PEC 287: O DESMONTE DA PREVIDÊNCIA

O avanço do neoliberalismo é um tremendo retrocesso, já que ele se faz um mero remendo a disfarçar os buracos abertos pela incompetência de governos irresponsáveis. Uma costura tosca que, aliás, sempre cabe à população menos favorecida depois o vestir. Daí que temos que o combater para que não continue se repetindo a velha máxima de que o justo deve pagar pelo pecador.

E o pior disso: nessa atual década, nós temos visto uma cruzada desesperada promovida pelos mais diversos veículos de informação, tentando nos convencer da dita necessidade de serem feitos esses incontáveis remendos. Consertos grosseiros num tecido totalmente carcomido por um misto de incompetência e corrupção de nossos dirigentes que, deste modo, cedo ou tarde voltará a se abrir. Uma vez que nada se fala em ser feito algo contra as “traças” que o atacam.

Exagero de nossa parte? Quem nos dera! Basta ver, por exemplo, a chamada “Reforma da Previdência”, defendida por meio da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 287/2016. Nada mais do que uma, dentre outras, iniciativas visando à destruição do Estado moderno brasileiro, que o dizem estar obsoleto.

Logo este Projeto de Emenda Constitucional 287 do ano de 2016 (chamado erroneamente de Reforma da Previdência) está claramente inserido num pacote antinacional. O qual vem ganhando força, principalmente agora com o golpista Michel Temer (PMDB) e seus lacaios vendilhões do Estado no poder. Isso porque a previdência brasileira não é deficitária! Não? Isso mesmo: não.

Mas como podemos dizer que o discurso em prol da “Reforma da Previdência” é um ataque a todo o país, sustentado por uma maquiavélica falácia? Por várias razões. Todas elas embasadas em estudos sérios sobre isso. Mas se assim, quais seriam estas justificativas a tudo que nós estamos aqui afirmando? Bem, primeiramente, é fato de que muito se arrecada. Nosso país tem uma carga fiscal elevadíssima. E o pior disso é que tanto dinheiro arrecadado não retorna à população.

Até mesmo para a Previdência? Para responder isso que tal vermos alguns dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP – disponível no site:http://fundacaoanfip.org.br/site/2016/07/a-falacia-do-rombo-na-previdencia/)?

Com base nesta fonte, podemos ver que os superávits (saldos positivos, “lucros” por assim dizer) são de modo inegável, sucessivos. Para tanto confira, se tiver fôlego: R$ 59,9 bilhões em 2006; R$ 72,6 bilhões em 2007; R$ 64,3 bilhões em 2008; R$ 32,7 bilhões em 2009; R$ 53,8 bilhões em 2010; R$ 75,7 bilhões em 2011; R$ 82,7 bilhões em 2012; R$ 76,2 bilhões em 2013; R$ 53,9 bilhões em 2014.

Dinheiro que não chega todo aonde deveria chegar não só por causa da corrupção, mas também por causa do fisiologismo e corporativismo político. Sendo este o aspecto seguinte a ser analisado: uma classe governante que existe para si e não para os seus representados. Manifesta tanto a nível federal como nas demais esferas do poder.

Senão vejamos: que tal começarmos de cima e depois vermos um ou outro exemplo menor? Vamos lá! Uma amostra disso se viu no período de 2010 a 2015. Foi quando o governo federal chegou a contar com 39 ministérios, consumindo toda essa estrutura burocrática R$ 400 bilhões no ano. Sendo só em salários 214 bilhões, o equivalente a 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do País (fonte: http://istoe.com.br/411245_A+INSUSTENTAVEL+MAQUINA+DO+GOVERNO/).

Cargos criados e com necessidade de serem remunerados aos seus ocupantes, visando principalmente o pagamento de favores políticos. Ao passo que para termos uma noção mais ampla deste inchaço corporativista, o número de ministérios no tempo do segundo governo de Vargas (1951-54) que era de apenas 11. Sim, o mesmo Getúlio Vargas tão criticado por uns e outros de ter burocratizado demais ao Estado brasileiro que agora “precisa” ser desmontado.

