O MASSACRE DE THIBODAUX

     

23 de novembro de 1887. Estado da Louisiana, Estados Unidos. Cerca de 60 trabalhadores negros foram assassinados. Eles trabalhavam em plantações de cana-de-açúcar.


 Trabalhadores nas plantações de cana-de-açúcar (plantations). Estados Unidos, fins do século XIX. Crédito da imagem: https://www.zinnedproject.org/news/tdih/thibodaux-massacre/




1.

Apesar da 13ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos ter garantido o fim da escravidão no país, a população negra, principalmente nos estados do sul, foram submetidos a um violento regime de segregação racial – que vai vigorar por cerca de 100 anos, até a eclosão do Movimento dos Direitos Civis na década de 1960. O período da Reconstrução, que se seguiu após a Guerra Civil de 1860-1865, não evitou também a criação dos Black Codes, que restringiam negros em exercer direitos políticos, dificultavam o acesso a propriedades e a educação.  


Diante deste cenário surgiu a “Nobre e Sagrada Ordem dos Cavaleiros do Trabalho” (Knights of Labor), que em poucos anos se tornou a maior associação sindical dos Estados Unidos. De acordo com o sociólogo Leo Huberman: “A Nobre Ordem dos Cavaleiros do Trabalho era uma associação secreta, fundada na Filadélfia em 1869 por um pequeno grupo de cortadores de roupas. O seu líder era Uruah S. Stepehns, alfaiate que havia sido preparado para ser ministro religioso. Os trabalhadores das vidrarias, fábricas de ferro, impressores, sapateiros e outros que não faziam parte de sindicatos, formavam novas ramificações locais dos Cavaleiros do Trabalho. Mas não só operários especializados se tornaram membros dos Cavaleiros do Trabalho; a organização abria suas portas para todos os trabalhadores, pretos e brancos, homens e mulheres, qualificados ou não” (HUBERMAN, 1987, p. 206).



2.

Nas zonas agrícolas produtoras de cana-de-açúcar da Louisiana, trabalhadores eram submetidos à condições de trabalho muito parecidas com as da “extinta” escravidão. Além das jornadas serem extenuantes, os salários eram baixos; ou nem se ganhava um salário e sim vales que serviam para comprar alimento, nas lojas que pertenciam aos donos das fazendas (claro!). As habitações dos trabalhadores das fazendas também eram motivo de insatisfação – muitas delas serviam de alojamentos para trabalhadores escravizados na época em que o regime escravista era permito em lei.


Cabanas semelhantes às da época do massacre. Crédito da imagem: https://www.smithsonianmag.com/history/thibodaux-massacre-left-60-african-americans-dead-and-spelled-end-unionized-farm-labor-south-decades-180967289/


Não demorou muito para que os descontentamentos se tornarem revolta. A partir de 1874, inúmeras greves e protestos por condições dignas de trabalho estouraram nas paróquias1 de St. Mary, New Iberia, Terrebonne e Laforuche (onde se localiza Thibodaux).

Uma figura de destaque, que ajudou na mobilização dos trabalhadores, foi Hamp Keys. Segundo o romancista Calvin Schermerhorn em seu artigo publicado no site Smithsonian Magazine: Keys liderou uma marcha de Houma até Southdown Plantation em Terrebonne, reunindo os trabalhadores com um discurso inflamado. A visão dos manifestantes negros irritou os produtores e, agindo com os seus interesses em mente, o xerife afro-americano da paróquia formou um grupo de brancos para enfrentar os grevistas. Surpresos com a oposição, os manifestantes de Keys recuaram.”2

Os Knights of Labor se juntaram aos trabalhadores em protesto. Greves iniciaram. Os donos das plantations, empresas açucareiras, não negociaram melhores salários para seus trabalhadores. À medida que o tempo passava, havia pressão por parte dos empresários para que o governo usasse a força contra os grevistas. O governador da Louisiana, Samuel McEnery (que também era dono de plantation) chegou a formar milícias contra os grevistas. Não demorou muito para que trabalhadores fossem mortos por essas milícias, em St. Mary e Terrebonne.

Segundo o jornalista Igor Natusch em seu texto no site Democracia e Mundo do Trabalho: “Acossados, muitos negros da região refugiaram-se no vilarejo de Thibodaux, na paróquia de Lafourche. O juiz da região, Taylor Beattie, declarou lei marcial e autorizou vigilantes brancos a patrulhar a área, exigindo identificação de todos os negros que por ali passassem. Na madrugada do dia 23 de novembro, dois desses guardas foram feridos por tiros de pistola, presumidamente disparados por grevistas que temiam estar sendo encurralados. A resposta dos milicianos foi uma carnificina. Arrancando negros de suas residências, os atiradores mataram de forma indiscriminada, fuzilando tanto grevistas escondidos quanto moradores sem participação alguma nos acontecimentos. Relatos dão conta de que jovens e velhos, mulheres e crianças foram massacrados, sem que pudessem oferecer resistência. Os corpos foram jogados em covas rasas, enquanto sobreviventes se escondiam nos pântanos para escapar à chacina.”3


3.

O massacre de Thibodaux teve um papel estratégico na luta entre capital e trabalho na realidade histórica do sul dos EUA que estava passando por um momento de transformação política, social e econômica – consequências da Guerra Civil, do fim da escravidão e da industrialização, paralelas às políticas da “reconstrução”.

“O sindicato morreu com os grevistas e os assassinos ficaram impunes. Não houve inquérito federal, e até mesmo o inquérito do legista recusou-se a apontar o dedo aos assassinos. O plantador de açúcar Andrew Price estava entre os agressores naquela manhã. Ele ganhou uma cadeira no Congresso no ano seguinte. O massacre ajudou a manter os sindicatos fora do Sul, precisamente no momento em que este estava a industrializar-se. Os fabricantes têxteis estavam saindo da Nova Inglaterra em busca de salários baixos. E depois do encerramento das fábricas têxteis no século XX, empresas automobilísticas, industriais e energéticas abriram nos estados do sul, em parte para a mão-de-obra não sindicalizada.”4

Ao que parece, somente a história pode fazer justiça aos trabalhadores negros mortos, em greves e massacres.



REFERÊNCIAS 

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza dos EUA (Nós, o povo). São Paulo: Brasiliense, 1987.


NOTAS


Sobre o autor:

 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.


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