SINCERO OU PANFLETÁRIO? A ATUALIDADE DE LEÔNCIO BASBAUM

“Eu deveria, como cabe a um historiador, fazer, tanto quanto possível, uma análise fria e objetiva dos fatos e documentos, tal qual um marciano julgando a terra. Não sendo porém historiador nem habitante de marte, vi-me por vezes arrastado, contra minha vontade, em certos trechos, a um tom quase panfletário”[1]

Leôncio Basbaum (1907-1969) é um nome pouco conhecido dentro dos feudos acadêmicos. Nascido em Recife, este Intérprete do Brasil tem uma tão original quanto conhecida bibliografia; tais como O caminho da revolução operária e camponesa (1934), Fundamentos do materialismo (1944) e sua História sincera da república (quatro volumes publicados entre 1957 a 1968). Esta ausência de reconhecimento de seus trabalhos pode ter como causa uma tendência de parte da academia que considera ciência apenas os escritos de intelectuais moderados ou conservadores. Ou pouco sinceros, por serem neutros? Também, pelo erro grotesco de parte da academia que reduz a esquerda aos intelectuais vinculados ao comunismo – afinal Basbaum depois de idas e voltas, no final da década de 1960 recebeu o convite e não aceitou retornar ao Partido Comunista Brasileiro, mesmo sem deixar de ser comunista. Leôncio Basbaum foi vinculado ao PCB, ao comunismo, mas nunca foi famoso como Luiz Carlos Prestes ou Mário Maestri. Além disso, sua relação com os demais comunistas de seu tempo foi marcada com pontuais divergências quanto ao trabalhismo. Sobre este debate, vamos relatar mais adiante. Infelizmente Leôncio Basbaum é ocultado pela História do comunismo brasileiro e pela nossa historiografia.

Basbaum foi militante desde os onze anos de idade, quando em 1918, participou de uma manifestação de comemoração pelo fim da 1a Guerra Mundial. Sua relação com a política foi bastante agitada, tendo conhecido a prisão mais de uma vez, e em 1926 começou a militar pelo PCB. Estudante de medicina no Rio de Janeiro, trabalhou como revisor do jornal Gazeta de Notícias para pagar os estudos. Neste período ingressou na União dos Trabalhadores Gráficos. Em 1928 participou junto com a Juventude Comunista, da qual era secretário-geral, do V Congresso Internacional da Juventude Comunista, em Moscou. Diferente de seus camaradas de partido, Basbaum tinha uma visão distintiva da Revolução de 1930, “Discordando da maioria, afirmou que o movimento havia contado com o apoio popular e lamentou que o partido dela não tivesse participado, numa tentativa de imprimir-lhe outro rumo”[2]

Leôncio Basbaum, organizador da Juventude Comunista do Brasil (JCB)

Na década de 1930, organizou greves e esteve preso algumas vezes. Participou da Liga Anti- Fascista em 1934, pouco antes de ser expulso do partidão e por isso não foi um dos insurgentes de 1935. No ano seguinte, foi reconhecida a irregularidade de sua expulsão pelo Comitê Central e voltou a atuar no partido, se afastando definitivamente em 1952. Algo semelhante aconteceu no Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, com aproximação e posterior afastamento. Essas mudanças sugerem o entendimento de que Basbaum possuía autonomia intelectual, não se satisfazia em reproduzir ideias, mas se preocupava em inventar. Em toda a sua vida, contrariou várias ideias do PCB, do ISEB e também dos historiadores de seu tempo. Após formado trabalhou algum tempo em empresas farmacêuticas. De espírito empreendedor, chegou a abrir uma fábrica metalúrgica, que faliu em pouco tempo. A vida deste militante na História foi bem conturbada.

Basbaum começou a escrever numa época em que o conservadorismo dos historiadores era identificado com uma pretensa “neutralidade”. É neste quesito que vem a atualidade de Leôncio. Enquanto os acadêmicos se preocupavam com os rigores de tornar a História uma ciência metódica ao extremo, Basbaum trazia uma critica sincera, despreocupada em olhar a História como algo rígido, sistemático e sem graça. “Basbaum preocupou-se fundamentalmente em realizar um estudo crítico sobre o Brasil. Esse é o principal valor de seu trabalho”[3]

