Entrevista sobre o Bairrismo na Imprensa Esportiva, com David Coimbra.


P: Existe mesmo bairrismo na crônicas esportiva gaúcha e nacional?

David Coimbra: Existe, primeiro por que a crônica esportiva  os jornais, as TVs e as rádios são veículos locais das cidades. Não existe, na verdade, um veiculo nacional de informação com exceção do Jornal Nacional que é um jornal da Rede Globo.

P: Será por que o Brasil é um país continental?

DC: É muito mais difícil , pois não tem como tu pegar o país inteiro e cada estado tem a sua característica. O que importa para o torcedor é o time do seu estado. Então a crônica é bairrista sim. E até que ela tem que ser assim, porque se agente não cobrir o Grêmio e Inter aqui os outros não vão cobrir.

P: Então a imprensa esportiva fortalece o bairrismo? E quais são os pontos positivos e negativos disso...

DC: Ela fortalece o bairrismo na medida em que ela dá mais cobertura aos times locais. Havia uma época, em que os rádios fortes e ouvidas em todo o país eram a Rádio Nacional e a Rádio Tupi, do Rio, e eles só transmitiam jogos do Rio.Até hoje os torcedores de Santa Catarina e de algumas regiões de Minas Gerais e até de Brasília torcem muito para os times do Rio. Mas hoje temos rádios locais fortes em todo país

P: Mas tinha times fortes em São Paulo?

DC:Tinham. mas o Rio de Janeiro era a capital do Brasil, o futebol carioca tinha times como o Flamengo, o Vasco,o Fluminense e Botafogo. Então em Santa Catarina, na capital Florianópolis mesmo, ainda hoje existem mais torcedores de Flamengo,Vasco, Botafogo e Fluminense do quedo Figueirense e do Avaí. Hoje já não acho que seja tanto. Já se equilibrou um pouco

P: O Grêmio e o Inter também são fortes lá...

DC: Sim,mas é por causa dos gaúchos que moram lá. A imprensa é assim: a sua cobertura tem que prestar atenção nisso . Hoje a gente vê nas coberturas dos jogos da Globo que aquele time que aparece mais, pega mais simpatizantes dos outros estados mesmo .O Grêmio teve uma época em que estava vencendo muito e se tonou o time que mais vendia camisetas no Brasil. Foi aquele time do Luiz Felipe.

P: Mas esse é o lado positivo qual seria o lado negativo?

DC: Ah tem um lado negativo sim. É que às vezes fica muito acirrado esse sentimento, entendeu ,e as pessoas ficam fanáticas e quando a pessoa fica fanática ela perde completamente a razão. E o que é o fanatismo? É como um cara apaixonado por um a mulher. Tu perdes a razão, tu não consegues raciocinar mais e tu só pensas naquele objeto da tua paixão, naquele sentimento que tu tens .E o torcedor apaixonado, excessivamente apaixonado, fanático, perde totalmente a razão e acontecem brigas. O cara só pensa naquele time de futebol e não pensa em mais nada da vida dele. Um dia desses, eu vi um sujeito, numa matéria em Teotônia, um colorado que a casa dele é toda pintada de vermelho e branco.

P: Eu vi essa matéria.

DC: Até a piscina era vermelha! Era um troço ! Pois tu imaginas o que é aquilo, né? Imagina uma pessoa que chega a esse ponto e,não apenas por causa de um clube, mas acho que por qualquer coisa que tu fiques obcecado desse jeito e ruim para ti , tudo na vida tem que ter harmonia.

P: Outra pergunta: eu notei que nos anos 90, acompanhando aquele time do Luiz Felipe Scolari, observei que no período em que há ascensão dos times do RS em nível nacional e internacional, e o do Grêmio acho que foi o caso mais marcante, houve uma indução agressiva pela maior parte da mídia do país atacando o clube e a pessoa Luiz Felipe Scolari. Tu também vês assim?

DC: O Luiz Felipe em si é mais agressivo, ele chama muito isso pra ele e as pessoas ficam com raiva dele. Ele é muito de usar a imprensa contra o time dele para unir o time dele, ele faz isso muito e acaba se indispondo com outros adversários. E a característica do Grêmio é de um time mais pegador, que chega junto.

P: Um time de marca muito defensiva...

DC: Sim e o que não é a característica do futebol brasileiro. 

P: Que é a escola do futebol alegre?

DC: Sim. Então o Grêmio simbolizou um tipo de futebol oposto ao futebol brasileiro, então muitos dos grandes cronistas...

P: Armando Nogueira e Alberto Helena Jr.

DC: O Alberto Helena Jr, Arnaldo Nogueira, Renato Maurício Prado, e Roberto Assaf. Tem muita gente dessa turma ai que colocou o Grêmio como símbolo do anti-futebol brasileiro e, de alguma forma até que tinham razão, mas hoje todo mundo marca duro chegando junto. E o Grêmio jogava e muito desse jeito.

