A Revolução Constitucionalista de 1932 em Itararé Parte 01 – entendendo aos antecedentes que a geram e o levante em si – as revoluções de 1930 e de 1932

O movimento conhecido como Revolução Constitucionalista corresponde ao maior confronto armado ocorrido no Brasil. Por quase três meses, brasileiros se enfrentaram em trágicas batalhas que levaram a morte um grande número de pessoas. Nisso, para saber as causas do levante, seu andamento e suas terríveis consequências, é necessário compreender o contexto histórico e os fatos que antecederam a “guerra paulista”. Justo o que faremos agora:


Durante a maior parte do período conhecido como “Primeira República” ou “República Velha” no Brasil, que vai da Proclamação da República em 1889 até a Revolução de 1930, foi predominante a aliança política entre os dois estados mais ricos do país: São Paulo e Minas Gerais. De modo que enquanto nas eleições de 1922 os dois grupos se uniram na candidatura do mineiro Artur Bernardes, em 1926 foi a vez do paulista por carreira política Washington Luís e assim consequentemente pela lógica oligárquica, em 1930 seria a vez novamente do lançamento de um candidato mineiro. Deveria ter sido, aliás, na expectativa de muitos, mas não o foi...


                                                Combatentes da Revolução Constitucionalista

Tudo porque, pouco antes das eleições de 1930 o presidente Washington Luís rompeu o acordo que tinha com Minas Gerais e indicou o governador de São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor. E é claro que os oligarcas mineiros não aceitaram essa indicação, então rompendo a velha aliança, quando se juntaram aos estados do Rio Grande do Sul e da Paraíba no lançamento da candidatura de Getúlio Vargas. 

Acontecimento que por sua vez, exige se entender como era o sistema politico da época. Quando o voto ainda era um privilégio. Posto que de acordo com a Constituição de 1891 – a primeira republicana – votavam apenas homens, maiores de 21 anos e que fossem alfabetizados. O voto também não era secreto. Desse modo, grande parcela da população brasileira se via excluída do direito ao voto. Aos que votavam, havia ainda a sombra do coronelismo e do “voto do cabresto”, onde lideranças oligárquicas regionais influenciavam os eleitores na escolha de um nome que atendesse a seus interesses. Portanto, inicialmente não seria uma eleição da mudança, nem se um lado e nem se outro ganhasse. Pois ambas as candidaturas se apoiavam nesse sistema viciado em que os poucos poderosos decidiam os destinos do país.

Mas enfim, voltemos a tratar das eleições presidenciais de 1930 que foram realizadas em 1º de março, com posse marcada para 15 de novembro. Sendo que esta última data era escolhida justamente por fazer referência a Proclamação da República. Já o resultado das eleições se fez com a vitória para Júlio Prestes, que recebeu aproximadamente 59% dos votos. 

Inicialmente, Getúlio Vargas e seus correligionários não contestaram o resultado das eleições. Getúlio, inclusive, dava declarações em que reconhecia Júlio Prestes como vencedor legítimo. Todavia, um acontecimento mudaria o rumo dessa aparente estabilidade política. O assassinato de João Pessoa, que havia concorrido como vice de Getúlio, por um rival político de nome João Dantas, em 26 de julho. 

As causas do assassinato de João Pessoa eram, predominantemente, de cunho passional, o que não impediu que seus partidários se utilizassem de sua morte para torná-lo uma mártir da luta contra o regime político nacional. O fato de o assassino João Dantas ser rival político de Pessoa corroborou ainda mais para as interpretações que davam conta de um possível crime encomendado a mando dos paulistas. Somado a isso, estava a crença obstinada por parte dos derrotados de que o resultado das eleições havia sido fraudado. 

Folha da Manhã

Com a morte de João Pessoa, a ação em torno de uma possível insurreição armada tomou forma. No Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e na Paraíba grupos de militares iam aos poucos se organizando. No dia 3 de outubro a luta se iniciava. 

Alguns dias depois, tropas legalistas já começavam a chegar a Itararé, cidade estratégica por ser fronteira entre estados. O discurso do governo era claro: “defendam Itararé a qualquer custo”. Do outro lado, a marcha gaúcha ia se aproximando. Grupos armados já trocavam tiros na fronteira e um intenso clima de pânico se disseminava entre os moradores da cidade. Muitos desses, assustados, começavam a debandar, fugindo para sítios afastados ou para outras cidades distantes do iminente perigo. 

A invasão de Itararé pelos revolucionários estava marcada para acontecer ao meio-dia do dia 25 de outubro. Esperava-se uma batalha sangrenta, em que aproximadamente oito mil soldados se enfrentassem mortalmente. O maior confronto entre brasileiros na história transformaria a pacata Itararé em um campo de guerra. Porém, horas antes da batalha, ainda em 24 de outubro, uma junta de militares havia deposto Washington Luís na capital federal. 

