GENERAL CARNEIRO: fatos além do personagem meramente imortalizado na traumática Revolução Federalista (1893-1895). Parte 02: Sobre o efeito borboleta que criamos e ignoramos

Como vimos no artigo anterior, publicado no dia 09 de dezembro de 2018, um dos grandes diferenciais nos rumos da terrível guerra civil que assolou o Brasil no final do século XIX, a Revolução Federalista, foi um oficial de postura física quase cômica a ponto de ser encarado como o “reflexo infalível da próxima derrota”. 

Que, assim contrariando a essa impressão inicial, nos mostrou o perigo dos julgamentos pré-determinados. O risco de se depositar sua confiança, ou não, em algo, a partir do fascínio ou a falta deste, criado meramente por uma aparência. Ou seja, a armadilha desta falácia, sim.... das aparências. Tal como diz a velha máxima de não se julgar o livro pela capa que dispensa quaisquer outros comentários. 

Porém, além da reflexão sobre não se julgar prematuramente aos outros pelo que eles nos parecem inicialmente; este personagem histórico, chamado Antônio Ernesto Gomes Carneiro, mais conhecido nos livros escolares, simplesmente como General Carneiro, igualmente nos mostra como pequenos atos de modo inversamente proporcional podem ter gigantescas consequências. É isso aí. E tem mais: tanto para bem como para mal. Decisões, agora, aparentemente banais a resultarem, futuramente, em desdobramentos de efeitos descomunais, avassaladores até mesmo. Ou seja, um verdadeiro efeito borboleta. Do qual podemos ou não se perceber. 

Sendo um possível exemplo disso, este tal efeito borboleta; a guerra que já citamos aqui, vencida também, em parte (em parte somente, eu repito) por este nosso personagem aqui citado, este Gomes Carneiro. Sim, você leu certo. Pois, talvez, quem sabe, talvez, ela nunca teria acontecido se não tivesse sido um ato, no momento em que foi feito, aparentemente sem nenhuma relevância para o futuro, promovido por este mesmo Gomes Carneiro. Isso mesmo. Certo? Humm.... Mas como teria então sido tal efeito borboleta[1]

Bem, uma vez entendido que é só uma possibilidade de que tal guerra nunca teria acontecido sem este General Carneiro ter feito o que fez muito antes dela estourar, porque tal Revolução não aconteceu somente pelo prevalecimento deste presidente Floriano Peixoto que, sim, só chegou aonde chegou, a presidência do Brasil, primeiramente por causa deste ato realizado por este seu amigo que estamos comentando. O que logo, logo vai ficar bem claro. 

Então sem mais delongas, vamos contar que este Gomes Carneiro, de acordo com o autor David Carneiro, na sua obra “O Cerco da Lapa e seus heróis” (1991), quando então, longe do campo de batalha, meramente se ocupava de funções burocráticas e talvez nem pensasse que voltaria novamente a enfrentar uma nova guerra, ele impediu que seu amigo Floriano deixasse os bastidores do meio que o levou ao poder mais tarde. 

O que lhe permitiu continuar dentro da hierarquia militar onde, de ultima hora, passou para o lado republicano, na conspiração que derrubou a monarquia e isso lentamente aproximou ainda mais das intrigas politicas que o levaram ao ápice do poder. Tudo porque seu amigo, Gomes Carneiro, então atuando, em 1885 (quatro anos antes do golpe de 15 de novembro de 1889) como auxiliar do ministro da Guerra Thomaz Coelho, impediu que o “Tabaréu das Alagoas” Floriano, não conseguisse a uma reforma (aposentadoria) solicitada dentro das Forças Armadas. Que seria certo de o isolaria de todos os fatos que se seguiram. Entendem? Pedido de baixa este como uma forma de escapar às perseguições que sofria no Ministério da Guerra. Implicâncias que, é claro, também vieram por causa de seu gênio bruto, um tanto selvagem, não muito apreciado pelos seus colegas. Acontecendo que o obstinado Carneiro entendendo a situação injusta e que por esta razão desviou o pedido de Floriano para uma licença sem que este precisasse se desligar do corpo ativo do Exército.

Permitindo ao mesmo retornar ao corpo efetivo das forças armadas, em 1889, quando ficou encarregado da segurança do ministério do Visconde de Ouro Preto, cuja queda que Floriano nada fez para impedir e, por sua vez permitiu a vitória do complô republicano orquestrado pelos militares. 

E em suma, o mal que (dependendo do ponto de vista de cada um, é obvio) este general Carneiro venceu, pode também ser sido responsabilidade sua. Um verdadeiro efeito borboleta, porém, somente se sim, sem Floriano a Revolução não acontecesse.

Ou seja, há o risco do herói que se cultua ter enfrentado o “monstro” ter antes o criado.

