LUMPEMPROLETARIZAÇÃO DO TRABALHADOR BRASILEIRO

Fila do SINE - Porto Alegre

Os filósofos e ativistas políticos alemães Karl Marx e Friedrich Engels escreveram um livrinho muito interessante chamado Manifesto do Partido Comunista, no emblemático ano de 1848. Neste livro, que na verdade é um panfleto político, eles trazem um conceito muito interessante, o de lumpemproletariado. “O lumpemproletariado, esse produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletária; entretanto, suas condições de vida o predispõem mais a se deixar comprar para favorecer manobras reacionárias. [1] ” 

A situação do trabalhador brasileiro está cada vez mais sujeita a esta terrível lumpemproletarização!

Isto é consequência de anos de ataque da direita à legislação trabalhista (a CLT de 1943). Em parte a culpa também é de setores de uma esquerda anti-trabalhista e antinacional que não soube incorporar a defesa da CLT a seus programas partidários – alguém lembra quando chamavam a CLT de AI-5 dos trabalhadores? Ou quando apontavam ela como a Carta del lavoro brasileira?

O fato é, que a reforma (anti)trabalhista aprovada em 2017 veio a colocar o trabalhador brasileiro em uma situação completamente miserável: ou ele se sujeita a trabalhar muito por um salário cada vez melhor, ou amarga o desemprego. Claro que há a terceira via: a informalidade ou o “capitalismo não oficial” representado pelo tráfico de drogas, armas, cigarros e outros produtos.

Junto a esta situação há o problema dos sindicatos. Alguns desses sindicatos simplesmente perderam seu poder de pressão política. Ou mesmo esvaziaram a defesa ao trabalhador para colocar como principal a defesa de certos políticos. 

Imagine um trabalhador na fila do SINE. Agora imagine que este trabalhador não tem tempo, ou vontade, de se informar, de ir além dos noticiários parciais e tendenciosos da mídia (Globo, Band, TV Pampa, SBT). Esse trabalhador vê o sindicato como um grupo de “privilegiados”, que está mais preocupado com a politicagem do que com ele que está há dias na fila do SINE e não encontra vaga em lugar nenhum. Se esse trabalhador conseguir seu emprego ele não vai querer se sindicalizar, pois vai achar que está dando dinheiro para um bando de desocupados politiqueiros. Com isso, os sindicatos têm menos filiados, fica mais fraco e não consegue ter a força política para defender os trabalhadores de sua categoria. 

O desmonte dos sindicatos é mais uma parte perversa da reforma (anti)trabalhista neoliberal de Temer/PMDB. Outro ponto que vale destacar é a duração da jornada de trabalho. Ela tende a crescer, enquanto os salários só tendem a diminuir (ou perder seu poder de compra). Num país considerado desenvolvido pelos padrões capitalistas, como a Alemanha, a jornada de trabalho passou para 28 horas semanais[2] (o que dá uma média de 5,5 horas por dia), aqui no Brasil é possível que as 40 semanais se transformem em 60, ou 80, dependendo da “boa vontade” do empregador; o que vale é o acordado sobre o legislado – em outras palavras, a proposta do empregador está acima das leis trabalhistas. 

Não quero dizer com isso que todo empresário é “malvado”. Mas no Brasil há uma clara inversão das coisas. O pequeno e médio empresário brasileiro, ou aquele que está começando, quase não recebe auxílio do governo, enquanto os grandes, que já estão estabelecidos recebem vultuosas contribuições governamentais – isso quando não devem para a previdência social e não são cobrados. Pior ainda é que esse aumento da carga horária sem aumento de salário não é para satisfazer somente os empresários locais e sim as grandes transnacionais/multinacionais, que farejam mão de obra barata, com pouca ou nenhuma qualificação. As multinacionais querem um “exército de trabalhadores” entupindo as filas de emprego, para que assim possam brigar pelas migalhas que são oferecidas. Lei da oferta e da procura, se temos mais desempregados com menos vagas de emprego, vão topar qualquer coisa para ter essa vaga – incluindo não ter horário para entrar ou sair do trabalho, um salário parcelado e apenas um dia de descanso por semana. Capitalismo selvagem! Lumpemproletarização do trabalhador!

No plano internacional está se gestando no Brasil um cenário semelhante ao que tínhamos na República Velha (1889-1930): trabalhadores e pobres sem assistência social enquanto nosso território está aberto para o imperialismo das transnacionais, que vão sugar nossas matérias-primas, explorar mão de obra barata e poluir nosso ambiente. Neste sentido, vamos virar, de fato, “colônias de exploração”.

Ainda no plano internacional, parece que os BRICS estão se tornando a “reserva” dos G8 para externalizar custos e gastos, além de poluir menos seus países mas destruir o ambiente dos outros. O Brasil estava demorando demais para ter os mesmos padrões de trabalho das Zonas Econômicas Especiais chinesas ou das fábricas indianas. A Divisão Internacional do Trabalho[3] atuando com força total! Não me parece algo tão estranho. Afinal, o próprio termo BRICS foi criado pelo economista inglês Jim O´Neill, lacaio do sistema financeiro internacional, funcionário do “banco de investimento” (leia-se especulação) Goldman Sachs e com vínculos no mercado da especulação mundial da FOREX. 

Há alternativas para este cenário?

Sempre há. A primeira delas é criar uma corrente política com propostas nacionais. Nacionalismo não tem necessariamente a ver com fascismo e é preciso que isto fique muito claro. Se o capital não tem pátria, o trabalhador tem. 

É preciso que os setores de esquerda tenham consciência da importância de retomar a estratégia nacional desenvolvimentista; não como um fim em si mesmo, mas como uma etapa de acumulo de forças diante de tantos retrocessos que impedem avanços mais radicais a curto prazo (uma revolução socialista por exemplo). Isto não significa uma “conciliação de classes” como alardeiam alguns esquerdistas metidos a radicais. Se não encararmos que algumas reformas essenciais, tais como reforma agrária, urbana e financeira (além de uma nova e verdadeira reforma trabalhista – diferente da farsa que foi o desmonte da CLT em 2017) devem ser colocadas em prática junto com o enfrentamento ao sistema financeiro especulativo mundial, por partido que for mas que realmente seja comprometido com estas propostas, estamos fadados ao fracasso.

Notas:

[1] ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Editora Escala, 2007, p. 59.

[2] https://veja.abril.com.br/mundo/jornada-de-trabalho-de-28h-semanais-e-aprovada-na-alemanha/

[3] Para saber mais leia o artigo “Miséria das nações: a divisão internacional do trabalho”, disponível em: http://geaciprianobarata.blogspot.com.br/2017/01/miseria-das-nacoes-divisao.html


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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