É fato: a vitória do candidato à presidência, em 2016,
Donald Trump foi uma surpresa para todos. O mundo, em geral, não esperava a vitória,
na mais antiga democracia do mundo moderno (desde 1787) de alguém com um
discurso tão reacionário e ao mesmo tempo agressivo, logo irresponsavelmente
imprevisível, perigoso não somente à uma ordem social mais igualitária. Assim o
sendo igualmente perigoso até mesmo aos segmentos da mesma forma conservadores. Uma
vez sendo identificado por estes como uma possível ameaça à estabilidade que tanto
acomoda capitalistas e trabalhadores condicionados a uma estrutura sempre
desconfiada a quaisquer riscos em potencial à sua dinâmica de produção e
consumo, consumo e produção.
Pois senão vejamos, por exemplo, seus discursos em que esteve a defender uma maior segregação (por meio da construção de um muro a separar ainda mais os EUA do México, tal como uma maior restrição à imigração além-mar), tal como um maior rigor em relação ao que ele entenda como ações terroristas, assim como um protecionismo muito mais agressivo para economia norte-americana, dentre outros. Promessas que seus eleitores não pararam a refletir se elas de fato poderiam ser cumpridas ou mesmo quais os efeitos destas se o fossem concretizadas. Além, é claro, da sua inexperiência na carreira política, tendo ainda o agravante de questionamentos sobre a sua própria capacidade como administrador.
Sim, isso mesmo! Pois Trump coleciona três falências, teve de responder a um escândalo por causa de fraude e propaganda enganosa da Universidade Trump que funcionou de 2005 a 2011 e que lesou 04 mil estudantes, não apresentou sua declaração de bens quando candidato, além de outras polêmicas.
Em
meio a tudo isso então facilmente poderia se prever um governo na melhor das
hipóteses fraco, sem grandes realizações e consequentemente decepcionante.
Apenas isso sob uma ótica otimista, enquanto que possibilidades mais terríveis
poderiam sobrevir. Semelhante ao desgoverno de George W. Bush (2001-2009) que
terminou numa terrível crise econômica para o país que até hoje sente ainda
seus efeitos. Porém, apesar disso tudo, Trump é eleito em boa parte por causa
destes aspectos que justamente tanto depunham contra ele.
E qual foi o resultado desta sua gestão até agora? Como esperado um governo marcado por “trapalhadas”: tensões políticas no Oriente Médio e com a China; gafes proferidas em relação a autoridades do Canadá e da Europa; trocas constantes em sua equipe de governo; escândalos diversos e boa parte de suas promessas de campanha não se cumpriram por razões óbvias.
Contudo, acontecendo que quatro anos depois, mesmo com
boa parte das expectativas em torno deste personagem caricato caindo por terra,
ainda assim ele tem sua reeleição cogitada, agora neste ano de 2020. Por mais que nem em meio a seu partido (o Republicano)
ele seja uma opção unânime, ainda há uma forte possibilidade de ele vir a
conseguir um novo mandato. Isso apesar de muito da sua popularidade ter
despencado justamente nos últimos meses que antecedem ao pleito nacional[1]. Não importando
aqui se discutir as suas chances de reeleição no momento, mas sim como ele
conquistou tantos eleitores antes e porque ainda, a despeito de todas as
demonstrações de pouca competência política que já evidenciou, ele ainda tem um
capital POLITICO de grande força.
Uma questão que pode nos ajudar a entender um fato
parecido com o igualmente folclórico Jair Bolsonaro que se elege dois anos
depois no Brasil, apesar de sua evidente inércia atestada pelos seus sete
mandatos como deputado federal (de 1991 a 2018) em que quase nada apresentou.
Algo que também se refletiu em estados brasileiros como São Paulo e Rio de
Janeiro, com candidatos controversos, polêmicos, que se elegem justamente por
isso, a despeito de suas competências administrativas como gestores públicos
serem controversas[2].
Contudo, ao mesmo tempo em que almejam soluções ditas
radicais em relação a aspectos como emprego, segurança, etc., esses eleitores
alimentam um pensamento conservador quanto a outras questões. Não raro tendo
implicância ou, ao menos, desconfiança em relação a grupos minoritários (que
nem sempre o são em termos numéricos, quantitativos, mas inevitavelmente se
fazem no que se trata de direitos e oportunidades) definidos por etnia ou
gênero. Tendo justamente esta hostilidade a tais grupos o principal cabo
eleitoral destes demagogos de discurso radical.
