RÁDIOS COMUNITÁRIAS: Um instrumento pedagógico da militância popular – o caso do História em Pauta

As rádios sempre tiveram um papel duplo na história da América Latina: a atribuição pedagógica de esclarecer as mentes em relação a temas importantes, tais como política, economia, sociedade e história; e um valor político, como no caso da Rádio Rebelde, inaugurada por Che Guevara na Sierra Maestra, durante o processo revolucionário, ou a Rádio Legalidade criada por Leonel Brizola para organizar politicamente o povo em prol da defesa democrática da legalidade. Mais recentemente, a Rádio Insurgente dos zapatistas, traz também muito da cultura popular que este movimento cria e difunde, além de manter o seu papel político.

É nesta tradição que se insere o nosso História em Pauta. O programa iniciou no bairro Americana, na cidade proletária de Alvorada, na extinta web rádio 3W. Após o misterioso fechamento da 3W, iniciamos uma nova etapa na web rádio do Ponto de Cultura La Integracion, em Porto Alegre. Quase um ano depois de estrearmos no La Integracion, fomos subitamente surpreendidos com as portas fechadas do espaço que nos acolheu por mais de um ano. Seguimos nossa caminhada na rádio comunitária A Voz do Morro FM 88.3 (avozdomorro.blogspot.com), que nos acolheu de forma muitos respeitosa e onde estamos aprendendo e ensinando sobre nossa história. Nossa teoria é a prática! 

Foto tirada na web rádio 3w

Quando um indivíduo fala num microfone da rádio, ele sente que sua voz tem poder. O empoderamento das pessoas é algo importante, tanto quanto o potencial libertador ao nível individual do lugar de fala. No caso do História em Pauta, cada participante é instigado a produzir junto com os radialistas, muitos dos detalhes que fazem parte de cada edição. O tema é escolhido pelo convidado, o roteiro é elaborado, e colocado a disposição da pessoa entrevistada, podendo ela alterar, acrescentar ou suprimir algum questionamento proposto após um estudo prévio relacionado com as pautas. Daí, dizemos que o História em Pauta é “a tua cara, a tua História”.

Quem vivencia o transcurso empírico americano usa a reunião de estudos no formato de programa de rádio para relatar o acúmulo de experiências da parcela da humanidade localizada nas Américas ou no Caribe. Através de diversos recursos, como as redes sociais, as novas tecnologias, ou a gravação de uma conversa, por vezes, carregada de informalidade, de dentro de um estúdio em uma radiofusão, preferencialmente de tipo comunitária, aonde o pedagógico se diferencia do político. Estamos inseridos na relação academia/periferia-periferia/academia, que nosso professor Walter Lippold já abordou em nossos programas.

Foto tirada na La integracion 

Além desta relação, que nos é muito cara, pois traz consigo o viés pedagógico, também nos preocupamos em desvendar as “histórias ocultas” de nossa realidade local, como do futebol operário ou do bairro Restinga em Porto Alegre.

Usamos como palavras de ordens frases como “História, educação, polêmica”, ou que “Nossa teoria é a prática”, motivados pela mesma expectativa do autor de História militar do Brasil, o militar comunista Nelson Werneck Sodré, para quem o fato histórico mais radical de nossa História não aconteceu, ainda. Como os “intérpretes do Brasil” e o ex presidente triunfante na Revolução de 1930, Getúlio Vargas, nosso ponto de partida é inventar novas experiências, para as gerações futuras teorizarem acerca delas. Valorizamos a competência de historiadores como o tucano Bóris Fausto, registramos documentos diversos, que nos alimentam a compreensão de nosso ir e vir pelos séculos. Por que a pedagogia se separa da política, sabemos que sem a empiria, ficamos alienados da realidade, do lugar da nossa fala, sobrando sectarismos que nos limitam, mesmo nos condicionamentos de apenas empoderamento. O que separa o militante do fanático alienado é a capacidade do primeiro de agregar para sua causa, e o defeito do segundo é seu isolamento por defender uma visão estreita.

Foto tirada na rádio A Voz do Morro

A questão do espaço, também é muito importante quando se milita socialmente com rádios comunitárias. Uma vez que as ondas transmitidas chegam até um determinado local e também o caracterizam. “Como é um espaço produzido pelo trabalho, o espaço geográfico é, a um só tempo, resultado e agente impulsor do desenvolvimento da história dos homens.”[1] Neste sentido, o espaço é o local onde é realizada a transmissão, mas também aquele que a recebe. O trabalho é o estudo e a disseminação das ideias políticas-sociais e históricas.

A História (a nossa, com inicial maiúscula) é, para o historiador, um depósito inesgotável de instrumentos e objetos de trabalho. Desta maneira, foram nossas pautas os seguintes conteúdos: movimentos sociais, ocupações, assentamentos, fatos e personalidades históricos, intelectuais esquecidos, livros, entre outros. Havendo ou não convidados, pensando que para nós todo latino- americano, em um regime colonial de saber, sofre a opressão de não estar localizado no discurso oficial da academia, e mesmo fora dela. Descolonizar o saber, é ampliar e tornar mais concreto a categoria lugar de fala, no nosso entendimento. O conhecimento somente subverte o colonialismo, se for popular.


Notas:

[1] MOREIRA, Ruy. O que é geografia. Coleção Primeiros Passos, volume 12. São Paulo: Círculo do Livro, sem data,
p. 106.



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na  rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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