Claro que muitos podem pensar: os tempos eram outros. Justificando que há a necessidade hoje de um aparelho de governo maior do que havia 63 anos atrás. Talvez, se não fosse que os EUA nesta mesma época (2015) contavam com apenas 15 ministérios. Claro que com a crise, a então presidente Dilma Rousseff chegou a reduzir as pastas ministeriais para 32.

Redução por sinal continuada em 2017 com Michel Temer, após este tomar a presidência da ex-aliada. Mas só até necessidade da habitual troca de favores, aumentar novamente o número de ministérios para um total de agora 28(https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas- noticias/2017/02/02/com-novos-ministerios-temer-tem-agora-4-pastas-a-menos-que-dilma.htm).

Ocorrendo que a existência de incontáveis municípios sem condições de se sustentarem é outro inchaço existente muito mais para satisfazer a aliados políticos. Por sinal tão gritante que é também uma das grandes causas de o governo fazer malabarismos com o dinheiro público.

Estou me referindo a medidas como a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que sistematicamente retira parte do orçamento da Seguridade Social. Só a DRU, em 2012 (de acordo com a ANFIP – disponível no site http://fundacaoanfip.org.br), usurpou R$ 58 bilhões das contribuições sociais. Valor que em 2013 foi de R$ 63 bilhões. Em 2014, outros R$ 63 bilhões.

Certo, certo. Muitos podem argumentar que isso é agora passado. Não mesmo. Pois assim como há o remendo da PEC 287, há outra Proposta de Emenda à Constituição que não apenas prorroga a DRU até o ano de 2023, como amplia de 20% para 30% o percentual que o governo pode retirar dos recursos sociais. Se a medida for aprovada, pode significar a saída de R$ 120 bilhões por ano do caixa da Seguridade. E porque isso?

Simples, pela incapacidade de incontáveis prefeituras arrecadarem o suficiente para quitarem seus débitos. Criadas para satisfazer a interesses políticos de lideranças locais em troca de ajuda nas sucessivas eleições de seus padrinhos.

Fisiologismo que vai direto de encontro a um terceiro ponto importante que não se fala, mas todos sabem: as aposentadorias escandalosas da classe politica. Por mais que elas já tenham sido ainda mais ofensivas do que o são agora.

Até 1997 um deputado ou senador com oito anos de mandato poderia se aposentar, desde com idade mínima de 50 anos. Esse sistema foi totalmente extinto em 1999, mas as suas regras continuaram para muitos parlamentares por terem sido deputados ou senadores antes de 1999 (http://www.politize.com.br).

Hoje ex-deputados e ex-senadores podem se aposentar apenas com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição. Detalhe: o tempo de contribuição refere-se não apenas ao período como parlamentar, mas também em outros cargos nos setores privado e público.

Para deputados estaduais as regras eram semelhantes, mas hoje variam de estado para estado. Diferente dos governadores. De acordo com o jornal O Globo(http://oglobo.globo.com/brasil/estados-pagam-pensao-104-ex-governadores-14922273) o valor de 47 milhões de reais, no ano, ajuda a sustentar 104 ex-governadores e 53 viúvas. A lista conta com nomes como o dos tucanos Yeda Crusius (RS) e Ronaldo Cunha Lima (PB), dos pemedebistas Roseana Sarney (MA) e Roberto Requião Melo e Silva e os petistas Jorge Viana (AC) e Jaques Wagner (BA), dentre outros.

Reforma previdenciária.

Praticamente não há critérios para aposentadoria de governador. De modo que no Pará, segundo a ministra do STF, Carmem Lucia, um ex-governador mesmo tendo ficado neste cargo por apenas uma semana, ganhou a aposentadoria vitalícia. O que foi que motivou uma ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) contra este e outros abusos semelhantes em outros dez estados (http://oglobo.globo.com/brasil/stf-considera-ilegal-pensao-vitalicia-ex-governadores-15826896).

E os fatores a serem contabilizados não param por aí. Há muito mais a ser dito para explicar porque se justifica uma reforma na previdência que não se justifica. Contudo, que tal sabermos mais sobre esta grande estrutura que é a nossa Previdência Social?

