TREM, TREM, SERÁ QUE TE LEVAM TAMBÉM? (parte final)

No artigo anterior, publicado no dia 17 de dezembro de 2017, eu havia tido a ousadia de afirmar que uma velha locomotiva, relativamente, abandonada numa simples praça de uma cidade, em meio a tantas outras, do interior do Paraná, de certo modo, tinha maior importância que uma das primeiras locomotivas do país e que até hoje se encontra toda preservada, a Baroneza[1]. Sim, eu afirmei e ainda sustento isso. Mas como? 

Por um detalhe que hoje pode parecer estanho: em outros tempos foram raras as locomotivas a vapor fabricadas em nosso país. Por exemplo, esta mesma locomotiva Baroneza foi fabricada na Inglaterra como já vimos anteriormente. Não foi uma criação daqui.

Bem ao contrário do velho trem largado numa praça central desta cidade de Ponta Grossa, que fica interior do estado do Paraná que, foi sim, de certo modo, uma tecnologia nativa. Interessante? Pois então acompanhe meu pensamento: 

O velho trem de que falo foi feito aqui em nosso país, ao invés de ter sido comprado no exterior como as outras duas locomotivas que já vimos na primeira parte deste artigo. Ou seja: a Baroneza no Rio de Janeiro e a de número 310 precariamente conservada na antiga estação do município de União da Vitória, também no estado do Paraná. 

Logo, vamos conhecer a história dessa locomotiva 250 (que hoje, aliás, não tem nem mais a identificação deste número na sua frente). Obra de dois engenheiros locais: Evaldo e seu filho, Germano Kruger. 

Os quais, partindo da criatividade de se aproveitar partes de um trem já existente e fabricando outras em sua oficina conseguiram realizar algo que poucas cidades podem se orgulhar. Sim, o status raro de uma cidade daqui, do Brasil (e do Paraná) em tempos remotos já terem construído trens. Terem feito algo além de se acomodar na dependência de se comprar já pronto de fora. Algo excepcional então. 

Informação que ao interessado que quiser, pode conferir, por enquanto, na própria locomotiva duas placas de metal vermelho, uma dentro e outra fora dela confirmando ter sido feita nas oficinas de Ponta Grossa em 1940. Por mais que a iniciativa aqui tenha se limitado a pouca coisa além desta máquina ainda precariamente conservada. 

Trem, trem, será que te levam também

Oportunidade, essa de conferir pessoalmente essas informações, contudo, talvez por tempo limitado. Pois somente até não darem fim às placas como já deram a vários componentes dela. Sejam os vândalos ou a mera ação do tempo que lentamente corrói o metal e apodrece a madeira.

Ora, ora, que triste agonia, a um objeto que tanta inspiração a muitos jovens poderia despertar! Inspiração em criar, ousar, improvisar, tentar além. Por mais que esta Maria Fumaça de número 250, de modo algum seja o único exemplar na história do Brasil de maquinários nas décadas de 1930 e de 1940 montados pela nossa própria gente. 

Deste grande exemplo de empreendedorismo, ao invés de só se conformarmos em apenas comprar tudo já pronto de outros pelo preço que aceitávamos passivamente. Algo que ainda fazemos muito, aliás, com incontáveis outros itens. 

Mas vamos ao que interessa: temos de ser coerentes e ver que este espirito inovador não é um orgulho exclusivo dos paranaenses através desta sua cidade de Ponta Grossa. Isso mesmo. Pois pelo menos, há mais um dono deste mérito a comentar aqui.

Lá em Divinópolis/ MG, (atualmente o 12º. Município mais populoso do estado, segundo o IBGE), que pelas mesmas razões fez algo igual, em 1942. Em vista da falta de peças de reposição e de locomotivas para a demanda de transporte, eles tiveram a mesma ideia de construir suas próprias máquinas.

Disso, duas locomotivas foram criadas: uma de número 340 e outra de número 339. Esta última, em 1955, explodiu devido a uma falha grosseira na manutenção. Já a sua irmã continuou operando por mais 10 anos, até ser aposentada e somente muito mais tarde colocada em local apropriado para exposição.

Logo, bem diferente da velha 250 no interior do Paraná, abandonada e relegada sob as desculpas das autoridades locais de que algo em breve será feito por ela. E dos ditos pensadores que não enxergam o quanto poderíamos aprender com mais esta prova de que querendo nós também temos capacidade de criar, inventar. 

Buscarmos autossuficiência, ao invés de apenas nos conformar ao comodismo de sermos apenas fornecedores de matérias-primas a outros. Que, aliás, se aproveitam desta nossa “preguiça”, inclusive mental e emocional.

