FAKE NEWS, O “DUPLIPENSAR” BRASILEIRO E O MOVIMENTO ELE NÃO: AS ELEIÇÕES DE 2018.

Fake newa


A eleição presidencial de 2018 ficou marcada por algumas peculiaridades. Sem dúvida foi a eleição das fake news, notícias falsas disseminadas pelas redes sociais (Facebbok e WhatsApp). Foi a eleição que provou que qualquer candidato não precisa frequentar os longos e tediosos debates de televisão, onde o tempo é curto e pouco se aprofunda em relação a propostas concretas. Diante disto, se comprovou que tempo de TV não é mais decisivo para se eleger alguém – as redes sociais e a internet agora são as armas para divulgação e captura de votos.

Também foi a eleição que marcou a esquerda, que desde já precisa se reinventar. Sair da órbita petista e buscar novas e criativas estratégias para voltar a ter a confiança da massa marginalizada da população brasileira – um caminho, sem dúvida, árduo e tortuoso. Buscar lugares coletivos e ideias comuns para a atuação é o principal, e imediato, objetivo da esquerda. Mostrar que só através da união é possível sair da despolitização, que cria terreno fértil para as fake news e para o “populismo de direita”. Com a palavra, o historiador e cientista político Mark Lilla: “Hoje, os jovens só se interessam pelo que os afeta pessoalmente e não enxergam a necessidade de se engajar numa luta comum com outras pessoas. São despolitizados no sentido de não saber como ganhar o poder político.” [1 ]Ou seja, romper as amarras do “liberalismo identitário”.

Neste texto, vamos analisar três aspectos das eleições: o papel das fake news no processo eleitoral e como elas se relacionam com a peculiar ideia de “duplipensar” do escritor inglês George Orwell, e o Movimento Ele Não.

As fake news ajudaram a criar uma “cultura” que, sem dúvida, favoreceu o candidato vencedor Jair Bolsonaro do PSL. Claro que há outros fatores, mas não vamos nos deter neles neste texto.

O escritor inglês Matthew D’Ancona em seu livro “Pós-Verdade” já aponta como a disseminação destas notícias falsas têm poder político e está vinculada a interesses – no livro o autor ele destaca o Brexit, saída do Reino Unido da União Europeia, e a eleição de Donald Trump, em 2016. Aqui no Brasil a realidade é distinta dos EUA ou da União Europeia. Mas o princípio das fake news é o mesmo: confundir, enganar, cobrir a verdade com o véu do conspiracionismo, colocar em dúvida todo conhecimento científico. Ao mesmo tempo, apresentar para as pessoas “opiniões” que preencham um sentimento, uma aspiração particular, ou um tipo de paixão, que, mesmo sem ter comprovação real, se encaixa exatamente na “lacuna” que as pessoas têm em determinados posicionamentos. Essa disseminação criou um “caldo” no qual as pessoas (eleitores) se afogaram. As fake news são a expressão da “pós-verdade”: informações que são moldadas para se adequar às emoções ou crenças particulares. Neste caso, o fato objetivo pouco importa, o que vale são as crenças ou emoções e neste sentido as informações são adequadas, particularizadas.

Um exemplo da pós-verdade atual pode ser encontrado na obra “1984” do escritor inglês George Orwell, publicada em 1949. No livro, Orwell criou o conceito de “duplipensar”, que é a crença em duas ideias contrárias e antagônicas. Um exemplo de duplipensar é acreditar que o governo Bolsonaro vai acabar com a corrupção, sendo que tem em seus quadros gente sendo investigada por fraude[2] , recebimento de caixa dois[3] e favorecimentos a empresas[4]

Esse tipo de “duplipensar” contaminou frações das classes médias e baixas, que geralmente se deixam contaminar pelas ideias toscas de uma pequeníssima fração da “elite do atraso” brasileira. As pessoas são fervorosas e raivosas contra a corrupção, mas esta raiva é seletiva. Como nos esclarece o brilhante sociólogo Jessé Souza em seu mais recente livro, “A classe média no espelho”: “A causa de todos os golpes de Estado, em especial o de 2016, nunca teve nada a ver com a corrupção. Por que apenas a [...] corrupção petista incomoda a classe média, e não a dos outros partidos, mesmo quando comprovada em gravações exibidas na TV? Alguém viu a classe média em massa nas ruas, protestando contra a corrupção de partidos de elite?”[5] Em outras palavras, alguém viu protestos tão amplos e amplamente divulgados pelo oligopólio midiático contra o MDB ou PP (Progressistas), partidos amplamente citados nas denúncias de corrupção?

Muitos trabalhadores de média e baixa renda, entraram na onda das fake news. Se deixaram embriagar pelo “caldo” da pós-verdade. A moralidade veio antes de um projeto político. Se as pessoas realmente soubessem e fossem atrás do real projeto político do PSL saberiam que a classe média trabalhadora e os marginalizados do sistema (que vivem de forma autônoma – os motoristas de aplicativos, os vendedores de comida nas grandes estações de ônibus e trem, a diarista sem um contrato formal, os MEI e os terceirizados) serão os mais prejudicados.

