FELIPA MARIA ARANHA:

A quem interessa uma história de derrotados? Mesmo que sendo heroicos esses derrotados, a quem interessa uma história assim? A quem? Por certo a deslumbrados românticos que enxergam maior beleza no martírio do que invés no triunfo. Vencidos na vida pela vida, ofertados como exemplo a outros para que assim se consolem no fracasso que a sociedade tenta lhes impor. 

Pois senão porque uma ênfase em heróis derrotados em diversos aspectos da nossa história? Inclusive ao se tratar da história da tão rica identidade negra em nosso Brasil. História esta repleta de grandes vencedores. 

História de que falo que inclui um presidente da República (Nilo Peçanha), destacados engenheiros (os irmãos Antônio e André Rebouças), renomados intelectuais (como o geografo Milton Santos e a educadora Nilma Lino Gomes) e assim vai indo... 

Contudo, a despeito disso, a história do negro do Brasil em boa parte se apoia numa única referência principal, figurando as demais como meras coadjuvantes no esforço de exaltação da memória africana no Brasil. 

Ou seja, me refiro ao líder quilombola Zumbi dos Palmares, cujo dia de sua morte, 20 de novembro se tornou o marco da luta pela valorização da identidade afro-brasileira. Como se este fosse o único grande destaque digno de nota. Como se de fato o fosse, ah... Ingenuidade. 

Justo sobre este a quem recai a memória controversa do líder que tombou junto com o seu Quilombo de Palmares do qual era o soberano. Posto conquistado, aliás, após uma conspiração que matou ao seu tio Ganga Zumba, o antigo soberano antes deste mesmo. Bem, sobre isso então muitos podem dizer que Zumbi é o único grande referencial da luta mais aberta contra o sistema escravagista. 

Deste modo sendo mostrado como o único grande símbolo da luta dos negros que teria mais lutado e mais se arriscado para mudar ao sistema que lhes oprimia. Esquecendo que houveram outros destaques nessa mesma luta, por sinal muito mais bem sucedidos. Como foi o caso de Felipa Maria Aranha. Sim, Felipa Maria Aranha... Certo, certo..., mas quem foi ela? 

Pergunta esta difícil de responder, por causa da grande omissão que a maioria dos livros fazem a este grande vulto. Líder do quilombo do Mola ou Itapocu. Uma localidade disposta nas cabeceiras do Igarapé Itapocu, um braço do Rio Tocantins, onde agora o município de Cametá, estado do Pará. 

A organizadora de um quilombo na segunda metade do século XVIII, constituído por mais de 300 negros, seus habitantes quilombolas que se sustentou por vários anos sem ser ameaçados pelas forças legais. Tendo assim deixado um legado de luta, improvisações e liderança para seus descendentes nesta Região do Tocantins.

Maria Aranha

Portanto, vale a pena saber mais sobre a sua vida para se decidir se sua história fica a dever algo a outros vultos como o já falado Zumbi dos Palmares. Uma história que como a deste é igualmente cheia de lacunas em seu início. Se acreditando que ela nasceu na região da Costa da Mina. 

Para quem não saiba é uma localidade na no Golfo da Guiné (onde hoje há os países Gana, Togo, Benin e Nigéria) que na época era um dos maiores centros de tráfico humano para as Américas. Neste local que é mais certo que Felipa Maria Aranha nasceu, entre os anos de 1720 a 1730, tendo sido capturada em algum momento a partir de 1740. 

Vendida como escrava foi levada para a localidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará (atual capital do estado do Pará). Em seguida sendo mandada para uma plantação de cana-de-açúcar na comunidade de Cametá. Foi lá que ela começou o seu quilombo do Mola ao fugir junto com vários outros escravos em 1750. 

Um espaço por ela liderado que de acordo com pesquisadores como Benedita Celeste Pinto (2012 e 2016) e Flávio dos Santos Gomes (2006), ostentava um alto grau de organização política, social e militar, sendo um dos maiores modelos de resistência à escravidão que a historiografia já encontrou. Tanto que por causa da sua liderança militar, ela conseguiu expulsar as forças portuguesas e as várias incursões de capitães do mato. E não é só isso. 

Pois a sua grande capacidade política, além disso, a fez estruturar uma entidade composta por cinco quilombos (Mola, Laguinho, Tomásia, Boa Esperança e Porto Alegre), a então chamada Confederação do Itapocu. A qual por sua vez, continuou a empreender severas derrotas às forças escravagistas. E que diferente de Palmares, somente cessou sua luta contra as autoridades escravagistas quando Portugal (que dominava o Brasil como colônia ainda) ofereceu anistia (perdão politico) e os declarou como súditos da coroa. 

Localização pelo mapa

Mas claro que mesmo já declarados como súditos há mais de meio século, sofreram perseguições pelas forças oficiais durante o Brasil Império e por incrível que pareça somente em 2013 (isso mesmo, 2013), o quilombo recebeu o reconhecimento legal das suas terras. Logo, em nada uma história que fique a dever ao legado de Palmares. Com a diferença de que não só este centro de resistência se manteve como também inspirou exemplos parecidos.

Tendo imposto respeito até ao governo da época que chegou a criar as Fortalezas de Nossa Senhora de Nazaré de Pederneiras (em 1781; atual Tucuruí) e a Fortaleza de São João do Araguaia (1797, cuja cidade até hoje conserva esta denominação). O que não impediu que outras mulheres, como Maria Juvita, de migrarem do Quilombo do Mola para criarem comunidades iguais. Neste caso, o povoado de Tomásia que se uniu na já mencionada aqui Confederação do Itapocu.

Nisso também valendo destacar o Quilombo de Pixabal, no município de Baião, formado pela liderança das negras Leonor, Virgilina, Francisca e Maximiana. Todas essas personagens de uma história da identidade negra em geral e também da mulher negra em especial. Diferente de figuras como Dandara que tem seu destaque como uma mera companheira do controverso Zumbi dos Palmares. Diferente da história trágica do massacre de Palmares que hoje é exaltada como uma grande referência essa tamanha derrota. E que ofusca a outros destaques como é o caso de Mola e suas líderes dentre as quais, Felipa Maria Aranha. 

Por conseguinte, já não seria o tempo de se ver além da exaustiva menção à derrotada Palmares? Não seria o momento de se olhar mais a outros que igualmente lutaram e não precisaram vestir o estereótipo romântico do martírio, da tragédia, tal qual um utópico “Romeu e Julieta”? 

Pensemos nisso …. 



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

6 comentários:

  1. Olá! Você saberia me dizer quem é o autor/autora da imagem de Felipa Aranha?

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  2. creo que abajo dice Luis Marcelo Santos

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  3. Professor, muito obrigada.
    Eu gostaria de saber o nome de nascimento de Felipa Maria Aranha.

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  4. O nome africano propriamente desconhecido como toda a trajetória dela antes da criação do Quilombo em que só se sabem poucos fragmentos da sua vida. Tanto que como bem coloquei se acredita que ela era da Costa da Mina, pois até essa informação é incerta, pois por muito tempo a história escrita privilegiva as elites, as figuras do povo se perpetuavam no chamado boca-a-boca onde muito conhecimento sobre elas se perde ao fim.

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