Ora, ora! Mais este outro bravo trem, ó 250. Tal como a sua parente distante que já vimos sofrer igual lá em União da Vitória. O que será de ti em meio a tantos agressores? Descaso e vandalismo, ação do sol e da chuva, castigado pelo tempo que cobra apenas o preço por tu ousares querer sobreviver a ele.

Trem, trem, será que te levam também? Será que a ação do tempo, a depredação e o descaso com a própria história vão te consumir como já o fizeram a outros tesouros do passado? Trem, trem, será que te resgatam também?

E assim conosco continua a inspirar perguntas diversas. Como nos fazer pensar porque não fizeram a outras como tu, fomentando aqui uma linha de montagem. Ou mostrar que alguns de nossos heróis fizeram mais do que o senso comum mostra. 

Tantos exemplos que poderiam nos inspirar iniciativas, mas que, na maioria das vezes, no máximo acabam (isto é, quando acabam) segregados em meros nomes de logradouros. Daí a importância de heroínas como as veteranas: Baroneza (no Rio de Janeiro), 310 (em União da Vitória - PR e Porto União - SC) - que as mencionamos na primeira parte deste artigo publicado em 17 de dezembro de 2017 -, esta 250 (em Ponta Grossa) e a 339 (em Divinópolis).

Por exemplo, o Germano Kruger inventor que, em sua cidade (Ponta Grossa), muitos só o lembram como o nome de um estádio de futebol (o que já é algo, reconhecerem pelo menos, todo o incentivo que ele já prestou ao hoje único time oficial de sua cidade: o Operário Ferroviário Esporte Clube que, aliás, neste ano anterior de 2017 inclusive se fez o campeão da série D do campeonato brasileiro). Ou então o que dizer do operário João Morato lá de Divinópolis – MG, igualmente lembrado mais como só um nome numa placa a denominar uma rua? 

Quantos lá na cidade, de fato sabem que este grande orgulho da locomotiva número 339 só foi possível graças ele? Que apesar da pouca instrução, sua capacidade sobressaíra a do engenheiro-chefe que não via as falhas que o mesmo percebera facilmente no projeto original. E só assim este grande orgulho aconteceu, graças a este João Morato, meramente lembrado por muitos como só uma rua do centro de sua cidade. Entendem o que eu digo? 

Estas peças são um atrativo para se saber algo sobre a história delas e também de seus agentes. Suas histórias podem inspirar outros agora a pensarem um empreender igual. Tais referências tem muito mais potencial do se pode perceber. 

Contudo, todas essas referências somente continuarão tão fortes como agora, somente se as agressões e o descaso não consumirem antes com estas injustiçadas. Tais como a veterana 250 que resiste há 77 anos, tanto na ativa, quanto agora na sua desprezada aposentaria. 

Grande trem, trem, trem que não te levem também! Apelo a filhos e não filhos destas cidades e de outras com lutadoras semelhantes, Incluindo sim neste meu apelo a tantas outras deste vasto Brasil que eu não mencionei. Apelo que encerro com uma reflexão. 

Por que não investir na revitalização delas como atrativo para que mais pessoas as visitem? Por que não ver o potencial delas na alto-estima das gerações que delas podem se orgulhar. Quem sabe? Por que não ousar, como já não ousaram antes com a brava 310 lá em União da Vitória[2]? Mesmo o tendo que reconhecer que esta o foi por pouco tempo, tão maravilhosa experiência. 

Mesmo assim não por ser inviável, quando sim por causa da já comentada preguiça e má vontade, doença que nos relega ao atraso. Doença encoberta por desculpas, muitas vezes muito bem montadas. 

E nisso, falando em desculpas, pode acontecer que alguém diga: Calma! Por que não ter só mais um pouco de paciência? Porque tanto drama por algo que, no tempo certo as pessoas vão perceber o seu valor? Simples: Por que quem garante que essas velhas guerreiras, como a 250, a 310 e tantas outras, realmente terão tempo suficiente para conseguir o resgate que lhes é merecido, se ficarmos somente a adiar uma solução?

Notas:

[1] Que neste mesmo artigo anterior eu havia mencionado ela ter sido encomendada pelo Visconde de Mauá em 1852.

[2] Que como vimos na primeira parte deste artigo, publicado em 17/12/2017, foi reformada e posta em funcionamento, se fazendo um grande sucesso para os moradores cidade em si e também para os turistas. Sendo que questões de burocracia politica foram a maior razão do abandono deste projeto. 


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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