A Previdência Social, no Brasil, foi criada na década de 1930 a partir dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (os IAPs); sob o controle do governo federal. Em 1933 surgiu o IAPM-Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos; em 1934 o IAPC- Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, e o IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários; em 1936 o IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários; em 1938 o IPASE - Instituto de Pensões e Assistência dos Servidores do Estado, e o IAPETC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas e Operários Estivadores.

Durante os dois governos de Vargas (1930-1945, 1951-1954) estes institutos, além de prover os trabalhadores após o seu tempo de serviço, também construía residências para seus beneficiários, no intuito de evitar que os trabalhadores aposentados morassem na rua.

Mas com a morte de Getúlio, sucessivos governos trabalharam para desmontar a Previdência; ou simplesmente a usar para outros fins: como, por exemplo, financiar bancos estrangeiros ou empresas multinacionais, cujos lucros não ficavam no Brasil. Contudo, até então nunca se atrevendo ir tão longe como nossos governantes o querem perpetrar agora.

Já que nem mesmo o reacionário Regime Militar (1964-1985) que se fez ao poder justamente querendo desmontar esta estrutura, o foi capaz de fazer. Ou seja, nem eles ousaram ser tão irresponsáveis assim ao ponto de impor uma conta demais pesada para a nossa população.

Hum... esperem um pouco: Perceberam o mesmo que nós? Até quando queremos só relembrar a história de nosso sistema previdenciário, acabamos sempre voltando ao ponto de partida.

E o melhor: se pararmos a ver mais atentamente, isso acontece até mesmo chamando a nossa atenção para mais uma outra causa dessa suposta crise. Sim, estamos voltando a falar justamente deste corporativismo que comentamos há pouco. De governos desvirtuando o real objetivo da previdência para ajudar ao grande capital privado. E que passa despercebido pela maior parte da opinião pública.

Charge sobre o futuro do trabalhador.

Pois é. A ignorância é uma benção segundo outra máxima popular. Que eu diga para os espertalhões que se aproveitam de toda essa desinformação da grande massa. Problema, por sinal, semelhante ao visto de municípios inadimplentes aqui, beneficiados com a DRU.

E que inclui também empresas públicas, empresas privadas, fundações e governos de Estados que devem ao Regime da Previdência Social mais de 426 bilhões de reais (http://radioagencianacional.ebc.com.br/economia/audio/2017-02/empresas-devem-previdencia-quase-tres-vezes-o-valor-do-deficit-no-inss).Bilhões. Quase sempre em bilhões os rombos nas contas que vemos. Daí que é fácil entender porque o país está em crise.

Uma dívida grande, antiga e constante. Como assim? Existem empresas a um bom tempo fechadas como a TV Manchete e as empresas aéreas VARIG e VASP nesta relação de devedores. Só estas três devem 5,5 bilhões de reais. Dinheiro que deveria ser pago e como não foi, aonde será que ele foi parar? Podemos imaginar.

E por falar em dinheiro, os bancos também tem sua parcela de culpa. Entre aos devedores do INSS se encontra pelo menos o Bradesco, o Itaú, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

Além de grandes gigantes da nossa economia no setor privado como a mineradora Vale do Rio Doce e a JBS (a das marcas Friboi e Seara). Só esta última tem uma dívida de 1,8 bilhão.

Bilhão, bilhão. É muito dinheiro. Muito dinheiro que, desviado despudoradamente, justifica a falácia de se sacrificar os segmentos mais pobres da população.

Foi assim que se criou o discurso que a previdência é deficitária! Que, em vista do que já vimos aqui, podemos afirmar sem nenhum medo que ele não passa de uma grande mentira! A favor de um fisiologismo e corporativismo escandaloso e contrário aos interesses da nação que é todo o povo brasileiro.

Daí que voltamos a dizer: previdência brasileira não é deficitária! O que está em risco sem esta reforma é os interesses egoístas destes parasitas do país. Perante os quais não podemos ser meros expectadores. E muitos já estão lutando. Por mais que muitos outros também precisam imitar o exemplo destes.

