Prosseguindo nossa saga sobre Zumbi vamos continuar a partir do ponto da luta politica em Palmares em relação ao acordo de paz proposto que vimos anteriormente. Lançado em 1678, por certo não teve resistência unicamente por parte de Zumbi, mas também de boa parte da sociedade quilombola. De modo que Ganga Zumba visto então como um entrave, acabou envenenado. Ação que não se sabe, se Zumbi veio ou não ter participação na mesma. Além de que ainda que, por mais controversa que seja, também é preciso citar uma versão diferente sobre a morte deste líder: suicídio.
Neste caso, Ganga Zumba se sentindo extremamente desgostoso com este acordo teria se matado, por mais que pareça bastante improvável. O que nesse momento não é o mais relevante. Todavia, não devendo ser ignorada, para não incorrer no risco de parcialidade. Importando sim, basicamente que, a partir desta morte, cabia a Zumbi decidir agora o futuro de Palmares, optando pela manutenção da mesma política de vizinhança vigente. Ou seja, continuando as constantes expedições de ataque aos povoados próximos como Serinhaém, Porto Calvo e Penedo. E ao que parece tiveram amplo apoio de sua gente.
Estátua em homenagem ao Zumbi dos Palmares em Porto Alegre. Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/porto-alegre-ganha-est%C3%A1tua-em-exalta%C3%A7%C3%A3o-a-zumbi-dos-palmares-1.1554250
Pois ao ver de grande parte dos palmerinos, sua determinação e os esforços aumentaram o prestígio de Zumbi. Valendo lembrar que as campanhas de ataque não visavam somente tomar escravos, como também capturar armas e munições, além de saquear fazendas e estabelecimentos comerciais. Ou seja, a prosperidade econômica do quilombo estava condicionada a essa dinâmica que, os maiores beneficiados com ela, não queriam abrir mão, apesar dos riscos na insistência em manter este mesmo sistema.
Previsivelmente, quando ele ganhou autoridade, conduzindo sua estratégia agressiva, as tensões com os portugueses aumentaram rapidamente. O temor aumenta muito mais, motivo pelo qual, entre 1680 e 1686, os portugueses montaram seis expedições contra Palmares com custos significativos para o tesouro real, mas que, ao fim, nenhuma delas conseguiu derrotar Palmares. O que, à primeira vista, fazia com que Zumbi fosse visto como o governante ideal para as elites locais que assim o apoiavam, criando um governo forte, difícil de ser destruídos pelas autoridades portuguesas.
Razão pela qual, o governo colonial, paralela à repressão, tenta ainda a negociação. O que não é um sinal de consideração, mas de medo que tinham da força de Palmares. Tanto que em 1685, Dom Pedro II de Portugal mandou uma carta (atualmente na Biblioteca da Ajuda, em Portugal) para os quilombolas. Um dos trechos dizia:
"Eu, El-Rei, faço saber a vós Capitão Zumbi dos Palmares que hei por bem perdoar-vos de todos os excessos que haveis praticado, e que assim o faço por entender que vossa rebeldia teve razão nas maldades praticadas por alguns maus senhores em desobediência às minhas reais ordens. (...) Convido-vos a assistir em qualquer estância que vos convier, com vossa mulher e vossos filhos, e todos os vossos capitães, livres de qualquer cativeiro ou sujeição, como meus leais e fiéis súditos, sob minha real proteção".
Quem sabe ciente da fragilidade das forças coloniais que Zumbi, como sempre, ignorou qualquer acordo. Por outro lado, esse aumento das tensões não passava despercebido à comunidade como um todo. Entretanto, de acordo com dadas fontes (preservadas pelo vencedor, é claro) Zumbi não admitia ceder, muito menos ser contrariado com oposição ou deserção. Postura própria de um déspota, em nada diferente dos monarcas absolutistas da Europa então. Onde, o destino de todo o reino está inevitavelmente condicionado aos desejos de seu governante.
Logo, qualquer contrariedade era tratada de forma implacável, tal como o pesquisador Nina Rodrigues explica que: "Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela severa justiça do quilombo”. E deste modo que sua resistência se sustentou por 15 anos.
Sim, Zumbi manteve por 15 anos sua política de hostilidade às forças coloniais. O que é bastante compreensível, diante do fato que além da localização estratégica e de suas defesas, Palmares pode ter chegado a abrigar 20 mil pessoas, sendo que só no aldeamento central, Macaco, poderia haver em torno de 06 mil pessoas. Para efeito de comparação, a cidade do Rio de Janeiro nesta época deveria ter em torno de 07 mil habitantes. Portanto, pode Zumbi meramente ter se sentido confiante o suficiente para em nada ceder. Tanto que, campanhas de extermínio ao quilombo antes já foram promovidas tanto pelos portugueses como pelos holandeses (por ocasião do governo de Maurício de Nassau).
