GRANDIOSA GREVE GERAL DO PROLETARIADO PAULISTA: A GREVE DOS 300 MIL NO CONTEXTO DO BRASIL GOVERNADO POR GETÚLIO VARGAS

A Greve Geral dos 300 Mil foi um fato histórico que ajudou a definir o Brasil governado pelo presidente Getúlio Vargas. Para compreender bem esse acontecimento, faz-se necessário descrever e analisar quem foi o ex presidente, como era o Brasil durante a Era Vargas, bem quando aconteceu a mencionada greve, durante a gestão “democrática” do principal referencial teórico do trabalhismo brasileiro. Getúlio Dornelles Vargas iniciou a sua trajetória partidária como um militante do partido de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros, Partido Republicano Rio Grandense (fundamentado no positivismo), onde está uma das raízes para o seu ideário político e social, o trabalhismo que esteve marcado originariamente por colocar nas leis as relações entre trabalho e capital, por meio da intervenção do estado empreendedor na economia nacional. 


O contexto onde surgiu o líder político Getúlio Vargas foi a República Velha, nesse tempo quando na prática o sindicalismo era crime, as votações eram de cabresto, e mulheres não votavam em eleições que eram análogas às atenienses clássicas, no tocante as limitações. Getúlio Vargas foi ministro da fazenda de um dos presidentes da Primeira República, o Washington Luis, que tratava a questão social como caso de polícia, e foi também presidente do Rio Grande do Sul, nos Estados Unidos do Brasil. O sindicalismo deixava de ser crime, para ser controlado, e com Eurico Gaspar Dutra (1946/1950) era proibido mais uma vez.


Eurico Gaspar Dutra

Importante chamar a atenção que Getúlio Vargas foi um Michel Temer da República Oligárquica, porque quando foi membro do governo de Washington Luis, liderou um processo golpista que o depôs. A diferença, que esse movimento foi com armas em punho, diferente do golpe que depôs a presidenta Dilma Roussef, que foi realizado dentro do parlamento. Em seguida ao golpe, Getúlio Vargas foi presidente de um governo provisório, eleito indiretamente, para logo depois fazer mais um golpe, o do Estado Novo e como nosso Brasil sempre foi palco de fatos inóspitos, como por exemplo, durante o Estado Novo, o partido da União Democrática Nacional ser pautado pela luta pelas liberdades democráticas, e mesmo reprimindo violentamente rebeliões como a da Aliança Nacional Libertadora, dos paulistas, dos integralistas, do Caldeirão, do Pau de Colher e Doninha do Ranque Novo, Getúlio Vargas foi eleito via democracia representativa, que foi gerada por ele no Brasil, poucos anos antes de seu suicídio. 

Antes de Getúlio Vargas que alcançou o poder via Aliança Liberal em 1930, não existia democracia liberal no Brasil, até o trotskista da UDN, Mário Pedrosa, elogiava Getúlio Vargas, referindo-se a proibição de participar dos sindicatos, que existia na prática, antes da regulação feita com o golpe revolucionário de 1930.

Getúlio Vargas foi, portanto, um “civil de ferro”, vencendo mais revoltas que venceu o Floriano Peixoto que recebeu a alcunha de “marechal de ferro”. No momento em que vivemos, com democracia liberal cerceada, andar em ruas com o nome do ditador gaúcho pode ser contraditório, ainda mais devido as suas relações e apreço pelo fascismo. A história registrou um telegrama que Benito Mussolini enviou ao Getúlio Vargas, o felicitando pelo golpe de 1930, que ele protagonizou junto aos militares tenentistas. Além do apoio fascista, teve o apoio militar, tão essencial, que alguns autores consideram o golpe de trinta, a vitória da “revolução dos tenentes”. Mas os acontecimentos da Era Vargas (1930-1945)- o período que o presidente governou negando a democracia liberal, por ele sempre detestada- reforçam essa ideia, já que Getúlio respondeu a algumas das reivindicações dos tenentes, e nomeou. Entretanto, também o fez com algumas das demandas dos anarquistas e dos comunistas. Ou seja, sem a pressão popular, Getúlio Vargas não teria feito concessões como o voto das mulheres, os direitos trabalhistas, o monopólio estatal do petróleo, a suspensão do pagamento da dívida externa, por que o seu governo conciliava com as forças políticas que estavam organizadas em seu tempo, seja com os fascistas alemães e italianos, os comunistas, os integralistas, os cafeicultores paulistas, as oligarquias, os tenentes, entre outros. 