Quando delega a estes ditos “inimigos” ocultos parte da
responsabilidade pela crise que aflige seus eleitores, recaindo assim a outra
parcela de culpa aos governantes então no poder e também aos outros políticos que
possam ser facilmente rotulados como semelhantes a estes. Podendo assim ser
elencados três grandes determinantes
muito bem manipulados pelos que “vendem” uma postura demagógica e radical:
O primeiro sendo o
explorar da histeria de uma crise, ao mesmo em tempo que se evoca a volta dos
tempos de prosperidade. Podendo bem isso ser percebido no slogan "Make America Great
Again" (Faça a América grande novamente) criado por Ronald Reagan em 1980
quando o país vivia uma grande crise, tal como tornou a viver ao fim do governo
Obama. Esse foi um dos fatores que garantiram a eleição então de Reagan e que
Trump soube ver a utilidade de trazê-lo de volta ao coração de uma parcela do
povo norte-americano que não anseia apenas reerguer a economia, mas o que veria
a ser o maior sentido de se ser americano: sua altivez.
Essa visão de um passado saudoso, obviamente parte um sentimento de
nostalgia com uma época que muitos já nem se lembram de como ela foi boa.
Isso quando até nem sequer chegaram a viver tais tempos. Contudo, a ilusão
dessa prosperidade já passada empolga, cativa. Hitler na Alemanha, Mussolini na
Itália e Antônio Salazar em Portugal obtiveram grande popularidade com essa
promessa de reviverem esses tempos de suposto apogeu. Contudo, para isso
acontecer sendo preciso a crença de que não há outras alternativas para a
melhoria ansiada.
Por
exemplo, para se entender a ascensão do nazismo, podemos começar observando que
Adolf Hitler em sua obra Mein Kanpf não acusa apenas aos comunistas ou aos
judeus, pelos problemas que a Alemanha vivia. Portanto, acusando tanto aos políticos de esquerda que,
em seu entender, insistiam “que sua política externa covarde e obsequiosa resulta
necessariamente no desarmamento da Alemanha, ao passo que a verdade é que esta
é a política de traidores”; quanto os “políticos de direita merecem
exatamente a mesma reprovação. (Pois) Foi através de sua miserável covardia que
esses rufiões de judeus que chegaram ao poder em 1918 foram capazes de roubar a
nação de nossos braços”.
Logo Trump conquistou principalmente os votos dos brancos pobres e de
classe média baixa, com baixo grau de escolaridade e que se sentiam
prejudicados economicamente pela relação comercial dos Estados Unidos com
outros países, querendo assim ver alguma mudança neste cenário. Ou seja, o uso
indiscriminado de um romantismo sobre tempos áureos que parte significativa de
uma população quer “reviver”. Uma estratégia que para dar certo requer outros elementos adicionados a este discurso que assim configuram aos dois
outros determinantes.
Logo, para tanto se fez crucial a grande desconfiança do eleitorado
tanto na opção pelos democratas com Hilary Clinton pela sua forte ligação,
conhecida por todos, com a “velha” ordem dominante (senadora, secretária de
Estado), por isso, mais certa de ser o continuísmo e não a mudança ao entender
de boa parte do eleitorado; quanto em relação aos outros candidatos
republicanos vencidos por Trump nas prévias. Ou seja, sua vitória em boa parte
acontece pela ilusão de não pertencer a nenhum dos grupos que antes já
governaram e que de algum modo não atenderam às expectativas das massas.
Inclusive uma falsa ideia de um maior rigor em relação a um suposto responsável
externo por esta insatisfação.
No caso, sendo
preciso também que haja desde o início tal responsável criado no imaginário
popular para assim o ser explorado politicamente. Que quando é escolhido se
torna uma justificativa para uma autoridade forte (ou que passe esta ideia de o
ser) se fazer presente. Pois a base de qualquer
discurso radical que ganha ampla aprovação das massas é o imaginário de que não
é possível o meio-termo. Não com o suposto inimigo desse povo que precisa por
isso ser eliminado, barrado, submetido.
O que por sua vez nos leva a dicotomia: nós e os outros, assunto a ser
continuado na sequência de nossa análise.
[1] Ocorrido
devido ao seu posicionamento irresponsável em incialmente negligenciar o perigo
advindo com a pandemia do Covid-19 – novo Coronavírus - em muito minou suas chances
de reeleição, assim como sua clara reprovação aos protestos contra a injustiça
racial iniciados após a morte do ex-segurança negro George Floyd ocorrida no
dia 25 de maio.
[2] Sobre João
Dória que se elegeu governador de São Paulo, tendo tido uma atuação anterior
como prefeito da capital paulista bastante decepcionante. https://www.brasildefato.com.br/2018/10/02/artigo-or-vendido-como-gestor-doria-foi-o-pior-prefeito-de-sao-paulo-em-18-anos;
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/doria-atinge-a-maior-reprovacao-ao-sair-da-prefeitura-de-sp.shtml;
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/doria-atinge-a-maior-reprovacao-ao-sair-da-prefeitura-de-sp.shtml;
citando somente algumas referências.
Sobre o autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da
Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista
em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o
Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de
Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A
Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata
marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.
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