POVOS DO PINDORAMA Parte 04 – sobre a fantástica Terra Preta de Índio

Ao longo de nossa jornada em meios aos milhares povos do Pindorama, vimos que essa terra Brasil muito legou aos que vieram a ela, inclusive aos ditos civilizados que, dentre outras coisas, desde o século XIX enormemente se impressionaram com a cerâmica dos assim chamados marajoaras e tapajônicos, tal qual vimos na terceira parte desta saga. Igual sua engenharia, por exemplo, citando aos sambaquis que a segunda parte de Povos do Pindorama também já os abordou. Sem contarmos a revolução alimentar com o milho, o feijão, o guaraná, a batata, a abóbora, a batata doce, a erva mate, etc. etc. Ou então a criação da rede de dormir ou diferentes usos de plantas para medicações, tinturas e venenos ou ainda sua estética na pintura e ornamentos para o corpo e assim vai indo... 

Uma vez que parando por aí as citações podemos nos ater à chamada Terra Preta de Índio (TPI). Já ouviu falar dela? Por certo não, a despeito de que as TPI’s já são conhecidas por estudiosos desde o momento que foram citadas no ano de 1866 no livro intitulado “Brazil, the Home for Southerners”. Nos locais de sua ocorrência, ao longo de vários trechos da bacia amazônica, além de artefatos cerâmicos, que atestam mais nitidamente à primeira vista ocupação humana, as propriedades físicas e químicas desses espaços são distintas e muito especiais, que lhes conferem a cor escura, razão do nome de Terra Preta de Índio (TPI), ou Anthropogenic Dark Earth, possuindo elevados níveis de fertilidade. Em completo contraste com o resto do solo ao redor ácido e de baixa fertilidade. Podendo melhor ser entendida o exposto sobre com uma comparação entre a terra própria da região (à esquerda) com o solo modificado, terra preta de índio (à direita) que pode ser observado na imagem abaixo.

terra preta de índio 

Mesmo não havendo certeza sobre as origens exatas deste solo especial, pode ao menos ser afirmar que ele data de mais de 2.000 anos, tendo sido obra de numerosas populações que desapareceram, provavelmente, em função de doenças introduzidas pelos europeus. Tendo ao longo da Bacia Amazônica, a ocorrência de centenas e, talvez, até milhares de sítios arqueológicos contendo manchas de solos ricos em matéria orgânica, pois há muito ainda por se descobrir. Valendo muito a pena essa busca para compreender esta tecnologia, em vista da elevada produção agrícola que é constatada em solos negros de cores escuras, chamados ‘Terra Preta de Índio’ (TPI) ou Anthropogenic Dark Earth, dado que ela está sendo pesquisada em diversas partes do mundo. 

Visando deste modo desenvolver modelos para melhorar e perenizar a fertilidade dos solos em regiões tropicais, recomendar métodos de manejo que conservem as propriedades das TPI na Bacia Amazônica, bem como sequestrar carbono, visto como as queimadas são um dos maiores causadores da emissão de carbono em nosso país. E assim sendo, o que já se sabe sobre a forma que este solo especial foi criado? Bem, por ora, pouco, uma vez que só se pode afirmar que a sua formação envolvia muito lixo, sobretudo, restos de comida (em um universo onde não havia animais domesticados para se alimentarem das sobras), mas também fezes e fogo. O processo consistia em queima do material em temperaturas relativamente baixas, que, em vez de formar cinzas – altamente lixiviáveis –, produziam carvão, que retém nutrientes, estabiliza a matéria orgânica, aumenta a capacidade de troca catiônica e é resistente à degradação biológica. 

Contudo, havendo mais sobre o que se aprender. Muito mais, em vista de que, por exemplo, estudos recentes demonstraram que as capoeiras sobre terras pretas possuem maior número de espécies com algum nível de domesticação e conhecimento botânico tradicional do que as capoeiras presentes em solos não antrópicos (não modificados pelo ser humano). Como se vê na dispersão adensada da castanheira - Berthollethia excelsia (que é popularmente conhecida como castanha-do-pará). As quais têm origem do plantio sistemático por índios da era pré-colombiana. Estudando ao longo de trilhas que denotam o plantio intencional, além da castanheira, percebe-se uma diversidade de várias espécies frutíferas tal como em um pomar agroflorestal. 

Mais uma evidência bastante clara de como a terra de Pindorama (nossa terra Brasil antes da influência europeia) precisa ser vista com outros olhos além do limitado ponto de vista a rotular nossas populações nativas como meros selvagens primitivos. Mais uma em vista de tudo que já vimos e o que ainda vamos ver. É isso aí! A jornada pela história de Pindorama não cessa ainda para nós, por mais que não haja como a terminar diante de tudo que se tem a aprender com ela. Bem ao contrário do senso comum de ser ver a dita pré-história como algo sem história. Ou a visão de nossos indígenas como meras marionetes do dominador estrangeiro. 

Por isso agora tratarmos um pouco das relações econômicas e de poder em que os nativos americanos que alguns dos incontáveis povos de Pindorama foram igualmente protagonistas e não meros coadjuvantes. Curioso? Então aguardemos ao próximo capitulo de nossa saga, a parte 05. E enquanto isso, fiquemos a refletir sobre o que ensinar; se mantendo o senso comum que se perpetua por ora ou rompendo com esta tendência vendo a tudo que pode nos surpreender sobre este pedaço de nossa identidade que um eurocentrismo (que é o ver à Europa como o centro, o padrão para tudo) de forma altamente incoerente, assim insiste em desprezar.




Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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