Manoel Bomfim e o americanismo

Manoel Bomfim

O intelectual brasileiro Manoel Bomfim (1868-1932) pode ser considerado um dos precursores do nosso movimento americanista. Isto porque, além de uma obra antológica o autor sempre colocou como pauta a questão educacional.

Trazendo todo um arcabouço teórico que vai de Karl Marx até um certo “determinismo crítico”, Bomfim elaborou uma teoria original de estudo e analise do continente americano. Em sua obra máxima “América Latina: os males de origem” (1905) explora teorias de poder, a questão racial e a condição dos povos da América Latina de forma crítica e diferente das ideias racistas dominantes. O ponto de vista radical de Manoel Bomfim, acabou por suscitar a ira de intelectuais renomados nos tempos da República Velha (1889-1930), dentre os quais o mais famoso era o filósofo e crítico literário Sílvio Romero. Este, no auge de seu conservadorismo acadêmico e social chegou a classificar a obra máxima de Bomfim nos seguintes termos: “só a geral ignorância do mundo legente no Brasil pode explicar a atenção despertada por um livro tão mal feito, tão falso, tão cheio dos mais grosseiros erros”[1]

Bomfim sempre se identificou com setores de esquerda – principalmente socialistas e anarquistas. E sua militância, de certa forma, refletia estes aspectos.

No que se refere a educação, Manoel Bomfim dá uma atenção especial. Envolvido desde 1899 com questões educacionais, chegou a apoiar em 1904 a criação da “Universidade Popular de Ensino Livre (UPEL), ligada ao Partido Operário Independente, de inspiração anarquista” (ALMEIDA, 2006).

Um dos grandes feitos de Manoel Bomfim no que se refere a educação é a publicação,em conjunto com Olavo Bilac, do livro didático “Através do Brasil” (1911). Este livro era destinado a escolas primárias e até 1962 teve a impressionante marca de 66 edições (!). Até hoje, nenhum outro livro teve tantas edições na história editorial brasileira. Em “Através do Brasil”, Bomfim e Bilac, lançam, de certa forma, as bases de uma “interdisciplinaridade” na educação brasileira: “a escola primária deve ensinar muito mais do que aqui se contém, e muito mais do que se possa conter em qualquer livro de leitura”.

A monografia de Sidinilha Sampaio de Almeida aponta para a obra do sociólogo André Botelho, que analisa a educação nos escritos de Manoel Bomfim da seguinte forma: “Segundo Botelho, os elementos principais da 'ação educativa' presente no livro Através do Brasil seriam: 1) a valorização de uma 'sabedoria prática', baseada na idéia de experiência como conhecimento empírico da realidade; 2) a relação entre ensino e produtividade, ou melhor, a defesa de um sistema educacional voltado para a qualificação técnica dos indivíduos enquanto trabalhadores; 3) a exigência de políticas públicas de educação; 4) o pressuposto da plasticidade humana aspecto capaz de romper com os determinismos da época; 5) a ideia de que a 'ação educativa' atuaria como um instrumento de transformação social, através da intervenção direta dos indivíduos na realidade, e não através do Estado”.

Um autor tão inovador, tão radical e com ideias tão progressistas para sua época como Manoel Bomfim, ainda hoje permanece esquecido em muitas faculdades e universidades do Brasil. A que se deve esse esquecimento? Na época em que viveu e produziu é fácil perceber porque obra de Bomfim foi escamoteada da academias: incomodava por demais os setores conservadores da sociedade, que eram, naquela época, os que tinham o monopólio do conhecimento e dos saberes científicos do país. Mas nos dias de hoje, a que se atribui este “esquecimento” da inovadora obra de Manoel Bomfim?

Talvez ainda não tenhamos uma resposta definitiva, mas podemos especular que se até os dias de hoje a obra deste “precursor do americanismo” permanece esquecida é porque, talvez, pouca coisa tenha mudado, desde a República Velha, nas estruturas de poder das academias brasileiras.


Notas:

1 ROMERO, Silvio. A América Latina: análise do livro de igual titulo do Dr. Manoel Bomfim. Porto: Chardron, 1906. p.92. Apud. ALMEIDA, Sidinilha Sampaio de. Os sentidos da retomada de Manoel Bomfim no século XXI. Brasilia: Uniceub, 2006.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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