P: No time do Felipão, todos marcavam exceção feita ao Paulo Nunes...

DC: Não, nem o Paulo Nunes que também marcava muito, batalha roubava varias bola ia pra cima dos caras. É um estilo de jogar futebol diferente.

P: Mas também não seria o fato de que estava ganhando muito?

DC: É claro seu um tine desses que joga dessa forma e não ganha, não incomoda ninguém. Se ele está perdendo então todo mundo tira sarro dele.

P: Eu acho que o Grêmio do Felipão era um time muito pegador, mas não um time violento ...

DC: Ele batia, né? O Dinho, o Goiano sabiam bater muito, mas isso é absolutamente normal no futebol. Um time hoje como o do São Paulo que é vitorioso. Vocês acham que aqueles zagueirões do são Paulo são flor? Eles batem, chegam junto, entendeu? 

P: Mas isso já faz parte do futebol há muito tempo até antes dos anos 50.

DC: Claro, isso é do futebol, só que existe um mito no futebol brasileiro, o futebol - arte que na verdade é uma bobagem.

P: Um mito que foi criado para dar identidade futebolística nacional, ao nosso futebol. E muitos jornalista renomados como o Armando Nogueira continuam com essa velha retórica.

DC: Na verdade isso aí é um mito. O Brasil, apesar de ter grandes jogadores, por exemplo, como na copa do mundo de 70. O Tostão aquela turma toda ...

P: Todo mundo daquele time marcava.

DC: Exato. Todo time marcando atras da linha da bola. Mesmo Rivelino, Gérson e até mesmo Pelé. Jogadores quer marcavam e roubavam muito a bola, isso na Copa do México em 70. Já na de 58 na Suécia, o Brasil jogou pela primeira vez com um ponteiro fechando que era o Zagalo e em 62 a mesmo coisa.

P: Muitos jogadores dessas seleções também voltavam e muito para marcar e diminuir os espaços?

DC: É. Por exemplo, o Zagalo fechava o meio campo.

P: Há uma cena muito marcante em que o Pele pega a bola atrás de sua própria área de defesa e parte a toda velocidade iniciando um contra-ataque .

DC: Você vê o bicampeonato mundial do Brasil foi conseguido praticamente pelo mesmo time, exceção feita a 3 jogadores. E nesse time todos jogavam atrás da linha da bola e com um ponteiro- esquerdo fechando, Zagalo jogava mais como um meia, ou seja, um ponta recuado, o chamado ponta moderno e então muitas vezes esse time tinha quatro jogadores no meio campo auxiliando a defesa. E em 70, tirando Jairzinho que ficava isolado lá na frente, todo o resto do time marcava.

P: Esse coisa de identidade nacional futebolística, o futebol-arte não é para proteger o futebol do eixo Rio/São Paulo: Mesmo contra times gaúchos como o Internacional dos anos 70. Apesar que a antipatia parece ser maior ao Grêmio dos anos 90 do que ao Inter...

DC: Há sim porque é onde as coisas mais relevantes acontecem, né? Mas não havia antipatia porque era muito diferente a forma que se encarava. O campeonato brasileiro oficial começou em 1971...

P: Mas já tinha um grande campeonato nacional, a Taça Brasil nos anos 60.

DC: É . Do inicio da década de 60, e logo depois no seu final tornou-se o Robertão, como se dizia. O eixo Rio/São Paulo , como um todo, é bairrista com o futebol. O Brasil inteiro e bairrista. Então cada grande clube do Rio e São Paulo. O Santos tinha o maior time do mundo com o Pelé e então se concentrava mais no Santos. O botafogo tinha o timaço do Garrincha e aquela turma toda tal. O Cruzeiro cruzeiro surgiu e foi um grande time fora do eixo Rio/São Paulo. Tanto que venceu a Taça Brasil de 66 contra o Santos. Era um super time que tinha Tostão Dirceu Lopes. Ai, então de repente, começou a aparecer no Rio Grande do Sul, que sempre teve ótimos times,o Grêmio mesmo nos anos 50.

P: O Grêmio do Aírton Pavilhão dos anos 50 até meado dos 60...

DC: Mas quando surge o campeonato brasileiro , Minas Gerais ganhou o título com o Atlético Mineiro. Havia o timaço do Palmeiras , que foi bicampeão seguido e em 74, o Vasco . O Inter sempre beliscando até que foi campeão em 75 e o Grêmio sempre chegava ali perto.. O Inter tinha aquele baita time mas numa época em que o Brasil tinha muito times bons . Nos anos 70 o Palmeiras tinha a chamada academia...

P: Ademir da Guia ...

