POVOS DO PINDORAMA Parte 02 – Sambaquis: um enredo que daria até um bom samba aqui

Não é delírio afirmar que nossa cultura é uma atração sem igual. Basta ver, por exemplo, nos desfiles de Carnaval no Rio de Janeiro, alguns dos sambas enredos mais marcantes em toda a história destes eventos foram baseados em temas da nossa história que, todavia ainda precisam ser muito mais valorizados e aproveitados, tanta a sua variedade. 

De modo que para muitos que podem duvidar desta afirmação sugiro verem a história do samba enredo de 1971, “Festa Para Um Rei Negro”, composto por Zuzuca cujo refrão era “O-lê-lê, o-lá-lá, pega no ganzê, pega no ganzá”. Que apesar das polêmicas sobre este, importa dizer do resgate de nossa identidade que inspirou outras iniciativas neste sentido, como “O Tititi do Sapoti”, de autoria de Darci do Nascimento, Djalma Branco e Dominguinhos do Estácio, em 1987.

Sendo que esta engenhosidade de nossa cultura e das outras culturas que criaram essa identidade de que dizemos a vermos com maior atenção, disso muito se aplica aos povos nativos daqui que apenas nos deixaram os resquícios de sua passagem. Como é o caso das chamadas populações dos sambaquis. Que apesar do trocadilho do título deste artigo parecer bobo, seja certo que poderia sim gerar um bom samba enredo toda a história que traz este recorte da nossa dita “pré-história”. Ou mesmo inspiração a outras artes escritas ou plásticas. Para tanto, demonstremos isso que afirmamos. 

Primeiramente destacando que sobre tais sociedades, a destes sambaquis, que não é preciso dizer que desapareceram antes da chegada dos europeus, e que elas se instalaram, principalmente, nas margens litorâneas em amontoados de conchas de até 30 metros de altura. Sendo eles mais comuns em baías, enseadas, restingas e ilhas próximas à costa ou estuários, também havendo a ocorrência destes em outras áreas. 

O seu principal alimento eram os moluscos, animais invertebrados, de corpo mole, como lulas, caramujos e ostras. O que não excluía em sua dieta animais de pequeno e médio porte como roedores, cervos, etc. Porém, mais importando aqui se dizer que um sambaqui é um depósito, feito pelo homem, com materiais orgânicos e calcários (conchas, esqueletos de peixes, outros restos animais, terra e água salobra) que foram sendo empilhados ao longo do tempo, sofrendo ação do sol, da chuva, do vento. 

O que levou, por sua vez, a irem estes montes, sofrendo lentamente um processo de fossilização química, já que a chuva deforma as estruturas dos moluscos e dos ossos enterrados, difundindo o cálcio (que é o elemento principal dos ossos e conchas) presente nestes restos por toda a estrutura e isso tudo vai, pouco a pouco petrificando esses mesmos detritos e ossadas porventura ali existentes. 

Entendido isso, é preciso dizer que estes amontoados foram criados por populações indígenas que então faziam destes montes o seu local de moradia, ao mesmo tempo em que seus aterros sanitários (depósitos de lixo por assim dizer) além de local de sepultamento dos seus mortos. Já que nestes sambaquis já foram encontrados restos humanos (sepultados), de alimentos, de utensílios de cerâmica e de pedra. E o que podemos aprender com eles não para por aí. Não mesmo. Pois, por exemplo, os excrementos (fezes) humanos fossilizados podem nos informar, por exemplo, sobre as doenças que aqueles homens e mulheres tinham. 

Com base no que já se encontrou nestes grandes montes, várias atividades do cotidiano eram feitas no lugar onde eles moravam. Por exemplo, objetos como raspadores de conchas e facas de pedra encontradas nos sambaquis sugerem que eles fabricavam, no próprio local, objetos de madeira, couro e fibra. Os batedores, suportes de pedra e a grande quantidade de lasquinhas indicam a fabricação de objetos de pedras. Os restos de fogueiras mostram que também lá preparavam alimentos e se aqueciam.

