Entre os dias 3 e 21 de outubro de 1906, ocorreu a primeira Greve Geral do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, conhecida como Greve dos 21 Dias (mas que não durou todos esses dias), e que reivindicou, entre outras coisas, oito horas de trabalho. Em torno de 5 mil operários ocuparam ruas e praças da cidade, enquanto o intendente de Porto Alegre era José Montaury, e o presidente do Estado era Antônio Augusto Borges de Medeiros, que chamou os trabalhadores grevistas de “desordeiros”, e se referiu aos operários estrangeiros como semeadores da “peste da luta de classes”.
A ideia de uma paralisação gerou-se entre os marmoristas, que se reuniam na Escola Eliseu Reclus, na Rua dos Andradas, número 64, sob o comando do líder anarquista Polidoro Santos. A Greve Geral durou quase 21 dias, mas a luta dos marmoristas começou antes e terminou depois.
Henrique Faccini, Carlos Jansson e Arthur do Vale Quaresma
Em 26 de agosto de 1906, três marmoristas da oficina de Jacob Aloys Friedrichs -Henrique Faccini, Carlos Jansson e Arthur do Vale Quaresma - entregam uma carta ao proprietário reivindicando uma jornada de oito horas. Essa bandeira de luta estava presente no movimento operário gaúcho há muitos anos, e se fortalece após o Primeiro Congresso Operário realizado no Rio de Janeiro, que coloca a luta pelas oito horas na ordem do dia. No dia seguinte à entrega do documento, começa a greve da categoria.
Em razão da indiferença com a demanda apresentada pelos operários da marmoraria de Jacob Aloys Friederichs, os trabalhadores começam a greve, pedindo redução da jornada de trabalho para oito horas. Fundam o Sindicato dos Marmoristas e Anexos e publicam um manifesto solicitando adesão a luta das outras categorias de trabalhadores. Durante as negociações da comissão dos marmoristas com o proprietário da fábrica, ele foi inflexível ao ponto de tentar impedir que os operários retirassem suas ferramentas de trabalho, com guardas municipais, ainda que esses instrumentos fossem dos próprios trabalhadores. Em seguida, outras categorias organizam suas Uniões, como os metalúrgicos, pedreiros e chapeleiros, aderindo pouco mais de um mês depois à greve os profissionais carpinteiros, marceneiros, pintores, alfaiates, tecelões, estivadores, entre outros. A partir de 8 de outubro, a paralisação dos serviços industriais é quase total. Inclusive os comerciários aderem ao final da greve.
A liderança dos empresários foi Alberto Bins. Ele afirmava que os patrões não deveriam deixar os operários imporem sua vontade, por uma questão de princípios, alegando que estabelecer nove horas de trabalho, equivaleria a um aumento de dez por cento de salário. Uma vitória dos grevistas, seria para Alberto Bins algo como “colocar os patrões da posição de caixeiros de seus operários”.
Alberto Bins
Um dos principais líderes da Greve Geral dos 21 Dias foi Francisco Xavier da Costa, que nasceu em Porto Alegre, na Colônia Africana. Era filho do baiano José Pereira da Costa e da gaúcha Carolina dos Reis Costa. Foi gráfico, jornalista e militante socialista, dominando o idioma alemão, as ideias marxistas foram introduzidas, no meio operário, devido à sua atuação.
Em sua trajetória, logo aos onze anos, empregou-se na Oficina Litográfica de Emílio Wiedmann e Domingos Cândido Siqueira na condição de ajudante de tipógrafo. Em sua ação política, foi fundador do Partido Socialista Rio-Grandense (posteriormente chamado Partido Operário Rio-grandense), organizou o 1º Congresso Operário do Rio Grande do Sul. Foi responsável ou participou dos seguintes jornais: A Democracia, Gazetinha (imprensa socialista de oposição a Julio de Castilhos), O Independente, O Avante, Echo do Povo e Gazeta do Povo. A partir de 1911, vinculou-se ao Partido Republicano Rio-grandense (PRR), sendo candidato ao Conselho Municipal de Porto Alegre e vitorioso em três pleitos.
No movimento operário gaúcho havia duas alas principais, a dos anarquistas e dos socialistas. Ambos os grupos, por meio dos seus jornais, tentam influenciar na Greve: o jornal anarquista A Luta, de Polidoro Santos e José Rey Gil; e o jornal socialista A Democracia, de Francisco Xavier da Costa, são destaques dessa batalha de ideias. Por outro lado, a defesa dos empresários é feita por meio de jornais como Correio do Povo e Jornal do Comércio.
Em 21 de outubro de 1906, a Greve Geral chega ao seu término. Mas como aconteceu esse fato histórico de Porto Alegre?
A Greve Geral de 1906 em Porto Alegre, foi um movimento inicialmente impulsionado pelos anarquistas, que iniciam uma greve no dia 27 de agosto na marmoraria de Jacob Aloys Friedrichs reivindicando a jornada de oito horas. Durante todo o mês de setembro, a classe trabalhadora da cidade se mantém solidária aos marmoristas paralisados- nessa etapa do movimento a ação dos socialistas foi muito importante- e no dia 3 de outubro, diversas categorias se declaram em greve.
