CONFIRA ENTREVISTA CONCEDIDA AO BLOG "POR QUÊ RAFAEL?"

Em fevereiro de 2014 o membro permanente e fundador do GEACB, Rafael Freitas, respondeu a uma entrevista ao blog do professor Rafael Camargo. Publicada originalmente no link: https://porquerafael.blogspot.com/2014/02/por-que-rafael-entrevista.html. A entrevista segue abaixo.

 


Publicamos hoje uma entrevista realizada com o Historiador Rafael da Silva Freitas, natural de Santa Maria, residente hoje na cidade de Alvorada, Freitas é Graduado pela FAPA (Faculdade Porto-Alegrense) um dos fundadores e Coordenadores do Grupo de Estudos Americanistas Cipriano Barata mais conhecido como GEA Cipriano Barata.

Em uma conversa franca e deveras proveitosa, Freitas opinou sobre alguns aspectos relevantes a historiografia e o papel do historiador na atualidade além de explanar um pouco sobre o GEA Cipriano Barata.


Seguimos então com a entrevista:
 
Há que se deve o desinteresse da população pela História? 
São inúmeros os fatores para o desinteresse da população pela História. Como colocaste na questão a palavra “história” com inicial maiúscula, entendo que quiseste dizer desinteresse da população pela ciência histórica. A versão de História transmitida através das escolas brasileiras é a alienada, aonde os estudantes não se reconhecem nela. Os conteúdos ainda são organizados dentro dos períodos da história europeia: “história antiga”, “história medieval”, “história moderna”, “história contemporânea”; as ideologias que movem os professores brasileiros são aquelas desenvolvidas a partir das realidades europeias: o cristianismo, o comunismo, o anarquismo, o capitalismo, além das idéias pedagógicas que são também importadas. O eurocentrismo é um fator decisivo para causar o desinteresse da população brasileira pela História. Considero o eurocentrismo uma mentalidade que ronda a educação escolar no Brasil, e que desempenha um decisivo papel ideológico. O eurocentrismo é um apriorismo, aonde o que é europeu é sempre mais desenvolvido, mais qualificado e mais eficiente: é, portanto, um idealismo. As ações se moldam a partir desta ideia. Neste sentido, o professor Moacir Gadotti afirmou corretamente na tese central de seu texto “Revisão crítica do papel do pedagogo na atual sociedade brasileira”:

Tese central: a história da educação brasileira é a história da educação do colonizador. A pedagogia do colonizador forma gente submissa, obediente ao autoritarismo do colonizador. Nessa pedagogia, o educador tem por função policiar a educação para que não se desvie da ideologia do dominador (GADOTTI, 1985, p. 53).

Na educação escolar brasileira esta postura colonizada ainda é hegemônica, sendo reforçada também na chamada “escola paralela”, que é constituída não apenas pela televisão, mas também pelo facebook, enfim, todos os meios que formam a cultura dos estudantes fora da escola. As ideias de “educação colonizada” de Gadotti, difundida no meio da década de 1980, e de “escola paralela” do sociólogo e professor francês Louis Porcher, difundida no início da década de 1970, poderão ajudar a pensar sobre o desinteresse da população brasileira pela História.

 

Qual o papel do historiador na atualidade? 

Entendendo a tua pergunta como qual foi o papel desempenhado pelo historiador na atualidade brasileira, respondo que ele, fechado em seu mundinho, com seu linguajar específico, escrevendo para seus pares, não promoveu grandes mudanças! O papel do historiador na história foi uniforme, o de manter quase tudo como hoje está! Como eu deixei dito nas entrelinhas da resposta anterior, a educação não está somente nas escolas, portanto, um historiador não deveria ser historiador apenas nas salas de aula ou em seus livros que ficam, na verdade, para os ratos roerem nas estantes. Enquanto o historiador existir somente nos livros e nas salas de aula, desconfio que o seu papel dificilmente deixará de ser o de reprodução. A escola, com certeza, pode muito pouco. Mas toda ação humana é educativa.

 

A história Latino-americana é marcada por incontáveis revoluções e ditaduras, à que se atribui a visão romanceada de nossa história nas praticas pedagógicas?