Se na Era Vargas o governo concedia direitos aos trabalhadores da cidade, era em razão do Poder Popular que existia entre a classe operária urbana. A organização dos trabalhadores do campo foi posterior. Somente em 1945 surgiram as Ligas Camponesas.Em 1954 foi criada a União dos Lavradores e Trabalhadores, tendo a frente o comunista Lindolfo Silva. Na década de 1964 surgiu o Movimento dos Agricultores Sem Terra. Por essa razão Getúlio Vargas esteve voltado inicialmente aos trabalhadores da cidade. 

A vitória dos Aliados, no entanto, demonstrou a contradição no Brasil: brasileiros lutaram contra ditaduras no exterior quando tínhamos uma outra ditadura no país. Por essa e outras razões, Getúlio Vargas deu uma guinada para a esquerda, anistiando presos políticos, reatando relações com a URSS e legalizando partidos (UDN, PSD, PTB, PCB e PRP). Da união entre trabalhistas e comunistas, surgia o “queremismo”. Essa unidade ampliada, preocupou o exército, que depõe Getúlio Vargas em outubro de 1945.

Força Pública ocupa a Praça da Sé, durante a greve geral dos 300 mil

Um dos movimentos que geraram benefícios para os trabalhadores por meio de medidas do presidente Getúlio Vargas foi a Greve Geral dos 300 Mil, na cidade de São Paulo, em 1953. O movimento durou de 26 de março até 23 de abril, marcado por atuação nas bases por meio de comissões criadas nos locais de trabalho e grande quantidade de ações de rua, com violência policial e alguns revides do povo trabalhador organizado. A greve ocorreu em meio a eleição para a prefeitura de São Paulo, quando aumentava do custo de vida, por meio da carestia. Outras reivindicações dos trabalhadores foram o aumento salarial e adoção pelo governo de políticas contra a mencionada carestia e a favor do sindicalismo. 

Da dissertação chamada "Trabalhadores, política e sindicatos no tempo do populismo: uma narrativa das lutas operárias (1945- 1964)", de José Robson da Silva, tiramos as informações para a cronologia a seguir. 

Em janeiro de 1953, tudo começou com uma mobilização entre os trabalhadores têxteis, com a criação da comissão central de salários composta por 14 operários, com metade para cada sexo. A comissão estava encarregada de conduzir as negociações com os empregadores por 60% de aumento salarial, e as de organizar as manifestação de rua. 

No dia 10 de março, 8 mil trabalhadores do ramo têxtil, liderados pelo comunista Antonio Chamorro, abandonaram as fábricas e marcharam até a sede do sindicato patronal, entregando um memorial com as reivindicações. 

No dia seguinte, operários do Lanifício Santista paralisaram as suas atividades, a revelia do sindicato e voltam ao trabalho devido intervenção de Antonio Chamorro, militante comunista de base, que argumentou não ser ainda o momento para parar a produção. Nas outras indústrias têxteis, paralisaram e não voltaram às atividades laborais. Militantes do PCB conseguiram adiar a greve dos metalúrgicos, para coincidir com a greve dos tecelões. 

Em 18 de março, aconteceu nova passeata, dessa vez com 60 mil trabalhadores de diversos setores como marceneiros, metalúrgicos e gráficos, dirigiram-se ao palácio dos Campos Elíseos, sede do governo estadual, para entregar ao governador Lucas Moreira Garcez um memorial pedindo providências com relação a elevação do custo de vida e escassez de gêneros de primeira necessidade. A manifestação foi pacífica, apoiada pela imprensa e pela população, e os trabalhadores começaram a pautar a imprensa. Essa foi a Passeata da Panela Vazia, que aconteceu em meio a uma campanha eleitoral municipal que elegeu Jânio Quadros. O candidato comunista era o participante da passeata da panela vazia, André Nunes, que obteve 18 mil votos. 

O dia 25 de março foi histórico, devido ao início oficialda greve dos tecelões, cujo sindicato, por pressão das comissões de fábrica, teve que antecipar a assembleia que estava marcada para o dia 29. No mesmo dia, os metalúrgicos fazem assembleia geral extraordinária e decretam greve em solidariedade aos tecelões. Nos dias seguintes, a greve se espalha. Esse foi o dia que começou a greve geral dos 300 mil. 

