O MOVIMENTO SOCIALISTA NOS ESTADOS UNIDOS

Acompanhamos neste ano as prévias eleitorais dos dois maiores partidos para a disputa a presidência dos Estados Unidos. O pré-candidato do Partido Democrata, Bernie Sanders, chamou a atenção nesta disputa pelo simples fato de se dizer um socialista e empolgar grande parte da juventude – frequentemente desiludida com a política tradicional – com seu discurso critico ao grande capital de Wall Street. Contudo, Sanders, não é o primeiro socialista a tentar chegar a presidência dos Estados Unidos. O próprio movimento socialista deste país tem uma trajetória muito interessante; que tentaremos expor em partes neste texto.


Os Falanstérios e os Owenitas

A partir das ideias de Marx e Engels, passou-se a distinção entre Socialistas Utópicos e Socialistas Científicos. Os chamados “utópicos” acreditavam numa sociedade mais justa (diferente do contexto no qual viviam, em pleno desenvolvimento da Revolução Industrial), sem no entanto organizar a classe trabalhadora para que ela própria se tornasse sujeito de sua libertação e protagonista desta sociedade mais justa. Entre estes “socialistas utópicos” está o francês Charles Fourier (1772-1837) idealizador dos chamados “falanstérios”. Os tais falanstérios seriam grandes complexos habitacionais, industriais e rurais onde pessoas trabalhariam em conjunto para produzir tudo de que necessitassem – roupas, comida, lazer. E foi precisamente nos Estados Unidos que esta ideia de sociedade justa, encarnada nos falanstérios, foi levada mais a sério. Só para citar os casos mais promissores, em Nova Jersey no ano de 1841 foi criado o falanstério Falange Norte- Americana; e em Dallas no ano de 1855 foi criado o falanstério La Reunion. Quem habitava estes lugares? Geralmente imigrantes franceses, belgas, ingleses e muitos pioneiros estadunidenses que adotaram as ideias de Fourier e ajudaram na construção destes complexos.

Falanstério abandonado

Em paralelo às ideias de Charles Fourier, o galês Robert Owen (1771-1858), gerente da industria têxtil preocupado com as duras jornadas de trabalho de seus funcionários, constituiu na cidade de New Harmony, no estado de Indiana, uma comunidade baseada nos princípios de cooperação. Os seguidores de Owen, os chamados owenitas, mantiveram por muitos anos estes princípios. Um destes seguidores de Owen foi o anarquista estadunidense Josiah Warren.

Ambas experiências, dos falanstérios e dos owenitas, não se espraiaram, ou não tiveram a devida continuidade, contudo serviram para criar um clima de que é possível a construção de alternativas ao capitalismo que marchava a todo vapor pelos Estados Unidos.

Liberdade e igualdade

A história da formação dos Estados Unidos, da guerra contra a Inglaterra e independência, até a expansão para o oeste, é marcada pelo conceito de “liberdade”. Os Estados Unidos seriam a terra da liberdade onde qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, poderia ser o que quisesse e enriquecesse de acordo com seu próprio esforço. O território estadunidense, no início do século XIX, restrito a uma centena de quilômetros da costa atlântica, se expandia para o oeste – a fronteira. Esta fronteira era idealizada como um lugar onde a terra era de fácil acesso e onde os pobres das grandes cidades poderiam mudar de vida ao se fixarem a um pedaço de terra – ao mesmo tempo em que os indígenas eram exterminados por estes “pioneiros desbravadores das fronteiras”.

Obviamente, nesta época (séculos XVIII e XIX) todos, ou a grande maioria, acreditavam que a liberdade de pensamento e ação (junto com as garantias de propriedade) seriam o suficiente para que os cidadãos dos EUA fossem felizes e tivessem uma boa qualidade de vida. Contudo, logo se verificou que a tal “Liberdade” não poderia proporcionar uma igualdade social. Como um país que se dizia livre mantinha em boa parte dos seus estados a instituição da escravidão?