Agora vamos nos dedicar ao Movimento Ele Não.

No mês de setembro, um grupo de feministas lançou uma hashtag e um grupo no facebook contra o candidato da extrema direita. Logo, o perfil das administradoras foi invadido e o nome do grupo foi trocado para “Mulheres com Bolsonaro #17”. Um dia depois, já estava restaurado e com o nome normal.

O dia 29 de setembro de 2018 ficou na nossa História. Mais de cem mil mulheres fizeram um protesto por várias localidades de Brasil e do mundo, junto com homens simpatizantes das pautas feministas e também diversas pessoas que faziam parte das minorias. A Palavra de ordem foi estampada em camisetas, bandeiras e nas redes sociais: #ELENÃO!

A força do eleitorado feminino parecia decisiva, porque formavam 52% do total de sufragistas. Portanto, um protesto que reuniu milhares delas, parecia realmente mudar o resultado que viria, poucos dias depois. Mas, pelo contrário, a intenção de voto em Jair Bolsonaro subiu 6 pontos percentuais após a eclosão do movimento nas ruas! A razão pode ter sido o atentado que Bolsonaro foi vítima em 6 de setembro pelo Adélio Bispo de Oliveira, que assumiu ter agido “em nome de Deus”.

Uma outra interpretação sobre esse movimento, é que ele ajudou que a disputa eleitoral fosse para o segundo turno, afinal o Partido dos Trabalhadores, insistiu até o último segundo da prorrogação do segundo tempo para anunciar um nome para substituir o de Lula. O nome de Fernando Haddad ainda era desconhecido, apesar do seu trabalho na educação no governo lulista, e a vitória de Jair Bolsonaro já no primeiro turno parecia uma certeza. Feitas essas considerações, é interessante refletirmos sobre como começou o movimento “#ELENÃO”?

Desde 2014 existiram hashtags com pautas feministas que ficaram famosas, como “#nãomereçoserestuprada” ou “#primeiroassédio”, mas nenhuma delas havia saído do mundo digital e ido para as ruas, como o movimento #ELENÃO fez! Mulheres anônimas e famosas, brasileiras e estrangeiras, de esquerda e de direita, começaram a participar do grupo no facebook “Mulheres unidas contra Bolsonaro” e a disseminar a hashtag ELENÃO. As redes sociais foram fundamentais para a organização do movimento que gerou a maior manifestação de mulheres na nossa História. Foram protestos pacíficos em 114 cidades brasileiras e em outros países, em cidades como Nova Iorque, Lisboa, Paris e Londres. Outra questão importante para pensarmos é: contra quem foi esse grande movimento?

O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, é um militar de reserva, deputado federal do Rio de Janeiro fazem 27 anos. Foi acusado por sua mulher de furto, ocultação de bens e ameaças de morte. Na sua trajetória parlamentar VOTOU CONTRA os direitos de empregadas domésticas e contra investimentos em saúde, educação, saneamento básico e segurança (a PEC 95 que limita investimentos por 20 anos!). Apesar de toda essa atuação contra o pobre e contra os trabalhadores, muitos oriundos dessas classes votaram em Jair Bolsonaro. O presidente eleito abraçou as pautas populares por segurança e moralização dos políticos, usando palavras compreensíveis para a maioria do eleitorado, defendendo soluções simples, como se esses problemas fossem fáceis de resolver. Podemos citar algumas das declarações dele para exemplificar a sua forma de expressão: "O erro da ditadura foi torturar e não matar"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também"; "Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente."; "A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo"; "Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vou botar esses picaretas para correr do Acre. Já que gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá"; "Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria"; "[O policial] entra, resolve o problema e, se matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado, e não processado"; "Somos um país cristão. Não existe essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem"; "Eu jamais ia estuprar você porque você não merece"; "Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada, e veio uma mulher"; "O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele. Tá certo?"; "90% desses meninos adotados [por um casal gay] vão ser homossexuais e vão ser garotos de programa com toda certeza"; "Não existe homofobia no Brasil. A maioria dos que morrem, 90% dos homossexuais que morrem, morre em locais de consumo de drogas, em local de prostituição, ou executado pelo próprio parceiro"; "Fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem para procriadores servem mais"; "Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista"; "Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso"; "Como eu estava solteiro na época, esse dinheiro do auxílio-moradia eu usava para comer gente.", e por aí vai.

Notas:

1 https://epoca.globo.com/mark-lilla-esquerda-gosta-de-resistir-nao-de-governar-porque-tem-uma-visao-teatral-da-politica-23272249


2 https://oglobo.globo.com/brasil/mpf-investiga-paulo-guedes-assessor-de-bolsonaro-por-suspeita-de-fraudes-em-fundos-de-pensao-de-estatais-23145487


3 https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/em-video-deputado-onyx-lorenzoni-admite-ter-recebido-dinheiro-de-caixa-2/


4 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/parceira-da-jbs-ministra-de-bolsonaro-deu-incentivos-fiscais-a-empresa-em-ms.shtml

5 SOUZA, Jessé. A classe média no espelho. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018, p. 73.




Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na  rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
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