Basta ver que no último dia 31 de janeiro, por exemplo, várias entidades ligadas a OAB, inclusive o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, redigiu uma carta que aponta diversos motivos para ser contra a tal PEC.

A lista, evidentemente é grande, diante de tudo que nosso governo espera vir a nos escaldar. Como por exemplo: Exigência de idade mínima para aposentadoria a partir dos 65 (sessenta e cinco) anos para homens e mulheres; 49 (quarenta e nove) anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria integral; Redução do valor geral das aposentadorias; Precarização da aposentadoria do trabalhador rural; Pensão por morte e benefícios assistenciais em valor abaixo de um salário-mínimo; Impede a cumulação de aposentadoria e pensão por morte; Elevação da idade para o recebimento do benefício assistencial (LOAS) para 70 anos de idade; Regras inalcançáveis para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres; Fim da aposentadoria dos professores.

E tem mais: além destes abusos contra o trabalhador, aponta esta carta da OAB, a reforma da previdência vai igualmente prejudicar de modo direto aos municípios. Em função do fato de que a grande maioria sobrevive dos benefícios da previdência social, que superam o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Sem esses valores distribuídos pela Previdência Social, não são poucos os municípios brasileiros em risco de ir à bancarrota.

Aos que não saibam este FPM é um transferir constitucional (CF, Art. 159, I, b), da União para os Estados e o Distrito Federal, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Sua razão de existir é ajudar aos municípios a terem maior recursos para seus orçamentos. Que como vimos, não é suficiente.

De modo que hoje, dos 5.566 municípios, em 3.875 (70%) o valor dos repasses aos aposentados e demais beneficiários da Previdência supera o repasse do FPM. E em 4.589 deles, 82% do total, os pagamentos aos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social superam a arrecadação municipal. Ou seja, é com o pagamento aos aposentados que a economia dessas cidades gira.

Nisso, com tantos números postos e expostos, nos resta saber se alguém mais ainda tanto interessa falar em déficit previdenciário. Há alguém mais além dos nossos políticos que alegam a crise no país e dos seus parceiros afundados em dívidas que eles não querem pagar?

Nisso, com tantos números postos e expostos, nos resta saber se alguém mais ainda tanto interessa falar em déficit previdenciário. Há alguém mais além dos nossos políticos que alegam a crise no país e dos seus parceiros afundados em dívidas que eles não querem pagar?

Isso é evidente. Enfraquecer a Previdência Social é certo que interessa igualmente ao mercado financeiro, ávido em desmoralizar o modelo público para então emplacar a venda de planos privados. Ou seria tudo isso uma teoria da conspiração?

De modo algum, uma vez que é fato que as crises geradas pela incompetência e ganância de outros são sempre uma oportunidade para os grandes abutres do nosso capitalismo oportunista. Aves de rapina que vivem uma simbiose com os maus políticos. Quando estão sendo ajudados por elas, de todos os meios possíveis, para se elegerem e depois se veem obrigados a pagar esse favor.

Em suma: eles se articulam e lutam pelo que lhes interessam. E nós? Já não é o momento de dar um basta nesta pouca vergonha que não é de hoje que ela acontece? Tal como se vê na letra desta música de 1988, “Brasil”: Não me convidaram pra essa festa pobre / Que os homens armaram pra me convencer / A pagar sem ver toda essa droga / Que já vem malhada antes de eu nascer... (Cazuza, negrito nosso).

Creio que ela já nos diz tudo. E o melhor: ajuda a nos chamar à responsabilidade. “Brasil, mostra a tua cara”. Brasil que somos nós, nós a termos de escolher: continuarmos a ser vítimas passivas ou se libertarmos dessa escravidão, inclusive a mental que nossos exploradores nos impuseram.

Não mais se conformarmos com qualquer desculpa torpe que nos impingem ou continuarmos a ser um admirável gado novo, como já cantou Zé Ramalho. O momento é agora.




#NãoaPEC287

#ContraoDesmontedaPrevidencia



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...