DC: Ademir da Guia, Leivinha e aquele pessoal todo. O Cruzeiro tinha o timaço com Palhinha e Nelinho . O Inter com aquele baita time . O Fluminense tinha a super máquina com o Rivelino. Enfim, vários clubes tinham times bons.

P: Eu sempre achei que um dos motivos da antipatia da mídia do resto do Brasil ao Grêmio era porque os jogadores , individualmente, do Grêmio não eram craques...

DC: Mas todos eram ótimos jogadores . Tanto que só Luís Carlos Goiano não foi convocado para Seleção brasileira, mas todos os outros foram . Até o Dinho.

P: É, mesmo mas não eram craques . Eram bons operários.

DC: Não é bem assim. Tinha o Danrlei que era um grande goleiro, o Arce, o Róger. o Adílson, um baita zagueiro, o Dinho. Não tem hoje no futebol brasileiro volante igual ao Dinho. O Émerson seleção brasileira. O Arilson era um baita jogador que só não foi melhor por que era burro. Carlos Miguel era muito bom também. O Paulo Nunes era um bom ponteiro e o Jardel era um centroavante matador. Era um ótimo time.

P: Mas esses críticas da imprensa do centro do pais ao Grêmio,eram porque o Palmeiras daquela época era o maior representante do chamado futebol- arte e o Grêmio jogando daquela maneira oposta vencia o Palmeiras . E de certa maneira desafiava esse time de status quo ...

DC: Era porque o Grêmio era um time oposto ao tradicional do futebol brasileira.

P: Mais parecido com um time uruguaio ...

DC:Não . O Grêmio tava na segunda divisão em 92, e voltou com a ajuda da CBF, à primeira divisão e em seguida começou a ganhar tudo jogando dessa maneira agressiva sem craques formando o time e com um técnico truculento . E o resto do Brasil olha para cá e se pergunta : o que está acontecendo no Rio Grande do Sul.

P: O futebol brasileiro sempre prezou e exaltou o individualismo e não o coletivo ao contrário do time do Grêmio ?

DC: Ah, isso é normal.

P: Recentemente houve o caso Pedro Ernesto , da Rádio Gaúcha, em que ele fez uma grande exaltação regionalista na vitória do Internacional sobre o São Paulo. Houve uma reação por grande parte da mídia de São Paulo a ele e da própria parte da Rede Globo. Como vocês avalia esses acontecimentos?

DC: É bobagem. Aquilo foi mais uma coisa folclórica de uma grande decisão. As pessoas ficam mais exaltadas e é mais folclórico. Principalmente hoje ,em que o narrador é mais um promotor do jogo do que um narrador, isso desde Haraldo de Sousa que mudou a narração do Rio Grande do Sul tornou-a mais promocional do que esportiva ficando mais folclórica.

P: Quando a mídia assume um comportamento mais bairrista ela não contribui para violência nos estádios ? 

DC: Sim muitas vezes sim se ela puxa demais para esse lado. Ela contribui sim para a violência nos estádios, porque fica muito naquela nós contra eles, essa excessiva exaltação regional. Eu prefiro uma linha mais ponderado que eu acho muito mais saudável.

P: Alguns jornalistas esportivos assumem o clube para qual torcem. Como aqui o Paulo Santana e por acaso há os que defendem o regionalismo abertamente , defendendo os times de sua própria região.

DC: Claro , a maioria faz isso . Não só defendem, mas às vezes criticam um time de outra região que está tendo uma grande ascensão. Jornalistas esportivos fizeram isso em relação ao Grêmio do Luiz Felipe como o Armaldo Nogueira e muitos outros grandes cronistas.

P: O Grêmio nos anos 60 teve seu melhor time e jogava de maneira bem parecida . O Grêmio do Foguinho e do Felipão são parecidos. Mas porque na década de 60 não houve ataques pela imprensa da época?

DC: O Grêmio dos anos 60 tinha muito mais grandes craques. E só tinha o grande Santos que dominou o futebol mundial. Por outro lado eles também quase não jogavam entre si, esses times do resto do Brasil faziam muitas excursões em outros países disputando torneios internacionais e jogos amistosos.

P: É mesmo e ganhavam muito dinheiro com essas excursões.

DC: Tanto que tem aquela guria que é húngara e tem o nome de Gremina por causa do Grêmio. Os clubes brasileiros ganhavam muito dinheiro com isso.

P: Última pergunta: Esse regionalismo é benéfico ou negativo? 

DC: Eu procuro ser muito mais ponderado e seguir uma linha mais harmoniosa distante disso .

P: Então muito obrigado pela entrevista . Adeus!

DC:Então tá . Te cuida.




Sobre o Autor:


Bruno da Costa Ribeiro: Nasceu no dia 19 de Março de 1986 em Porto Alegre, RS. Historiador.




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