O capitalismo se tornou um sistema mundial organizado a partir do sacrifício de milhões de pessoas ao longo dos séculos em que se estabeleceu em todas as partes do mundo. Para além disso, o capitalismo, seus mecanismos, processos e resultados, continuam a matar de forma deliberada milhões de seres humanos; aqueles que não são mortos, são jogados na miséria.
1.
Vamos iniciar nosso estudo partindo da atualidade para o passado.
O ano de 2020 foi marcado pela pandemia de coronavírus (COVID-19). Tão logo as autoridades perceberam a gravidade da situação, foram estabelecidas medidas para o isolamento social – em paralelo, os negacionistas de plantão (essa escória que emergiu do chorume da sociedade e ganhou voz graças às redes sociais) passaram a tratar a situação como mais uma “gripezinha” ou como uma “conspiração chinesa para dominar o mundo” (curioso que aqueles que tem “repulsa” pela China não se importam de ser capachos dos Estados Unidos). Em meio as dificuldades dessa pandemia, setores econômicos com alguma voz ativa se insurgiram contra o coronavírus e contra as medidas de restrições. Esses setores frequentemente levantavam a bandeira de que “a economia não pode ser prejudicada”, ou “as pessoas precisam trabalhar”; e o mais bizarro “mais mortes de CNPJs do que de CPF”! Certamente esses potenciais genocidas aproveitaram as situações de seus países; por exemplo, no Brasil, com um governo federal negacionista que não quis dar auxílio para as pessoas, foi fácil muita gente incorporar essas ideias, visto que a maioria da população ou era obrigada a trabalhar, correndo todos os riscos de se contaminar, ou morrer de fome.
Diante desse cenário podemos nos perguntar, que tipo de sistema social e econômico é esse que prefere colocar vidas humanas em risco para não deixar a “economia parar”?
Esse discurso de “economia não pode parar” é a ideologia neoliberal levada ao extremo. É a ideia do capitalismo como um “crescimento exponencial infinito”; conforme o geógrafo inglês David Harvey: “O capital gira em torno do crescimento e cresce necessariamente a uma taxa composta. Essa condição da reprodução do capital é hoje, […], uma contradição extremamente perigosa” (HARVEY, 2016, P. 207). Ou seja, para os genocidas adeptos do “crescimento infinito”, o capital e o capitalismo precisam crescer, custe o que custar.
No início de dezembro, o mundo já registrou mais de 1,5 milhão de mortos por causa do COVID-191. No topo da lista de países com mais mortes estão Estados Unidos e Brasil. Isso não é por acaso, ambos países são governador por duas figuras completamente alienadas, negacionistas, estúpidas e vigaristas (Donald Trump e Jair Bolsonaro). O Reino Unido, que possui o maior número de mortes no continente europeu, é governado por uma caricatura esdrúxula do Donald Trump, o conservador Boris Johnson.
Na prática, essa situação só reforça o sentimento que deve permear as lutas sociais e políticas pelo século XXI: ou matamos o capitalismo ou o capitalismo nos mata!
2.
Voltando o tempo, através da história, percebemos que os momentos mais decisivos do capitalismo foram construídos com muita morte, principalmente de homens e mulheres comuns, camponeses, escravizados, trabalhadores assalariados, informais.
No início do século XVI, por exemplo, após a invasão europeia no continente americano, o capitalismo comercial se desenvolveu. Esse desenvolvimento pode ser traduzidos em genocídios, estupros e até o extermínio involuntário, graças a grande onda de epidemias que se disseminou entre os povos indígenas americanos (Astecas, Incas, Tupis etc). A varíola, a tuberculose e a gripe estão entre as doenças trazidas pelos europeus ao longo da colonização. O geógrafo Jared Diamond em seu livro “Armas, germes e aço” estima que cerca de 95% da população nativa da América foi exterminada por essas doenças.
O capitalismo comercial também foi responsável pela morte de milhões de trabalhadores escravizados, arrancados do continente africano para trabalhar nas grandes fazendas monocultoras da América. As mortes não foram apenas nessas fazendas, muitos morreram durante a viagem forçada, nos porões insalubres de navios negreiros.
Alguns séculos depois, mais precisamente nos séculos XVIII, XIX e XX, o capitalismo comercial deu lugar ao novo poder estabelecido: a indústria. Os capitais acumulados com o comércio serviram para financiar a indústria e novos projetos tecnológicos que davam um fim a manufatura. Na América Latina, a mineração em Potosí foi o protótipo daquilo que viria a se estabelecer no Reino Unido industrial: trabalhadores morrendo nas minas, nas fábricas com as máquinas cada vez maiores e mais complexas; além da miséria que se alastrou, tal qual uma verdadeira pandemia do vírus capitalismo.
O século XIX, em particular, foi repleto de guerras e extermínios. Na América Latina, o século iniciou com as guerras de independência (1804-1825), passando pelas Guerras Civis no Brasil (1835-1845), Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), Guerras Civis no México (1855-1867) e Guerra do Pacífico (1878-1883). Nos Estados Unidos, além da Guerra Civil (1861-1865), houve também o extermínio indígena: o “Destino Manifesto” de se tornar o país imperialista do século XX, deixou um rastro de sangue na “marcha para o Oeste”. No fim, cada um desses conflitos só resultaram na acomodação dos países dentro da expressão máxima do capitalismo como sistema mundo: a Divisão Internacional do Trabalho2.
3.
O século XX foi marcado por intensa industrialização, avanços tecnológicos sem precedentes e mortes em escala industrial. As inseguranças dos grandes capitalistas se materializaram com a crise de 1929. Houve ai uma divisão entre as classes dirigentes: ou se adotava um capitalismo de bem-estar social ou se criava um capitalismo totalitário. Os fascistas e nazistas dos dois lados do Atlântico, optaram por um capitalismo totalitário. Outros, como Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, decidiram por um capitalismo de bem-estar social. Uma alternativa totalmente nova, que se desenhou, foi a revolução comunista, ao estilo da Rússia de 1917.
De 1914 a 1945 guerras mundiais. De 1945 até cerca de 1990 guerras de libertação nas ex-colônias europeias.
Talvez os historiadores e demógrafos das próximas gerações podem se ocupar em realizar estudos sobre o potencial de mortandade do capitalismo. Seria interessante termos algum índice, tal como o Gini ou o PIB, para melhor detectarmos a capacidade genocida do sistema.
Cerca vez, em um bar na cidade de Porto Alegre, me deparei com uma pixação que dizia o seguinte: “é mais fácil falar na morte do planeta do que no fim do capitalismo”. Acredito que isso reflita bem o ponto no qual estamos. Nossa realidade histórica está mostrando que o sistema não pode continuar como está. Mas, claro, para os lacaios que se apresentam como “realistas”, “céticos”, pensar e propor qualquer transformação, por mais reformista que seja, é “utópico” e, por isso, motivo de piada.
***
Historiadores, ao longo do tempo, tentam buscar as “leis objetivas”, as “etapas de funcionamento”, do capitalismo, hoje, contudo, a missão que cabe é, para além de buscar essas “leis”, transformar ou derrubar o sistema!
Referências
ARÁOZ, Horácio Machado. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante, 2020.
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record, 2019.
HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
1https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/12/03/mundo-passa-de-15-milhao-de-mortes-por-coronavirus.ghtml
2http://geaciprianobarata.blogspot.com/2017/01/miseria-das-nacoes-divisao.html
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