Alexander Von Humboldt foi um cientista que desenvolveu diversas áreas do conhecimento, como antropologia, geografia e física. Recebeu a alcunha de “descobridor científico da América” e em 1804 conheceu pessoalmente o “libertador” Simon Bolívar. Humboldt defendia que o historiador digno desse nome deveria apresentar qualquer episódio como parte de um todo. O historiador deve perscrutar não as causas finais e enumerar os acontecimentos antecedentes dos quais surgiram os posteriores, mas investigaras forças agentes e criadoras que deram origem aos movimentos na História, em circunstâncias concomitantes. Assim sendo, o historiador não seria merecedor desse nome, se apenas tivesse preocupações em descrever em detalhes os nomes, as datas, os acontecimentos, sem relacionar eles com algo maior. A interpretação da Revolução Palmarina, da Lei Áurea, entre outros objetos de pesquisa do historiador, estariam em grande medida fora deles.
Usando as idéias de Humboldt como inspiração neste breve texto, vamos encontrar contradições. E a contradição é uma velha companheira da História, também no caso do Brasil Colonial. Pelo menos é o que nos mostram as relações entre a Coroa Portuguesa e as sociedades originárias. Enquanto a Coroa trazia para o espaço colonial americano, diversos colonos que escravizavam os indígenas, por outro lado de diversas maneiras buscava proibir e limitar a escravidão dos ameríndios. Sobraram leis, alvarás, provisões, resoluções, regimentos, cartas régias que eram queimadas em praça pública, quando os colonos não efetivavam verdadeiras revoltas com armas em punho para manter o indígena como força de trabalho. Nesses eventos, os jesuítas eram expulsos, em disputas para saber quem ficaria com a posse dos indígenas para bem viver através de sua exploração. Muitos governadores, por serem os porta vozes das decisões restritivas metropolitanas foram depostos em golpes de estado, almejando o usufruto do indígena como trabalhador escravizado.
A Coroa Portuguesa preferia que o trabalhador escravizado fosse o negro africano, pois ganhava com o tráfico algo que não adquiria quando os fazendeiros exploravam os indígenas. Os colonos, portanto, enfrentavam a regulação da Coroa da escravização indígena, e havia também contra eles os altos custos do trabalhador importado africano, que foi se tornando a única possibilidade de viver da exploração do trabalho. Mas o aparato estatal exageradamente coercitivo, se criava problemas para a classe dos proprietários de terra e de gente, empurrava os negros para os quilombos. A instância política escravista do Brasil favorecia mais os nobres portugueses, os comerciantes e banqueiros europeus, que as classes inferiorizadas, formada por indígenas, negros, colonos.
Com a Revolução Palmarina, a Revolução Haitiana, a Revolta Pernambucana de Pedroso, além da Guerra do Paraguai, alimentando o medo das classes dependentes da classe dos produtores negros, a década de 1880 foi o auge da insatisfação social com o modo de produção escravista. Como a Coroa Portuguesa que possuía a estrutura necessária para o comércio triangular, foi somente após a independência que surgiram leis abolicionistas, o estado do Brasil foi proibindo e limitando a escravização dos trabalhadores negros.
Os quilombos brasileiros eram o contrário dos quilombos africanos. Décio Freitas dividiu os mocambos brasileiros em agrícolas, mineradores, mercantis, pastoris, predatórios e de serviços. Afirmava que a substituição do indígena pelo negro africano acontecia sempre quando a economia colonial se articulava com o comércio internacional. Foi essa a motivação para a expulsão de jesuítas e de espanhóis do Brasil Colonial, posto que a reprodução do sistema escravista negro tinha base externa. É correto, portanto, afirmar que os jesuítas e a Companhia de Jesus não foram expulsos pelo humanismo iluminista e esclarecido de Marquês de Pombal.
O mercantilismo libertou os indígenas da escravidão na América, o capitalismo industrial emancipou os negros com a Lei Áurea representando um de seus marcos na História do Brasil, e a cada novo modo de produção que surgia o estado importava trabalhadores, seja da África, ou dos países europeus, entre eles Alemanha e Itália. Aqueles que antes eram inseridos de modo subalterno nos modos produtivos, foram sendo substituídos por outros trabalhadores.
Apenas o topo do mercantilismo europeu se satisfazia com a escravidão colonial, ao ponto dos revolucionários palmarinos servirem de modelo para todos os povoadores da América portuguesa. Um historiador do Império pôde afirmar que “A recordação de Palmares, admirada pelos próprios brancos, exaltava a imaginação dos escravos”. Os citados brancos que viviam nesse contexto, entre eles, muitos do agrupamento político dos conservadores, somaram-se ao abolicionismo parlamentar. Os citados brancos, de outros grupos, como os soldados que participaram da Guerra do Paraguai, desertavam e viveram com os negros e indígenas nos quilombos, os que retornaram ao Brasil depois do término do conflito mais sangrento da História da América do Sul, não aceitaram mais perseguir os negros que fugiam da escravidão.
A América possui uma História multifacetada, mas desde as invasões europeias passou a relacionar-se com o mundo. Ainda é pouco compreendido o papel que desempenhou a Europa na História do Brasil Colonial e durante os seus dois reinados. O Brasil quando era colonizado fazia parte do todo, ou seja, do Império Português. Com a Independência, mudou a circunstância interna, a exemplo de quem fornecia o trabalho. A forma como o Brasil se relacionava com os outros países foi uma força criadora da sua História.
Referências:
FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 3° ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.
KOSELLECK, Reinhart ... [et al.] O conceito de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. (Coleção História e Historiografia, 10)
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio comunitária A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
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