HISTÓRIAS DO BRASIL PROFUNDO: Relatos de viagem pelo interior de São Paulo

 

O historiador, além de buscar as evidências para interpretar o passado, também tem como missão deixar suas próprias evidências sobre sua realidade histórica. Desta forma, criando novas fontes para a posteridade e para novos historiadores de gerações futuras.

A história é repleta de lugares que representam poder, fama, dinheiro e transformações políticas, econômicas e sociais. Lugares que se colocam na história, seja por acaso, seja pela vontade de um coletivo organizado. O que interessa aqui são aqueles lugares que, embora não figurem nas páginas de muitos dos mais famosos livros, têm uma importância fundamental em transformações históricas.

Ao longo dos dias 24 e 28 de julho de 2023 me aventurei por algumas cidades no interior do Estado de São Paulo. A primeira delas foi Sorocaba.


1. Sorocaba


Consta que Sorocaba foi fundada em 1654. Segundo dados do IBGE (2022), o município tem cerca de 723 mil habitantes. É uma cidade cuja economia é baseada na indústria e no comércio. Curioso que uma das cidades vizinhas a Sorocaba se chama Votorantim, local onde surgiu a empresa Votorantim S.A. e que até 1964 era um distrito de Sorocaba.

Um dos prédios que chama atenção no centro da cidade é o mercado municipal. Tal como outras construções históricas no Brasil, parece um lugar deteriorado, embora aparente ter sido reformado há alguns anos. Há bastante movimento no local. Como muitos centros de cidades grandes, as ruas são estreitas; pedestres, carros, motos e bicicletas parecem se desafiar constantemente em busca de espaço.  



2. São Roque

Cerca de 40 km a leste de Sorocaba está a cidade de São Roque. Na Praça da República, há uma curiosa estátua de São Roque. Diz a lenda que a estátua aponta para o joelho pois o santo teria sido acometido da Peste Bubônica (Negra) e por isso decidiu se exilar. Ele também é representado com um cachorro ao lado, que teria lhe trazido pão e mostrado uma fonte de água enquanto passava seus dias como eremita. Será que os habitantes de São Roque são devotos de São Roque?


Outra curiosidade de São Roque é que a cidade se destaca no turismo da região. Inclusive sendo um polo vinícola.



A Igreja Matriz de São Benedito com sua aparência neoclássica. 




3. Porto Feliz

Porto Feliz é uma cidade que pouco é citada em livros, mas sua importância para a história do Brasil é muito grande. Foi de lá que partiram as primeiras monções, expedições em busca de ouro.

A cidade se localiza a beira do rio Tietê.  


A poucos metros do centro da cidade está localizado o Parque das Monções – cujo nome já diz muito. É um lugar repleto de histórias e adornado com um grandioso monumento aos bandeirantes. 





O Monumento aos Bandeirantes, representa mais à época que foi concebido do que a realidade histórica. Hoje sabemos bem que os bandeirantes não tinham nada de “heroicos exploradores”. Eram muito mais mercenários desprovidos de qualquer caráter, ambiciosos por lucro e caçadores de indígenas para vendê-los a fazendeiros. Na época, claro, a história deveria representar os feitos extraordinários de homens especiais, que enfrentaram a crueldade de sua realidade e se colocaram como exemplos a serem seguidos. Para os paulistas de 1920 era a narrativa perfeita: descendentes dos bandeirantes, que se tornaram no século XIX os pioneiros na nova exploração moderna: a indústria e o trabalho assalariado. 


Talvez pela pouca importância que o Brasil dá a sua história, falte um aviso de contextualização sobre o monumento. É impensável um monumento aos bandeirantes hoje, da mesma forma que é impensável um monumento enaltecendo o nazismo na Alemanha. Ainda assim, a iniciativa do historiador Afonso Taunay foi importante. Ele concebeu a construção do monumento. Deixou seu registro em sua época, falta os historiadores da atualidade abordar o que realmente foram esses bandeirantes. Não é preciso destruir o monumento do Parque das Monções em Porto Feliz. Ao contrário, é preciso preservá-lo. Temos apenas que fazer as justas correções históricas, quem sabe com um novo mural próximo aos que já existem.

Fazer História é isso: reconhecer os contextos e os possíveis erros de historiadores do passado e do presente. Preservar os monumentos que contam uma versão da história, para criticá-la à luz de novas descobertas e estudos.  


Sobre o autor:

 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Professor de escola pública. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Também desenha quadrinhos com temas relacionados a História. 






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