Para o historiador, o Brasil possuiu algumas peculiaridades em sua formação. O seu capitalismo surgiu transplantado, antes do trabalho livre, criando uma mistura de escravismo, feudalismo e capitalismo. Outra característica própria de nosso país foi não ter existido uma acumulação primitiva de capitais, pois o nosso capitalismo surgiu quando ele já existia em partes do continente americano e na Europa. O que aqui ocorrera foi por ele chamado de acumulação de segundo grau. O novo modo de produção, desta forma, aqui nasceu débil. A nossa república foi proclamada através de um golpe militar de militares que não eram republicanos, cujos líderes eram os marechais monarquistas Deodoro e Floriano. O novo governo, republicano, tinha como primeiro ministro da fazenda Rui Barbosa, que não era republicano. E o braço direito do presidente era o monarquista Barão de Lucena. Assim surgiu a República das espadas, que foi seguida pelo Reino do café e pelo Império do dólar. No campo existiam sub-classes rurais. Essas ideias estão na sua obra clássica História sincera da república, nos dois primeiros volumes.


Quando chegou a época das Reformas de Base do governo Jango, Basbaum questionou a sua derrubada: “Onde estavam aqueles milhões de eleitores que o haviam eleito vice-presidente em 1955?”, “E os milhões de eleitores que o reelegeram para o mesmo cargo em 1960, mesmo fora da chapa vitoriosa de Jânio Quadros?”, “Onde estavam o CTG, o Pacto de Unidade e Ação, a UNE, que apoiavam sua política nacionalista e as reformas de base planejadas?”, “Onde estava o PCB, que nele votara, e com cuja volta à legalidade estava de acordo?”[4] Através destes questionamentos pertinentes, o autor estimulava a reflexão e um pensamento crítico sobre este período.

Os objetivos últimos, nas suas pesquisas históricas, foram o modo de vida do povo brasileiro, suas condições materiais de existência econômica, política e cultural. Nossa História republicana possui, segundo o seu entendimento, inconsequência e falta de lógica, se tratando de uma comédia de absurdos. Dessa maneira que Basbaum se comunicava em seus livros, com uma linguagem popular, para ajudar a criar as condições para acontecer o fato histórico mais importante de nossa História. Não basta para um militante ter estudos detalhados sobre o Brasil e sua realidade, é preciso utilizar o conhecimento para transformá-la! E a forma de comunicar as suas investigações, foi uma de suas ações revolucionárias!


Devemos nos apropriar e seguir o exemplo basbaunista. Atualmente, a academia está preocupada em transformar estudantes em reprodutores de textos e não em produtores de ideias originais. Professores universitários preocupam-se com a estética. Fazem dos graduandos máquinas de vomitar autores consagrados. A análise e a crítica do passado e sua relação com o presente foram substituídas por tediosas análises de discurso. Não é esta história que nos filiamos. E mais uma vez propomos a tendência basbaunista: melhor correr o risco de nos acusarem de panfletários do que cair na inércia e mesquinhez academicista! História é denúncia! E se não for usada como um instrumento para a mudança social, ela voltará a servir aos conservadores e reacionários, sem denúncias das contradições, que são frutos de nossas lutas de classes; assim como servia a muitos daqueles que escreviam na época de Basbaum e aos quais este criticava. Em tempos que a critica, só possível pelo ensino lúcido da história, é encarada como “doutrinação”, por setores reacionários da nossa sociedade[5] , o exemplo de Leôncio é necessário.

Leôncio Basbaum exemplifica o que Nelson Werneck Sodré afirmava sobre a História: “A história é ciência revolucionária – a ciência das ciêncas, aliás, todas são por ela afetadas; um bom professor de história é, pois, originariamente revolucionário.”[6] A bibliografia do historiador Basbaum tem muito a nos ensinar.


Notas:


[1] BASBAUM, Leôncio. História sincera da república. São Paulo: Alfa-Omega, 1986, v. 1, p. 9.


[2] Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/BASBAUM,%20Le%C3%B4ncio.pdf

[3] PERICAS, Luiz Bernardo; SECCO, Lincoln Ferreira (orgs.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados.São Paulo: Boitempo, 2014, p. 60.

[4] PERICAS, Luiz Bernardo; SECCO, Lincoln Ferreira (orgs.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 75.


[6] CUNHA, Paulo Ribeiro da. Um olhar à esquerda. A utopia tenentista na construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré. Rio de Janeiro: revan; São Paulo: FAPESP, 2002, p. 58.



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio La Integracion. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.

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