A notícia da deposição de Washington Luís chegou rápido até as frentes de combate na fronteira entre os estados. Lideranças gaúchas, encabeçados pelo deputado Glicério Alves se encontraram com os chefes dos legalistas, informando da derrubada de Washington Luís. Em pouco tempo, a tropa governista ia se dispersando e grande leva de revolucionários tomavam as ruas da cidade. Quatro dias depois, a 28 de outubro, Getúlio Vargas chegava com festa na Estação Ferroviária de Itararé. 

Após a passagem por Itararé, Getúlio partia para o Rio de Janeiro, então capital federal. Lá chegando, a 3 de novembro de 1930, foi reconhecido como chefe da revolução e recebeu a presidência. Para seus aliados, era a vitória de uma revolução necessária e legítima. Para seus opositores, um Golpe de Estado e a implantação de uma ditadura. 

No poder, Getúlio nomeou interventores para os estados, exilou opositores, cancelou a Constituição e fechou as Câmaras Municipais, Assembleias estaduais e o Congresso Nacional. Essas ações foram mal recebidas pelos paulistas que passaram a mobilizar vários protestos contra o governo getulista. Os quais inclusive não se conformam de terem sido derrubados do poder e cientes da instabilidade que o país está atravessando, só precisam de um pretexto para tentar derrubar ao caudilho dos pampas. 

Nisso como vimos então as lideranças de São Paulo querem retomar o poder perdido em 1930 e o pretexto enfim surge por ocasião de um movimento armado contra Getúlio em 23 de maio de 1932 com a morte de quatro jovens cujas iniciais M.M.D.C. (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) passam a denominar uma espécie de milícia armada com o objetivo de arquitetar a revolução. No dia 9 de julho, por todo o estado de São Paulo, os ditos ideais constitucionalistas se difundiam e o levante tinha início. 

Rapidamente houve uma grande adesão de voluntários paulistas para o front. Estudantes, profissionais liberais, funcionários públicos, professores, esportistas, enfim, oriundos das mais diferentes camadas sociais e profissões, esses voluntários representavam bem a ideia de união da sociedade paulista em prol do levante armado. 

Os objetivos do movimento eram claros: a retirada de Getúlio Vargas da presidência, a realização de eleições presidenciais e a elaboração de uma nova Constituição. Neste sentido, para alcançar a população e consequentemente difundir as ideias constitucionalistas, os meios de comunicação de São Paulo tinham importância fundamental. 

Jornais, revistas, cartazes e o uso do rádio foram constantemente utilizados não somente pelos paulistas, mas também pelas forças aliadas do governo ditatorial de Getúlio. 

Discursos inflamados encabeçavam campanhas visando angariar fundos para a luta dos soldados. Uma das mais famosas foi a que pedia a doação de ouro para o movimento. As mulheres paulistas também eram atingidas por essas campanhas. Eram enfermeiras, costuravam e repassavam mensagens nos campos de batalha. 

Apesar de toda a força que o movimento paulista alcançou, ele foi sufocado por tropas fiéis ao governo ditatorial em princípios de outubro de 1932. O ânimo da campanha contrastava com as dificuldades de uma guerra. A precariedade de armamentos e munições e o desconhecimento por parte da maioria dos voluntários das particularidades de um combate foram fatores que pesaram para a derrota bélica do movimento.

Além do mais, Getúlio Vargas contava com toda a capacidade armamentista do país, com exceção, obviamente, do estado de São Paulo que encabeçou a campanha e de pequenos focos de sublevações militares fiéis às propostas constitucionalistas em estados como o Rio Grande do Sul, Mato Grosso e o norte do país. Mesmo assim, esses outros levantes tiveram um período ainda mais curto de duração. 

Os principais líderes do movimento, tanto civis como militares, foram presos e exilados. Até hoje não há uma contabilidade precisa com relação ao número de vítimas fatais no confronto. Sabe-se, porém, que o número é bem próximo ou até superior ao de 1000 mortos em menos de 90 dias de batalhas. 

Nisso, no próximo artigo abordaremos como um olhar a partir de uma pequena cidade do interior de São Paulo muito nos ajuda a entender um pouco mais deste assunto.



Sobre o Autor:
Daniel Barreto: Licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Itararé. Atua como professor de História na Escola Estadual Esther Carpinelli Ribas. Artigo publicado originalmente na edição de julho de 2013 do programa "Memórias Que o Rio Cavou", sob sua coordenação na Coordenadoria Municipal de Cultura.

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