GENERAL CARNEIRO: fatos além do personagem meramente imortalizado na traumática Revolução Federalista (1893-1895). Parte 01: a falácia das aparências

Folheando qualquer livro escolar referente à história do Brasil República, não é difícil encontrarmos referência à traumática guerra civil da Revolução Federalista (ocorrida entre 1893-1895). Confronto armado que resultou em, pelo menos, algo em torno de 10 mil vítimas, devido à luta pelo poder entre as oligarquias positivistas (que eram leais ao governo da época) e federalistas (a oposição naquele momento ao então presidente Floriano Peixoto). 

Evento que marcou a história de três estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Além de determinar os destinos de todo o país, seja de modo direto ou indireto nas décadas seguintes. 

Conflito em que um de seus agentes mais relevantes foi um oficial de postura física quase cômica, se ela for comparada à de seu antecessor, um certo general Argolo. Este considerado um homem imponente com voz de trovão e gestos arrogantes. 

Ao passo que o seu substituto de quem quero falar, segundo o historiador paranaense David Carneiro, possuía uma estatura regular. Sendo delgado, com um rosto igualmente magro, “sombreado por uma barbicha pontuda com uma sombra de ingenuidade no reflexo de seus olhos claros e a sua voz pausada de mineiro”. De modo que quem “quem os visse, (concluiria como) que o primeiro sendo a força, (ao passo que) o segundo era o reflexo infalível da próxima derrota”. 

Ledo engano. Haja vista que o homem conhecido como general Carneiro, cujo nome completo era Antônio Ernesto Gomes Carneiro, não só no episódio conhecido como Cerco da Lapa, em 1894, como em outros ocorridos pouco conhecidos, mostrou a todos com é um equívoco se guiar pelas aparências. Muito mais àquelas que muito prometem meramente guiadas por débeis estereótipos. 

Logo, para não encompridar sem necessidade essa história, podemos dizer com toda a certeza que um dos grandes responsáveis pela avassaladora vitória governista nessa Revolução Federalista foi sim este coronel Gomes Carneiro (pois só postumamente ele foi promovido a General). De modo que é até possível que sem ele talvez a história que conhecemos agora nos livros tivesse sido outra. 

Conclusão esta que não tem por interesse exaltar um homem, mas o contrário, mostrar como é uma falácia (um ver equivocado) o julgar com base em somente umas poucas primeiras impressões. De modo que a história deste Carneiro e da cidade onde ele lutou sua última luta, a Lapa; bem se aplicam a esta ideia. 

Justamente uma pequena cidade que acabou se tornando a única, das três frentes no Paraná (sendo as outras duas Tijucas do Sul e Paranaguá), que ainda não havia sido tomada e que, por isso, realmente conseguiu retardar o avanço inimigo nesta revolução. O fazendo a ponto de permitir ao governo deste Floriano reverter o que antes parecia ser a derrota certa. Não cabendo aqui discutir se ele lutou ou não pelo lado certo. 

Muito menos se teria sido melhor ou pior que o outro lado, o que foi derrotado, então tivesse ganhado esta guerra. Pois a complexidade desta chamada Revolução Federalista exige várias outras discussões e coragem para arriscar machucar paixões por ambos os lados neste conflito. Um embate que envolveu a oportunistas e idealistas, sem dúvidas, nestes dois campos opostos. 

Portanto, aqui só nos interessa uma reflexão sobre a armadilha das aparências que tanto influenciam muitas de nossas escolhas e expectativas. Nada mais do que isso: refletirmos sobre a máxima do não julgar o livro só pela capa. 

Tal como aconteceu a este personagem quando ainda era um estudante de uma cidade do interior de Minas Gerais (Serro Frio) ao se alistar numa guerra terrível (como o são todas as guerras, diga-se de passagem), a guerra do Paraguai, em 1864. Momento em que desde então ele já era visto sob um estereótipo de fracasso no campo de batalha, ao ser chamado de modo jocoso pelos seus colegas, como o “General das Pílulas”. Evidenciando bem ao pré-julgamento que faziam da sua pessoa.

Fotografia do General Gomes Carneiro

Tal como se seguiu esse ver equivocado no episódio da chegada deste à Lapa, que vimos acima. Onde o que não se via em sua fachada, se percebia, de sobra, com o correr do tempo, na sua grande determinação, seu comprometimento. Disposto a fazer o que ele acreditava que tinha de ser feito, independente aqui, como eu já havia dito, de ter sido ou não a escolha mais certa para o país. Só importando se refletir sobre esta falácia das aparências. 

É essa reflexão o grande personagem da história aqui contada e não o homem usado para provocar o pensamento sobre as ilusões das exterioridades. Tanto quanto o engano em supostas grandiosidades que inclusive encobrem a força das banalidades.

Ou seja, como ações e decisões aparentemente banais, podem mudar os destinos de incontáveis pessoas, talvez até de um país. E que, por incrível que pareça, também tem haver com a história deste Carneiro cujo mérito (ou culpa, dependendo do ponto de vista de cada um) em muitas das páginas seguintes da história do Brasil não se devem tanto ao episódio da Lapa que o imortalizou nos livros.

Que só com o tempo se revelaram a causa de grandes desdobramentos históricos que mudaram por completo os rumos de nosso país. Transformações que igualmente não cabem aqui a serem julgadas como boas ou más. Pois cabe aqui apenas mostrar como a história também se faz de “pequenos” fatos.

E que serão objeto do próximo artigo, que tal como este não visa mostrar a importância de homens, mas justamente o contrário. De que não se pode pré-julgar grandes ou pequenos acontecimentos. Pois somente o tempo pode mostrar o equivoco disso. De modo que todos nós de fato podemos ser agentes da história e não somente meros expectadores dela, por mais incapazes que nos enxerguemos.

Tal como esta Lapa, até hoje uma pequena cidade (que segundo o censo de 2016, contava com pouco mais de 47 mil habitantes) que ajudou a decidir uma avassaladora guerra. Tal como um vulto à primeira vista sem nenhuma expressão que se revelou o gigante que determinou a história deste conflito. E que algumas de suas decisões se tivessem sido outras, quem sabe a história teria tido outros rumos em outras passagens além da Revolução Federalista. Assunto este que, portanto, vale um artigo a parte só para esclarecê-los e impressionar aos que duvidam do que afirmo.

Enquanto insisto em dizer que todos nós podemos fazer a história, servindo somente os ditos grandes homens, unicamente para mostrar que eles não são tão maiores do que nós. Desde que acreditemos no que somos de fato capazes de fazer, ousar e criar. Tal como fez o filho de um farmacêutico de uma cidade do interior cuja história é só um pretexto para pensarmos sobre esta armadilha das impressões influenciarem decisões e julgamentos.

Portanto, aguardemos à conclusão deste tema no próximo artigo a seguir.



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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