Em 1860 veio a guerra civil. De um lado estados escravistas e de outro estados ditos “livres”, livres da escravidão. Nestes estados “livres”, muitos trabalhadores das grandes cidades viviam de forma muito precária: muitos não tinham casa, nem salário fixo; além de trabalharem por horas sem ao menos ter descanso semanal. Do que serve a liberdade num país desigual sem justiça social?

As desigualdades sociais existentes nos Estados Unidos, ficaram ainda mais evidentes com a vitória do “norte industrial” sobre o “sul rural escravista” na guerra civil. O capitalismo industrial financeiro se expandiu pelos territórios do oeste, integrando o país. Os trabalhadores assalariados cresceram nas cidades – que, por sua vez, também cresciam em número de habitantes. “A organização das classes trabalhadoras aumentou com o desenvolvimento capitalista, o que criou tanto um sentimento de classe como meios físicos de cooperação e comunicação. Ao mesmo tempo as dificuldades eram grandes; lutando com a classe trabalhadora estava uma classe capitalista, que se tornava mais impiedosa à medida que se tornava mais rica.”[1]

A tal “Liberdade”, encarnada na famosa estátua na cidade de Nova York, estava restrita aos grandes capitalistas.

Os trabalhadores se organizam

Os trabalhadores nem sempre foram unidos nos Estados Unidos. Havia divisões, por exemplo, entre as demandas dos trabalhadores brancos e dos trabalhadores negros, recém libertados da escravidão. Também havia a divisão entre trabalhadores nascidos nos EUA dos imigrantes. No século XIX os EUA foi o país da América que mais recebeu imigrantes. Desembarcavam nos portos de Nova York ou San Francisco italianos, alemães, irlandeses, holandeses, chineses, japoneses. Quando estes imigrantes não conseguiam um pedaço de terra para trabalhar, se estabeleciam nas cidades. Para os trabalhadores nascidos no país a concorrência com a mão de obra barata de estrangeiros era um motivo para preocupação. Isto explica sua dificuldade de organização em partidos: independente de cor ou origem, trabalhadores são trabalhadores.

Mesmo com tanta fragmentação entre os trabalhadores assalariados, algum tipo de organização em sindicatos e associações começou a surgir; tais como a Ordem dos Cavaleiros do Trabalho (fundada em 1869) e a Federação Americana do Trabalho (1881). Ambas não tinham propósitos nitidamente socialistas. Em 1905 foi criada a Trabalhadores Industriais Mundiais, que no seu manifesto de constituição trazia alguma tendencia socialista, ao menos no sentido de superação do capitalismo: “é missão histórica das classes trabalhadoras acabar com o capitalismo.”[2]

Em 1886, na cidade de Chicago, um importante centro industrial, operários se organizaram e fizeram uma passeata para revindicar 8 horas de trabalho. A polícia, a serviço dos governantes (que por sua vez estão a serviço dos capitalistas) foi chamada. Houve tiros de revólver e pancadas de cassetete nos trabalhadores em protesto. Alguns morreram sob os disparos dos policiais. A morte dos trabalhadores que estavam na rua pelas 8 horas de trabalho são lembradas até hoje. A Federação Americana do Trabalho realizou, nos anos seguintes, mobilizações no mesmo dia 1º de maio para lembrar do ocorrido – e a data passou a figurar em quase mundo todo como Dia do Trabalho e do Trabalhador; menos nos Estados Unidos onde o governo passou a data para setembro (com o intuito de não lembrar o massacre de Chicago).

Henry George

É neste cenário, nas últimas décadas do século XIX, que vai florescer o pensamento de Henry George (1839-1897). George tinha um pensamento reformista e defendia um sistema no qual impostos sobre terrenos ociosos urbanos e rurais poderiam ser usados para diminuir a pobreza. Em 1879, Henry escreveu um livro muito influente sobre o tema chamado Progress and Poverty (Progresso e Pobreza). Esta obra, bem como seu pensamento reformista, influenciou os fabianos ingleses e até mesmo jogos de tabuleiro como o conhecido “Banco Imobiliário” (também chamado Monopoly).