Todavia, disso tudo, pode ser que possam ter acontecido outros efeitos borboletas. Pois foi somente com a subida deste mesmo Floriano Peixoto à presidência que este seu amigo Gomes Carneiro, que antes o ajudou, então foi promovido a tenente-coronel, em seguida passando a dirigir a construção da linha telegráfica que ligava o Mato Grosso à Capital da República (na época Rio de Janeiro). Entendem? Hum... Não, pois ainda não ficou claro no que isso afetou os destinos do país. Então vamos entender isso agora!

Seu trabalho na instalação de linhas de comunicação talvez nada tenha legado, porém, em compensação, ao ser chamado para lutar na articulação da resistência à Revolução Federalista, já em vias de estourar, em 1892, Gomes Carneiro pode indicar seu sucessor na antiga função, tendo insistido assim na nomeação de um então discreto tenente, de nome Candido Mariano Rondon (hoje lembrado como Marechal Rondon).

Sim, isso mesmo. O homem hoje referenciado como o criador do primeiro serviço de proteção ao índio (SPI), antecedendo a atual FUNAI. Fato só ocorrido graças ao trabalho deste então tenente na instalação destas mesmas linhas de telégrafo no Mato Grosso. Posto obtido somente, por causa da escolha de Gomes Carneiro para lhe substituir, ao preferir um homem capaz em vez de uma mera troca de favores como tanto é de praxe na politica até hoje. 

De modo que após várias expedições pelo interior do Brasil, nos anos seguintes, instalando essas linhas de comunicação, Rondon irá se familiarizar com os nativos. E assim mudar um pouco da vergonhosa politica da época para com as minorias.

Relatos que não visam engrandecer ao vulto histórico Antônio Ernesto Gomes Carneiro, até porque heróis são algo discutível. Tendo, sim importância em se conhecer este lado sobre a sua saga, pelo grande conteúdo que pode nos despertar a reflexão como não há necessariamente ações mais ou menos importantes, até que o tempo nos mostre a dimensão exata destas. 

O que nos leva a tantos e se.... Por exemplo, e se existissem as formas de inclusão de torta no espaço escolar (que atualmente aprovam até mesmo pessoas semi-letradas) no tempo do inventor Thomas Edison, teria sua mãe não medido esforços em lhe ensinar cuidadosamente a ponto de ele, mais tarde se tornar o gênio que patenteou 2.232 invenções? E se um despretensioso pesquisador inglês chamado Alfred Wallace não tivesse ido compartilhar suas ideias com um receoso Charles Darwin, sobre as mesmas conclusões que este sobre a evolução, teria o hoje afamado “pai” desta teoria a publicado e levado o evolucionismo ao mundo como hoje o sabemos? E assim vai todos os “e se” de fatos ignorados, verdadeiros efeitos borboletas. 

Daí toda esta minha ênfase em destacar a responsabilidade de como qualquer ação, pensamento, escolha, etc. pode ter muito mais desdobramentos do que podemos imaginar. Desde que sigamos o que acreditemos dever ser feito, não nos omitamos por conveniências somente, assim como a máxima de que “de boas intenções o inferno está cheio” (pois são as consequências e não nossas intenções que mais afetam aos outros pelo que fazemos ou deixamos de fazer). 

Tal qual como o destino não é algo pré-determinado. O destino é fruto (se não todo, pelo menos em boa parte) do que nós próprios fazemos. Que eu o diga de um filho de farmacêutico, de fala mansa que, num arrombo de loucura querer servir voluntariamente em uma guerra (a do Paraguai) disso se fez um oficial rigoroso e altamente eficiente em todas as missões que recebeu. 

E que sem querer, afetou o futuro de outras pessoas no futuro de nosso país. Por mais que fique a dúvida: se sem ele ter feito certas escolhas, até onde nosso país talvez não pudesse ter tido caminhos melhores a se percorrer? Floriano presidente, o nascimento da hoje FUNAI e assim vai. Que cada um tire suas conclusões. 

Logo, só restando não deixarmos dizerem o que será nosso destino ou a utilidade de algo que fazemos crendo ser importante, vermos o valor de não sermos somente expectadores (isso quando até desta condição nos omitimos), além de que ditos “grandes” por vezes só a grandeza conheceram devido a pequenos detalhes. 

Fica assim, em meio a tudo isso a reflexão: toda a ação cria algum impacto.

Notas:

[1] O nome efeito borboleta se deve à ideia de que o bater das asas de um inseto como este, inocente, nas condições adequadas para tanto, pode produzir, uma onda de vento, lentamente a crescer, capaz de se tornar um furacão em outro lado mundo. Ou seja, um ato sem importância inicial pode gerar grandes desdobramentos.



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Um comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...