No dia 10 de setembro, Francisco Xavier da Costa escreve a Friedrichs e se oferece para mediar o conflito com os operários, já que possuía a experiência de mediação entre patrões e trabalhadores em greve anterior da Companhia Fiação e Tecidos, em 1905. Em seguida, junto com Carlos Cavaco, organiza comícios operários incitando os trabalhadores lutarem pela jornada de oito horas, um deles foi durante festejos da Revolução Farroupilha, sempre falando aos trabalhadores e os chamando para apoiar a greve dos marmoristas. Destaca-se que em outro comício, Cavaco ataca "a estúpida burguesia e suas extravagâncias", enquanto aconselha os trabalhadores a resistirem fisicamente às exigências dos “potentados exploradores, se necessário erguendo barricadas no meio das ruas e reclamando os seus ideais com um ramo de oliveira numa mão e na outra, se preciso fosse, uma bomba de dinamite".
A partir do dia 3 de outubro, outras categorias se unem a dos marmoristas e tem início a uma Greve Geral em Porto Alegre. Primeiro os metalúrgicos, que somam nas reivindicações o aumento salarial. Em seguida trabalhadores de outras fábricas de Porto Alegre, entram em greve. Com as adesões, Xavier da Costa e Carlos Cavaco se dividem nas tarefas de propaganda e organização da Greve Geral.
Após a reunião dos proprietários sob liderança de Alberto Bins, quando a proposta patronal é de redução para nove horas de trabalho (proposição que não foi de pronto aceita pelos trabalhadores), Xavier da Costa e Carlos Cavaco fundam a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS). Essa organização foi responsável por campanha de solidariedade que manteve viva a Greve Geral por uns dias a mais.
Carlos Cavaco, jornalista e literato, um dos principais líderes socialistas da Greve Geral dos 21 Dias
No dia 8 de outubro, os empresários tentam acabar com a Greve Geral por meio da imprensa, enquanto Xavier da Costa e Carlos Cavaco lideram uma manifestação no bairro dos Navegantes, onde cerca de quatro mil operários se reuniram para demonstrar oposição à proposta dos industriais. Entre os trabalhadores grevistas, a presença feminina foi destacada pela imprensa local, as mulheres tiveram uma participação proeminente nas demonstrações públicas da greve, marchando juntas pelas ruas da cidade exigindo a jornada de oito horas.
No auge da greve, o número de trabalhadores mobilizados chegou a cinco mil. Diante do impasse nas negociações, Carlos Cavaco recebeu duas cartas anônimas com ameaças, que ele expôs na porta do café Ferro Carril, como forma de defesa.
Devido a situação econômica dos grevistas, cada vez mais debilitada, após mais de uma semana parados, uma comissão da FORGS arrecada dinheiro, alimentos e recebe algum suporte financeiro da União Operária de Pelotas e de operários em Cruz Alta. Mas não foi o suficiente.
A partir do dia 17, operários grevistas começam a voltar ao trabalho. No dia 18, os empresários divulgam um comunicado reafirmando a manutenção das nove horas. No dia 19, na sede da FORGS, ocorre uma reunião das comissões encarregadas de resolver sobre o prosseguimento da greve. Xavier da Costa e Cavaco defendem a volta ao trabalho, visando manter as parciais conquistas de redução da jornada de trabalho de dez a doze para nove horas diárias, e o aumento de salário obtido por algumas categorias.
A imprensa local dá a greve por encerrada no dia 21 de outubro, anunciando que os trabalhadores voltariam ao trabalho no dia seguinte. E esse retorno aconteceu aos poucos. Os marmoristas, por sua vez, não se conformaram com o acordo e continuam paralisados, conseguindo obter a jornada de oito horas. Para os marmoristas, a Greve Geral de 21 Dias foi vitoriosa.
Mas a Greve Geral dos 21 Dias teve resultados também negativos. Muitas perseguições e humilhações são impostas aos trabalhadores que participaram da paralisação. O jornal A Luta menciona que depois dessa greve, as fábricas adotam os chamados livretos de trabalho (1992):
Cada operário despedido de qualquer fábrica recebe um dos tais livretos, atestados, ou coisa que o valha, e onde vem consignado o motivo por que deixou de trabalhar o operário; por sua vez o patrão, a quem o operário desempregado for pedir trabalho, exigirá a apresentação do atestado e se o motivo constatado não for desairoso será aceito, do contrário já se vê que lhe será negado trabalho. Desta forma pretendem os senhores industrialistas castigar os operários que tiverem a coragem de protestar contra as explorações de que são vítimas. (PETERSEN; LUCAS, 1922, p. 156)
A luta por oito horas de trabalho diárias continuou ao longo do processo histórico das lutas operárias no Brasil. Os trabalhadores, ainda com diversas adversidades, seguiram protestando contra as diversas formas de exploração e opressão nas fábricas. A Greve Geral dos 21 Dias é um exemplo de que nenhum benefício para a classe trabalhadora veio por bondade dos governantes.
REFERÊNCIAS:
LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Pesquisa recupera memória de jornalista negro e líder sindical. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/memoria/pesquisa-recupera-memoria-de-jornalista-negro-e-lider-sindical/.
MARÇAL, João Batista. Rio Grande do Sul- Século XX. Organizações operárias: uma história feita de sangue e intolerância. porto Alegre: Sindbancários, 2011.
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento operário gaúcho. 1870-1937. Porto Alegre: UFRGS/Tchê!, 1992.
SCHMIDT, Benito Bisso (2005). De mármore e de flores. A primeira greve geral do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, outubro de 1906). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
Sobre o autor:
Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada.
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