Motivados pela “educação paralela”, creio que muitas pessoas têm as tentativas revolucionárias de ação política na nossa América de somente estabelecimento de ditaduras, e o caso mais latente é o cubano. Para existir uma revolução, deve-se mudar o modo de produção, para inverter as relações de poder de determinado lugar. Sendo assim, aconteceu uma revolução em Cuba, mas não foi uma revolução comunista. A mesma lógica vale para a China e também para o exemplo mais polêmico de todos, que foi o da URSS: todos mantiveram a propriedade privada e a divisão societária em classes sociais. Posso ir mais longe e chegar a revolução haitiana, que foi um fato verdadeiramente singular, sem comparação com qualquer outro da história européia. Considero uma visão romanceada de nossa história aquela que esquece que a história é movida pelas limitações humanas, já que os homens e as mulheres na história sofrem múltiplas e simultâneas determinações. Chamar a revolução cubana de revolução comunista é um exemplo disto. Nas minhas aulas pela “educação paralela” vejo o mesmo grupo que considera o Che Guevara um sanguinário que lutava pela liberdade, defender a volta da ditadura civil e militar brasileira de primeiro de abril de 1964 diante do confuso assassinato do cinegrafista Santiago em fevereiro de 2014. Há uma incrível dificuldade de fugir de uma visão romanceada da passado que admiramos, mas a pesquisa muitas vezes nos mostra verdades que contrariam nossa moral. Uma forma que eu visualizo de tentar não ter uma visão romanceada daquilo que valorizamos e não doutrinar os estudantes é não ser escravo de nossa moral. A revolução haitiana pode ser um exemplo, em que ela resultou no longo prazo? E qual o papel da reforma agrária para os burgueses nos Estados Unidos da América?

 

Qual o núcleo central das pesquisas do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata o qual você é um dos fundadores? 

Até o momento o núcleo central de nossas pesquisas foi a história social da América, estudamos até agora a participação dos seringueiros na revolução acreana; a participação dos negros na história da América; o Movimento Tradicionalista Gaúcho em suas relações com a ditadura brasileira de primeiro de abril de 1964; o urbanismo de Porto Alegre durante a chamada República Velha ou Primeira República; o uso do futebol como uma construção de falsa consciência durante a formação do movimento operário porto alegrense nas décadas de governo positivista no Rio Grande do Sul; a revolução sandinista da Nicarágua e as FARC-EP através da metodologia da história oral; a sistematização de uma pedagogia latino-americana; estudos especificando a pedagogia marxista, enfatizando a pedagogia histórico-crítica; a Porto Alegre do século XX; as cidades e pontos turísticos da América; os indígenas Mapuches; entre outros temas. Buscamos até o momento ligações com outros grupos de pesquisas, entre eles com o Coletivo Fannon, elaboramos vídeos educativos com temas ligados a história da América disponibilizados no canal do youtube de nosso GEACB, organizamos um programa sobre história e educação chamado “História em Pauta” na 3w, web rádio de Alvorada. Consideramos também como nosso “núcleo central” a ação pensada, uma práxis, não ficarmos somente nas ideias ou na vontade, sempre relacionando a educação e a história.


Em nossos tempos o que há de positivo e de negativo no uso da internet e de novas mídias eletrônicas na divulgação de pesquisas históricas? 

Um dos pontos negativos do uso da internet e de novas mídias eletrônicas é a decadência do trabalho educativo, sobretudo com o desenvolvimento do Ensino A Distância, piorando o que já era precário, a educação brasileira (Podemos chamar o EAD de educação escolar, ou tratar-se-á de “educação paralela”?). Neste caso a falsa consciência age no formato de uma “democratização do ensino”, através da alteração de dados estatísticos eleitoreiros. Outra conseqüência é a confusão entre fins e meios, quando os novas mídias eletrônicas tornam-se o fim do trabalho educativo, o saber mexer e o saber pesquisar são as metas das avaliações, como se a meta do ensino básico fosse a pesquisa. O uso da internet e de novas mídias eletrônicas aumentam as limitações físicas para o aprendizado, em termos de visão, audição, sedentarismo, impedindo o advento de um novo Aristóteles ou Platão em nosso tempo. Se Karl Marx vivesse atualmente e fosse usuário de facebook teria elaborado com Engels o materialismo histórico e dialético?? Duvido que sim!! Os maiores clássicos do pensamento humano foram criados sem estas novas tecnologias. Hoje a História está tornando-se uma ciência sincrética, abraçando caoticamente todas as outras áreas do conhecimento. Isso é o tal de pós-modernismo, como hoje há o marxista piagetiano e o anarquista capitalista. Sou a favor do uso da internet e das novas mídias, mas de modo crítico. Uso a internet para me comunicar com pessoas distantes e para me atualizar, mas em nosso GEA, por exemplo, o SMS também é utilizado com grande entusiasmo. Quanto a divulgação de pesquisas históricas, o uso de internet e novas mídias é quantitativamente positivo. Mas, insisto, hoje não há mais publicações do nível de, por exemplo, a revista Encontros com a Civilização Brasileira ou Cadernos do Terceiro Mundo. No máximo Carta Capital, Caros Amigos, e Veja! Ainda não tivemos outro Nelson Werneck Sodré, Luis Vitale! A ciência histórica desenvolveu nestas últimas décadas as suas técnicas e metodologias!