Os partidos socialistas nos Estados Unidos

Um passo importante do movimento socialista os Estados Unidos foi a criação de partidos com conteúdo nitidamente socialista. O primeiro deles foi o Socialist Labour Party of America (SLPA – Partido Socialista Trabalhista da América em português), criado em julho de 1876 que conseguiu organizar muitas greves nas grandes cidades industriais do país e lançar candidatos aos legislativos e executivos. O SLPA tinha inspiração social-democrata – uma social democracia em parte marxista mas que se tornava cada vez mais reformista ao longo dos anos. Um dos líderes do SLPA foi Daniel deLeon (1852-1914). DeLeon iniciou sua militância ainda na universidade, influenciado pelas ideias de Henry George. Em 1886 entrou para o SLPA e logo se voltou ao marxismo. Em 1904 concorreu ao governo de Nova Yorks. Em 1905 ajudou na criação do sindicato chamado International Workers of World (IWW – chamado de wobblies); em Chicago. O wobblies reuniu socialistas radicais, imigrantes, mulheres e negros (uma grande inovação no movimento operário). “Em Lawrence, Massachusetts, em 1912, uma greve em fábricas têxteis controladas pelo banqueiro J. P. Morgan chamou atenção dos trabalhadores por todo país. [...]. Com a coordenação dos ativistas italo-americanos da IWW, Joe Ettor e Arturo Giovannitti, os trabalhadores montaram uma central de greve, representando todas as nacionalidades, que se reunia diariamente para tomar decisões. Organizaram passeatas e grandes reuniões semanais em várias línguas. Fizeram piquetes 24 horas por dia e providenciaram comida para 50 mil pessoas. Grandes oradores do movimento socialista como Elizabeth Gurley Flynn, discursavam para os grevistas em enormes comícios.”[3]

O SLPA prdeu muita força com as disputas internas entre socialistas, marxistas e anarquistas (muitos vindos dos wobblies). Isto fez com que alguns militantes, descontentes, saíssem e formassem outros partidos. Como por exemplo o Socialist Party of America (SPA - Partido Socialista da América), criado em 1901. Este partido agregou algumas figuras bastante conhecidas como a escritora cega Hellen Keller, Kate Richards O ́Hare e Eugene Debs.

Kate Richards O ́Hare (1876-1948) era uma operária que se candidatou ao Senado em 1916 pelo estado do Kansas e escrevia em vários jornais a respeito de reformas necessárias para a classe trabalhadoras. Foi presa durante os anos de cesura da 1o Guerra Mundial (1914-1918).

Eugene Debs (1855-1926) também foi um dos fundadores do IWW. Oriundo originalmente do Partido Democrata. Em 1897 entrou no SLPA e em 1901 foi um dos fundadores do SPA. Debs era também um dos organizadores do Sindicato das Ferrovias Americanas. Em 1894 estes trabalhadores ferroviários fizeram uma greve na cidade de Pullman, em Illinois, pedindo melhores condições de vida na cidade – cidade que foi construída pela Companhia Pullman de construção de vagões de trem, cujo proprietário era George Pullman. A greve se tornou um acontecimento nacional, até o presidente dos EUA, na época o democrata Grover Cleveland, e o governador de Illinois se desentenderam. O saldo da greve foi 30 trabalhadores mortos e uma dezena de presos, entre os quais Debs. Em 1912, Debs se candidatou a presidência.

Do SPA surgiram outras legendas tais como o Social Democratic Party (Partido Social Democrata): fundado em 1898-1901 – dissolvido em 1972. Também surgiu atraves do SPA o Socialist Party of Unites States (SPUS -Partido Socialista dos Estados Unidos) em 1973. O SPUS define que “socialistas se opõem a todas as formas de governo da minoria, seja capitalista ou supostamente 'comunista'. [...]. O Partido Socialista, que é uma organização socialista democrática que se opõe a todas as formas de autoritarismo e opressão”[4]. E o Workers Party of America: fundado em 1921, dissolvido em 1929.