De modo que quando o bandeirante Domingos Jorge Velho, apesar de toda a sua fama de intensa brutalidade, foi contratado pelo governador-geral de Pernambuco para dar fim a Palmares, é possível que os palmerinos não o vissem como uma grande ameaça. Tendo, inclusive, num confronto, em 1692, esse mesmo Jorge Velho sofrido uma humilhante derrota para as forças de Zumbi. Mas, como sabemos, isso não foi o fim. Tanto o orgulho, como o desejo de ser recompensado fizeram com que ele organizasse uma nova campanha, tendo demorado dois anos para reunir mais de 09 mil soldados e artilharia pesada.
O que, nos dias que se seguiram daquele ano de 1694, parecia não ser suficiente. Sua artilharia não conseguia chegar à salvo dos contra-ataques. Era necessária uma estratégia diferente, uma proteção para seus canhões chegarem perto o suficiente para arrasar com as muralhas do aldeamento.
E talvez eles tivessem falhado nisso também, caso um fato inesperado não tivesse acontecido: o descuido dos vigias das muralhas da capital do quilombo, a comunidade de Macaco, em não darem importância à montagem de uma muralha de madeira paralela à deles, pelo pessoal de Jorge Velho.
Com isso a pesada artilharia dos bandeirantes conseguiu fazer, no dia 06 de fevereiro de 1694, com que o mocambo (aldeamento) de Macaco caísse. Mas isso não era ainda o fim, visto que Zumbi teve tempo de fugir, ao que parece, para a localidade da Serra Dois Irmãos. Local onde ele pode levar a sua resistência por mais de um ano. Tendo o seu fim, acontecido não pelo poder de fogo inimigo, mas sim pelo contumaz jogo de intrigas e traições.
Para tanto que se entenda que um de seus colaboradores, de nome Antônio Soares, após ser capturado, aceitou trocar sua liberdade pela vida de Zumbi. Assim tendo este Antônio apunhalado Zumbi, em seguida, arrancando um de seus olhos e a sua mão direita. Também valendo citar a versão que diz que seu pênis foi arrancado e colocado na sua boca. Um fim humilhante que, talvez, se não fosse um descuido dos vigias em relação a muralha inimiga mandada erguer por Jorge Velho, poderia, quem sabe, não ter ocorrido.
E quem sabe, justo pela falta de outra liderança para tomar o lugar de Zumbi que Palmares chegou ao fim. Por mais que se acredita que um novo comandante, de nome Camuanga tenha continuado a resistência até o ano de 1714. Já sobre o que se sucedeu a sua esposa Dandara (cuja versão mais aceita é que se suicidou com a tomada de Macaco em 1694) ou aos seus três filhos (Motumbo, Harmódio e Aristogíton) nada se sabe de forma confiável. Igual ocorre sobre a vida de toda família de Zumbi, incluindo ele, sua esposa, seus filhos, tios, pais e avós; as informações sobre eles, em geral, são muito esparsas e, não raro, não são plenamente confiáveis. Tanto que, ao fim importa que Palmares que tantas vezes se recuperou dos ataques, ficando ainda mais forte, nunca mais se recuperou.
Sobre assim, o que dizer? Tudo um mero erro de cálculo ou sim uma intransigência irresponsável? Para o historiador Décio Freitas em entrevista para a “Folha de S. Paulo”, em 20 de novembro de 2019 “(...) se ele (Zumbi) tivesse sido menos radical e mais diplomático, como foi seu tio Ganga-Zumba, teria possivelmente alterado os rumos da escravidão no Brasil”. Talvez. Até porque é a sua morte trágica que o faz uma referência de tamanho impacto no imaginário geral. Por mais que esta referência tenha se feito uma construção histórica relativamente recente. Tal como veremos na próxima sequência desta nossa longa jornada.
Até lá...
Sobre o autor:
LUIS MARCELO SANTOS: natural da cidade de Ponta Grossa (estado do Paraná) é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, especialista em ensino religioso e mestre em História formado pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como as obras locais “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais” (em parceria com Isolde Maria Waldmann) e “Memórias e reflexões sobre um povo: Colônia Sutil”
Por favor, enviem logo a continuação. Muito legal. Estou ansiosa
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