Tentaram reeditar a passeata da panela vazia no dia 31 de março, mas a polícia investiu nos grevistas com jatos de água, cassetetes e bombas de efeito moral. Os trabalhadores, por sua vez, revidavam com pedras e paus. O resultado do confronto foi de 150 presos e dezenas de feridos, estiveram presentes na passeata parlamentares do PTB, PSP e PSD. 

No dia 9 de abril teve outra passeata, em direção ao palácio Campos Elíseos, para exigir do governador a libertação dos grevistas encarcerados, essa ação teve violência policial contra ao grevistas. 

A greve foi marcada por ação intensa nos piquetes, diante de repressão policial nos portões das fábricas. Na primeira semana de greve, 85 mil operários têxteis estavam parados. E no décimo dia, teve adesão de outras categorias, como as dos marceneiros, vidreiros, empregados de indústrias de bebidas emalharias. A greve se espalha por outras cidades do estado de São Paulo. 

14 de abril, foi quando gráficos aderem à greve. Em 14 e 15 de abril, Tribunal Regional do Trabalho ofereceu aos metalúrgicos e aos tecelões 32% de aumento salarial. A proposta foi aceita em assembleia pelos trabalhadores com as seguintes condições: que não houvesse acordos em separado, que não voltariam ao trabalho enquanto tivesse grevistas presos, que não ocorresse descontos dos dias parados, que não ocorressem demissões por motivo de greve. 

No dia 23 de abril, aconteceu a última passeata da Greve Geral dos 300 mil, cujos objetivos eram agradecer a mediação do governador Lucas Nogueira Garcez e pedir que os líderes das comissões de fábricas não fossem demitidos. Mulheres devolveram a um grupo de policiais em minoria as agressões que sofreram em passeatas anteriores.Um acordo foi assinado e encerrou a greve de tecelões e metalúrgicos. Quatro dias depois, no dia 27 de abril, os gráficos voltam ao trabalho. No dia 29 de abril, tecelões de Sorocaba voltaram ao trabalho. 

Na primeira semana de retorno ao trabalho, seis mil tecelões foram demitidos. Muitas empresas não pagaram o reajuste salarial. Listas com nomes de grevistas foram distribuídas nas empresas para negar emprego a quem dele necessitasse. Diversos processos ajuizados no Tribunal Superior do Trabalho. Novas paralisações foram organizadas em diversas empresas. Os marceneiros e vidreiros assinaram acordos em separados ehouve repressão aos trabalhadores, obrigando que as assembleias fossem realizadas não mais em espaços públicos, mas dentro dos sindicatos. 

Trabalhadores que não eram das direções dos sindicatos, criaram comissões de solidariedade para pressionar os trabalhadores para se manterem firmes na greve. Cada categoria criou uma comissão central de greve, elas se uniram e formaram o comitê intersindical de greve. Os grevistas ocupavam o espaço público e teve participação ampla feminina. As assembleias aconteciam pelas manhãs, a tarde havia concentração em locais públicos com passeatas, e à noite eram realizadas reuniões dos membros de comissões de fábricas para organização das atividades dos dias seguintes, como os piquetes, a distribuição de panfletos e coletas de donativos. Os trabalhadores criaram também uma cozinha comunitária, que funcionava das seis horas de manhã até as 22 horas. Com toda essa organização, os trabalhadores ainda conseguiram atrair a simpatia de amplos setores da população para a sua causa, devido a questão da carestia que afetava toda a população. 

O movimento paredista dos 300 mil foi realizado por trabalhadores das indústrias, inicialmente do setor têxtil, visando aumento salarial, melhores condições de trabalho e mais direitos para a organização sindical. 

Em uma semana depois de deflagrada a greve, cerca de 300 mil trabalhadores industriais pararam sua produção. Aos tecelões que decretaram  a greve, rapidamente se juntaram trabalhadores dos bairros operários da Mooca, Brás, Belém e Ipiranga.

dos trezentos mil grevistas preso o centro de São Paulo

O movimento persistiria mesmo depois da Delegacia Regional do Trabalho decretar sua ilegalidade e das ameaças do então ministro do Trabalho, Segadas Viana, de enquadrar os grevistas na Lei de Segurança Nacional, altamente repressiva, que visava principalmente confrontar os comunistas. Essa perseverança dos trabalhadores organizados demonstrava a sua imensa combatividade. 