A influência da Revolução Russa de 1917 fez com que alguns socialistas criassem, no ano de 1919, o Communist Party of United States (CPUSA – Partido Comunista dos Estados Unidos ). Em 1928 um racha dentro deste partido colocou em lados opostos os defensores do stalinismo e do trotskismo. Os trotskistas fundaram em 1938 o Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores), sob influência da IV Internacional/trotskista. Uma das principais figuras do SWP é James Cannon (1890-1974). Oriundo do IWW e do SPA, Cannon fundou o CPUSA, sendo expulso em 1928 por suas simpatias pelas ideias de Trotsky. Nos anos 1930 foi encarregado de organizar uma seção estadunidense da IV Internacional.

Communist Party of United States

Outros partidos de caráter socialista foram criados nos EUA mas a maioria existe apenas nas esferas municipais e estaduais. Um bom exemplo é o partido Liberty Union Party de Vermont; fundado em 1970 e cujo um dos membros foi o senador Bernie Sanders (até 1979).

Uma grande figura do movimento socialista estadunidense, e que merece ser mencionada aqui, é o historiador e sociólogo William E.B DuBois (1868-1963). Militante do pan-africanismo e contrário a segregação racial, DuBois foi o grande inspirador dos movimentos civis dos anos 1960.

Guerra Fria, o fim da URSS e o avanço do neoliberalismo

Durante do período denominado de “guerra fria” (1945-1989) o mundo se “dividiu” entre a adesão a dois sistemas políticos-econômicos: o comunismo liderado pela União Soviética e o capitalismo liderado pelos Estados Unidos. Dentro deste país vigorou a ideologia do macarthismo. O nome marcarthismo se deve ao senador republicano Joseph McCarthy, famoso pelo seu Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas. Iniciou-se a chamada “caça às bruxas”, onde as bruxas eram todos aqueles suspeitos de ser comunista. A paranoia se instalou no país: vizinhos denunciavam vizinhos, sindicalistas denunciavam seus companheiros, trabalhadores seus colegas[5] Neste cenário que ocorre o famoso “caso Rosemberg”. Julius e sua esposa Ethel Rosemberg, militantes comunistas, foram julgados e acusados de “espionagem” a favor da URSS. Muitos artistas, intelectuais, o movimento socialista (independente do partido) e até o Papa apelaram para que o casal fosse poupado da sentença, mas em 1953 Ethel e Julius foram executados.

Com o fim da URSS muitos militantes socialistas acreditavam que seria o fim do socialismo. Mas os partidos socialistas se mantém em plena atividade, mesmo com o avanço neoliberal que tem ocorrido a partir da década de 1980. O movimento socialista dos EUA, bem como os partidos que ainda existem sob a bandeira socialista, acabaram agregando em suas lutas os mais variados recortes, tais como gênero, meio-ambiente, cultura, etnia. Ainda assim a questão trabalhista continua bastante presente.

Neste contexto, a popularidade do pré-candidato Bernie Sanders nas prévias de 2016 pelo Partido Democrata é bastante significativa. Um candidato que se diz socialista e faz a critica aos políticos tradicionais (de ambos partidos hegemônicos Republicanos e Democratas) talvez aponte que o socialismo está presente e quem sabe poderá crescer justamente no país que simboliza o anti-socialismo: os Estados Unidos.

Qual sua opinião?


Notas:

[1] HUBERMAN, Leo. História da Riqueza dos EUA (Nós, o povo). São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 206.

[2] HUBERMAN, Leo. História da Riqueza dos EUA (Nós, o povo). São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 212.

[3] KARNAL, Leandro [et al.]. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2011, p.186.

[4] Disponível em: http://socialistparty-usa.net/who-we-are.html

[5] Para saber mais sobre este período acesse: http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2014/10/estados-unidos-pos-
segunda-guerra.html

Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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