Qual a relevância dos cidadãos conhecerem a história das cidades onde vivem?

Em consonância com o desenvolvimento tecnológico da ciência histórica, a história oral é o método mais adequado para historicizar uma determinada cidade, não importando se for para elaborar um exemplo de história social ou das instituições. A historiadora Véra Lucia Maciel Barroso coordena o projeto “Raízes”, que resultou em livros aonde a população das cidades ajudam a construir relatos sobre a sua história. Como sou morador da cidade de Alvorada, participei do Raízes de Alvorada e organizei, no mesmo espírito, um chamado Alvorada Tradicionalista, quando usamos a metodologia da história oral para historicizar o tradicionalismo gaúcho alvoradense. Publiquei no Raízes de Viamão o texto elaborado através de entrevistas com antigos moradores chamado “Cotidiano do Passo do Feijó e a importância do ócio em contraditória convivência” enfatizando a relação étnico-racial e os primeiros CTGs da parte de Viamão que tornara-se Alvorada. Utilizando como fontes o acervo do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, pesquisei e publiquei, no livro Raízes de Gravataí, o texto “O anticomunismo no jornal O Gravataiense”, abordando os anos 1959 e 1960. A própria professora Véra Barroso, na Apresentação ao Raízes de Viamão, citou a célebre frase de Walter Benjamim abordando a importância dos cidadãos conhecerem a história das cidades aonde vivem, com a qual concordo absolutamente: “Quem não pode lembrar o passado não pode sonhar o futuro e, portanto, não pode julgar o presente”. Mesmo sendo contrário a teleologia, afirmo que alguns elementos do futuro poderão ser descobertos ou impedidos de acontecerem, caso tenha-se conhecimento da história da cidade aonde se vive. Sobre a cidade aonde se vive é mais possível ter um controle cidadão do que sobre o país, ou sobre o mundo!


Teríamos ainda no Brasil resquícios do período ditatorial? 

Tivemos mais de um período ditatorial no Brasil, somando o período do Império e o período republicano. Pode-se dizer que o primeiro período ditatorial brasileiro ocorreu durante o que Nelson Werneck Sodré chamou de “subversão do ouro”. A partir daí há uma lacuna fértil para um estudo sobre a ditadura brasileira, que jamais poderá ser considerada uma invenção de um único homem, culminando com a ditadura brasileira mais próxima temporalmente a nós, que foi a ditadura civil e militar de primeiro de abril de 1964. Se diminuiu a repressão política, ainda temos a repressão econômica! Vivemos em um período de democracia aonde o dever é um só: ter dinheiro. A partir disso, teremos todos os direitos possíveis e imaginários, e nem precisaremos seguir as leis. A nossa democracia das instituições é uma mentira! Somados todos os períodos ditatoriais brasileiros, há resquícios que poderão ser notados somente pesquisando sobre este tema. Convido a todos os interessados em debater sobre este tema, que entrem em contato, devido a sua complexidade, apenas se pensarmos qual foi a democracia que os trabalhadores negros escravizados tiveram no Brasil e qual a liberdade que todos os trabalhadores brasileiros adquiriram após o assalariamento! Aos que sentirem-se a vontade para iniciar o debate, iniciem declarando em qual momento tivemos a democracia no Brasil!

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