Sambaqui de Figueirinha I em Jaguariúna –SC

Além de que, como certos sambaquis eram erguidos ao longo de séculos e mesmo um milênio, se sabe que a maioria dos grupos era sedentária e não nômade, como se pensava antes, tal como coloca o arqueólogo Paulo DeBlasis, da Universidade de São Paulo (USP), citado na reportagem “O que são Sambaquis?” da revista Mundo Estranho (Super Interessante) de 04 de julho de 2018. Podendo também se destacar que seus habitantes praticavam atividade física constante.

E como se pode afirmar isso? Por causa dos ossos robustos dos esqueletos que denotam esta condição, talvez devido à atividade de pesca. Acontecendo que é bom segurar o folego porque as informações não param conforme se observa melhor estes sambaquis. Tais como que ao se encontrar corpos sepultados, cujos esqueletos aparecem cobertos com corante vermelho ou com várias esculturas ao lado, é possível arriscar dizer que seriam de chefes do bando, já que esse ritual especial indica algum tipo de hierarquia. Incrível. Esperavam encontrar tanta coisa no que parece ser somente um morro? Pois então vamos um pouco mais longe...

Sim! Pois tem mais: vale muito a pena entender a origem da palavra “sambaqui” que é da língua tupi: tãba (conchas) e ki (amontoado). Acontecendo que existem várias outras denominações, tais como "Cernambi" e "sarnambi" que, neste caso, igualmente possuem origem tupi. Sendo que é muito mais amplo o mosaico de denominações, tais como cernambis, sarnambis, minas de cernambis minas, bancos, casqueiros, concheiras, concheiros, ostreiras, samauquis, berbigueiras, caieiras e caleiras. 

Ainda que, temos que ser justos e admitir que formações humanas como estas não sejam exclusivas das populações nativas da América (pois elas aconteceram em todo o litoral brasileiro, assim como no Uruguai, Chile, Peru, EUA e nas Guianas, ainda que sua maior ocorrência tendo sido assinalada no Brasil), pois igualmente o foram identificadas na Europa, África e Ásia. Nisso, sendo interessante comentar que em Portugal são chamadas estas elevações artificiais de Concheiros, sendo os mais conhecidos os Concheiros de Muge (descobertos em 1863), nas margens do Rio Tejo, perto da cidade de Santarém. Acontecendo que no idioma inglês eles são conhecidos pelo termo shell-mounds ("montes de conchas") ou middens e por fim, para não se estender demais, na língua dinamarquesa eles são chamados kjökkenmodding. 

Em meio a tudo isso que já expomos, caso tenha se interessado por estes sambaquis, então vai outra dica que vale muito a pena aproveitar: até o presente momento, os sítios mais importantes, que se conhecem a existência até agora, estão localizados no litoral sul do estado de Santa Catarina, na região do Brasil. Sendo que, por exemplo, nas cidades catarinenses de Laguna e de Jaguaruna já foram identificados 42 sambaquis dos mais diversos tamanhos e alturas.

Destes se destacam o Garopaba do Sul e o Jaboticabeira, (em Jaguaruna); e os de Figueirinha I e II, mais precisamente na praia de Nova Camboriú (também em Jaguaruna). Neles, segundo análise de camadas intermediárias enviadas a um laboratório americano em maio de 2010, o de Figueirinha I, por volta de 2510 a.C, já teria 2/3 de seu tamanho atual. Para efeito de comparação, a maior das pirâmides do Complexo de Gizé, a de Kufu, foi construída apenas 40 anos antes.

Peças de cerâmica encontradas no sambaqui Jaboticabeira.

Tendo ainda que dizer que os assentamentos artificiais da América (sem contarmos os de outros continentes) valem a pena serem descritos de acordo com as suas especificidades, de modo que este primeiro artigo visa mais mostrar a riqueza destas formações que nada ficam a dever às formações neolíticas que os livros em geral costumam a destacar mais. Deste modo, então, continuaremos nossa viagem pela saga dos povos de pindorama, nos próximos artigos. Desde já adiantando que as curiosidades não cessam e assim, tenham certeza, que nunca mais irão ver nossos povos de Pindorama com o mesmo senso comum que aprendemos e não nos percebemos. Portanto, aguardem...



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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