O movimento resultou em vitórias dos grevistas, que conquistaram o aumento salarial de 32%, a derrubada da lei 9.070, aprovada no governo Dutra e que, na prática, proibia a realização de greves, o posterior aumento de 100% do salário mínimo, decretado no ano seguinte, e a mudança do ministro do trabalho, que passou a ser João Goulart. A nomeação de Jango como novo ministro do trabalho, mais ligado as pautas dos trabalhadores, pode ser também considerada uma das conquistas do movimento operário combativo de 1953. 

Jornal carioca, organizado pelo PCB, mencionando a greve geral dos 300 mil

Nos próximos anos teríamos centenas de paralisações, em defesa da posse de Jango, de plebiscito sobre o seu regime de governo (parlamentar ou presidencialista), em favor da revolução cubana durante a crise dos mísseis, para pressionar o congresso para aprovar as reformas de base, a greve dos 700 mil em São Paulo, de 1963. A mencionada greve dos 300 mil insere-se na história social brasileira, que explicita um povo trabalhador que sempre lutou contra os patrões e os governos. Nenhum direito veio por bondade de um presidente. Mesmo quando um governante, como Getúlio Vargas, teve eficiência, foi agindo entre diversasassessorias e membros de gestão, a exemplo de Artur de Souza e Costa, que foi por cerca de onze anos o seu ministro da fazenda, e foi um grande e incansável realizador durante a Era Vargas. Assim como outros nomes que ficam escondidos atrás das narrativas fantasiosas sobre Getúlio Vargas, que temia e desconhecia o comunismo, tanto quanto hoje o fazem muitos dos eleitores do Bolsonaro, conforme deixa bastante claro o diário do ex ditador. 

Não foi apenas a greve geral dos 300 mil que incomodou Getúlio Vargas. A Marcha da Fome de 1931, organizada pelo PCB, deixou o “pai dos pobres” desesperado. A Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), era dirigida pelos comunistas, entre eles Minervino de Oliveira, e organizou a Marcha da Fome, afirmando em um manifesto de mobilização: “Basta, camaradas! Não toleraremos mais esta situação de miséria e fome! Compareçamos todos à nossa Marcha da Fome e tomemos à força o que de direito nos cabe! Contra o governo, contra a polícia, contra a burguesia, organizemos a nossa demonstração, assaltemos armazéns e levemos o pão para os nossos filhos”. 

A polícia fez de tudo para impedir as manifestações, prendendo militantes que espalhavam cartazes no Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, São Paulo e Santos; invadiram casas, roubavam documentos, ocupavam pontos estratégicos das cidades, armados de metralhadoras e promovendo deportação de vários presos. Essa foi a Marcha da Fome, ocorrida no início do governo golpista de 1930.

A Greve Geral dos 300 Mil e a Marcha da Fome foram dois dos muitos infortúnios que, por vezes desolavam o presidente. A greve, principalmente, desgastou consideravelmente o governo, conforme Boris Fausto. Embora Getúlio Vargas tenha uma quantidade de realizações que não foi superada até hoje por nenhum outro governo, muitas vezes mostrava bastante insegurança, falando em suicídio seguidamente. O suicídio era questão de tempo. Ele admirava o fascismo italiano, que pode ser considerado, portanto, umas das influências do trabalhismo brasileiro primitivo. Mas ele foi um golpista e ditador, além de ter inventado a nossa democracia liberal, por que nem Eurico Gaspar Dutra fez um governo com liberdades democráticas, como as que os brasileiros assistiram, no último governo do presidente gaúcho de São Borja.

Ainda que tenha tantas contradições, e Getúlio Vargas não parecia se preocupar com coerência, foi o melhor presidente que o Brasil teve, seguido por Jango. Por isso, o criador da Comissão de Repressão ao Comunismo e da Lei de Segurança Nacional, deve ser sempre bem estudado: o Brasil não teve ainda uma democracia de verdade, ela nasce de forma autoritária e centralizadora com Vargas, e depois dele, para alguém ser mesmo o melhor presidente de todos os tempos, superando Getúlio Vargas, deverá fazer pelos brasileiros, sobretudo para os trabalhadores, bem mais do que Lula e Dilma fizeram, em condições bem mais fáceis, comparando com a Era Vargas iniciada durante a crise mundial capitalista de 1929, que marginalizou o liberalismo no mundo.



REFERÊNCIAS:

FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas. O poder e o sorriso. 3° ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GORENDER, Jacob. Combate das trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. 2° ed. São Paulo: Editora Ática S. A., 1987.
SILVA, José Robson da. Trabalhadores, política e sindicatos no tempo do populismo: uma narrativa das lutas operárias (1945- 1964). Dissertação  (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Campinas, 2008.


Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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