até o fim a disseminar ódio vingativo. O confronto entre eles, portanto, é inevitável, ocorrendo num prédio onde Koba monta seu quartel general. 

Ocorrendo que eles nem imaginam que Dreyfus enchera de explosivos C-4 o prédio onde os macacos se instalaram, uma vez que não confia na promessa de Malcolm que César fará os macacos recuar suas hostilidades. Dreyfus justifica que os símios começaram a guerra, quando acusado de impedir a reconciliação. Paralelo a isso César, após desgastante luta vê Koba ficar dependurado, pedindo clemência quando cita um mandamento dele de que macaco não mata macaco (um irmão não mata outro irmão). César apenas responde que Koba não era mais macaco, talvez até porque Koba mais de uma vez descumprira esse mandamento, deixando-o então que despenque do prédio para a morte. Logo, em seguida Dreyfus consegue, apesar da resistência do colega, detonar os explosivos, matando inúmeros macacos. Malcolm tenta se explicar com César e este é complacente expondo que Koba destruiu a paz e assim se vai com o seu grupo, antes que reforços humanos chamados por Dreyfus chegassem.

Comentário: O radicalismo de Koba torna inevitável o confronto com o moderado César. Se este último deseja vingança não é claro. Vemos somente que com ou sem César, os humanos não se submetem, de modo que a política agressiva de Koba não tem como se sustentar por muito tempo, dado que se César não o tivesse vencido, a explosão do prédio a teria feito, seguida com a vinda de reforços do exército que estava a caminho. Tanto Koba como Dreyfus se mostram faces diferentes de uma mesma moeda, onde cada um tem suas alegações não tentar a conciliação. Muito semelhante às hostilidades de comunidades negras e brancas em várias regiões dos EUA, onde cada lado alimenta o ódio ao outro (como pode ser comparado no caso da morte do jovem negro Michael Brown, de 18 anos por um policial branco em 2014 que serviu de justificativa para mais um conflito racial no país). E justamente essa hostilidade mútua que inviabiliza os esforços de César e Malcolm para cessar o derramamento de sangue que seria certo de continuar a um nível cada vez mais fora de controle. Sendo interessante ainda perceber que César até ser levado à antiga casa de Will, parece apenas tolerar os humanos, não vendo motivos para maior proximidade com estes, talvez em parte por tudo que sofrera a ponto de ter realizado a fuga mencionada na história anterior. Mas ao relembrar sua convivência com o antigo dono, o líder macaco parece ver o que antes suas mágoas lhe impediam de perceber: poderia sim haver uma afetividade sincera entre as duas espécies. Bastando apenas cada um reconhecer o valor do outro, perceber que as diferenças não eram maiores que os interesses comuns que poderiam compartilhar.

Considerações finais: Em suma, um filme para reflexões, perigosamente provocante a revermos nossos valores até que ponto somos um Malcolm, um César ou mais nos aproximamos de um Dreyfus, um Koba. E que lições esperamos passar às gerações futuras, como por vezes Malcolm se questiona com o que seu filho Alexander (Kodi Smit-McPhee) que legado lhe ensinar: a possibilidade de paz ou a continuidade da violência.




Trailer do filme



Sobre o Autor: 

LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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