Paixões
ou preconceitos à parte, não há como negar que a Revolução Cubana foi um dos
eventos históricos que mais marcou o século XX. Uma vez que ela cria descomunal
impacto ao tornar Cuba a primeira a nação latino-americana que se fez um país
comunista. Ainda mais, se considerarmos o fato que este acontecimento causa um
grande golpe na longa tradição histórica desta ilha do Caribe ser até então um
“quintal” dos EUA. Tanto que Cuba, por isso se converte em um medo constante
nas décadas de 1960 e 1970 de que pudesse se tornar um exemplo a ser imitado
por outros países, inclusive o Brasil. Assim como sua influência mesmo se fez
sentir em alguns movimentos na África como, por exemplo, no então Zaire.
Logo,
independente de simpatias ou antipatias, é fato que a Revolução Cubana se fez
um evento de grande impacto mundial. Tendo até mesmo quase sido indiretamente o
estopim para uma nova guerra mundial que por pouco não aconteceu (Crise dos
Misseis em 1961). Portanto, um evento de importância indiscutível essa
Revolução que em boa parte só foi possível pela ajuda de uma mulher em geral
ignorada nos livros: Célia Sanches.
E por isso que nossa análise cuidadosa em não opinar sobre esta Revolução ter sido ou não benéfica, para assim em nada se ofuscar ao ponto que queremos bem enfatizar: todo o protagonismo desta grande comandante militar que abriu espaço para outras mulheres serem igualmente protagonistas e não meras expectadoras ou, até então no máximo, coadjuvantes neste acontecimento que mudou a história.
Pois talvez sem ela, a primeira grande
vitória de Fidel Castro nesta revolução, Sierra Mestra, quem sabe, poderia até
mesmo nem acontecido. A ela se deveu o grupo de camponeses organizados com
armas, caminhões e toda infraestrutura que conduziu o grupo de Fidel para Serra
Maestra com mais sobreviventes, após o famoso e trágico desembarque do Granma, onde
70 homens morreram.
Sendo que “Desde os meses anteriores ao
desembarque do ‘Granma’ não houve um episódio de luta revolucionária dirigida
por Fidel no qual Celia não tenha estado na primeiríssima linha de combate” de
acordo com Armando Hart, que conviveu com Celia durante o período
revolucionário e que mais tarde se tornou ministro da Educação e da Cultura de
seu país. Podendo assim se destacar inclusive seu ardil em usar a própria
mentalidade machista de sua sociedade a favor de sua causa. Para tanto se
entenda:
Aos
guerrilheiros, as mulheres somente poderiam ajudar na luta estando a cozinhar,
cuidar dos feridos, costurar uniformes ou servir de mensageira. Opinião que
Célia Sanches discordava, permitindo assim que em setembro de 1958, fosse
formado o pelotão Mariana Grajales. Tendo ele um grande efeito psicológico: pois os soldados de Batista ficavam arrasados ao
serem derrotados por um “bando de mulherzinhas”. O nome do pelotão é em
homenagem à Mariana Grajales, mãe do General independentista Antonio Maceo
(segundo em comando do Exército Libertador de Cuba durante a Guerra da
Independência, nascido em 1845). Mariana, mulata, filha de pais da República
Dominicana, tendo igualmente grande participação na independência da ilha sob o
jugo espanhol, se fez o símbolo feminino da independência cubana, daí a escolha
de seu nome para o pelotão.
Sendo essa uma informação pertinente ao nos
mostrar como a luta feminina em Cuba já vinha sendo travada muito antes da
revolução comunista, desde as Guerras de Independência – no final do século XIX,
na qual, além de Mariana, podemos destacar muitas outras como, por exemplo,
Maria Magdalena Cabrales, Angela Tort, etc.– de modo que a mulher já estava
presente e ativa na luta por uma sociedade mais justa, não só buscando a
emancipação de seu país, como também a visibilidade de seu gênero em uma
sociedade altamente machista, irrompendo enormes barreiras de preconceito. Contudo, sem tanta visibilidade perante o
conhecimento público como o conseguiu Célia.
E como se não bastasse a grande contribuição das Marianas e
de Célia Sanchez na Revolução Castrista, o protagonismo destas não se encerra
por aí. Tanto mais diante do fato como Celia Sánchez, na opinião de um artigo
da Universidade de Pittsburgh, em 2003, revelou à sociedade cubana que as
mulheres eram plenamente “capazes de conciliar o trabalho físico com o cuidado,
a força com a feminilidade e a liderança com a modéstia, o que era uma nuance
numa época de divisão de gênero”. Por mais que como já
vimos as mulheres nunca foram meras coadjuvantes nos grandes eventos da
história cubana.
Todavia, foi preciso o grande impacto que Celia Sanchez impôs
este fato à opinião pública em geral, para que esta presença das mulheres nos
grandes eventos da história cubana ganhasse maior visibilidade. E, ainda assim,
apesar de tudo isso, Célia Sanches ainda é uma figura em boa parte ignorada se
comparada a outros nomes mais lembrados na história como Che Guevara e Raul
Castro. De modo que com o tempo Celia Sánchez se tornou “um esquecido retrato
na parede para o qual os cubanos olham, quando muito, uma vez por ano, em
homenagens sem muita importância” na opinião de Euler de França Belém, em
artigo de 01 de dezembro de 2019.
A despeito do fato de que, por exemplo, Tete Puebla, segunda
maior liderança do Pelotão Mariana Grajales, disse de Celia Sanchez:
"Quando você fala de Celia, você tem que falar de Fidel, e vice-versa. As ideias de Celia tocaram
quase tudo na Serra”. Logo, o protagonismo de Célia Sanchez poderia ter sido melhor
reconhecido, assim como sua valorização no próprio governo castrista que muito
mais destacou o símbolo e não mulher de carne e osso. Nisso, o presente
resgaste enfatiza a uma mulher e não uma ideologia para assim tornar mais fácil
uma maior valorização de sua trajetória. Apenas isso. Resgatarmos personagens
que, por incontáveis motivações, por ora se acham mais ignorados dentro da
história.
Sobre o autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública
Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de
História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e
o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim
como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano:
um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa
e os Campos Gerais”.
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