RESENHA DE LIVRO: "O Despertar de Tudo"

Livro: "O despertar de tudo: uma nova história da humanidade"

Autores: David Graeber e David Wengrow

Editora: Companhia das Letras


Ano: 2022



O famoso antropólogo David Graeber e o arqueólogo David Wengrow trazem uma nova perspectiva sobre os primeiros milênios da humanidade. Com base nos mais recentes estudos e achados arqueológicos, os autores propõem uma interpretação que foge dos padrões convencionais. Ao invés de uma linha evolutiva concebida como “estágios de organização social e produção” (de caçadores-coletores até sedentários agricultores, passando pela revolução agrícola e revolução urbana), Graeber e Wengrow nos apresentam uma enorme diversidade entre os povos antigos, que, simultaneamente em vários lugares (Eurásia, América e África), desenvolveram sistemas sociais, políticos e econômicos próprios, além de complexos - muitos, inclusive, rejeitando deliberadamente a agricultura e a hierarquia social entre dominadores e dominados, reis e servos, burocratas e serviçais. 


O livro começa pela crítica às grandes narrativas de “estado de natureza” que surgiram no Iluminismo e continuam influenciando muito a mente de pesquisadores, que ainda se utilizam dos modelos Rousseano ("o bom selvagem") e/ou Hobbesiano ("todos contra todos") para se referir a povos antigos, antes da formação de “Estados”. 


Além de uma história original sobre as origens da humanidade, o livro também aborda como o conceito de democracia moderna que se difundiu justamente no Iluminismo europeu, e que vai ganhar contornos políticos internacionais com a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789), foi, em grande parte, uma herança dos povos originais americanos.


Embora original, falta ao livro imagens ou fotografias dos inúmeros lugares e objetos citados. Fotos de tais materiais iriam enriquecer a narrativa, além de dar uma dimensão mais precisa sobre o que os autores estão falando. 



TRECHOS DO LIVRO:


"E se, em vez de contar uma história narrando como nossa espécie decaiu de algum idílico estado de igualdade, perguntássemos como acabamos presos em grilhões conceituais tão rígidos que não conseguimos mais sequer imaginar a possibilidade de nos reinventar?" (p. 23)


"Sugerimos aqui que existe uma razão para tantos pensadores fundamentais do Iluminismo insistirem que seus ideais de liberdade individual e de igualdade política se inspiravam em fontes e exemplos ameríndios: porque era verdade" (p. 53). 


"Em termos de liberdade pessoal, a igualdade entre homens e mulheres , os costumes sexuais ou a soberania popular - ou mesmo, diga-se de passagem, de teorias da psicologia profunda -, a postura dos indígenas americanos provavelmente estão muito mais próximas das atitudes do leitor do que as dos europeus do século XVII" (p. 57).


"Uma das coisas que nos diferenciam dos animais não humanos é que eles produzem única e exclusivamente aquilo que precisam; os seres humanos produzem sempre mais. Somos criaturas de excessos, e é isto que nos torna a mais criativa e ao mesmo tempo mais destrutiva entre todas as espécies. As classes dirigentes são simplesmente aquelas que organizaram a sociedade de tal maneira que podem pegar para si a parte do leão desse excedente, seja com a tributação, a escravização, as obrigações feudais ou a manipulação dos mecanismos de livre mercado" (p. 147). 


"Sim, um forrageador poderia parecer paupérrimo de acordo com nossos critérios - mas aplicar nossos critérios era claramente ridículo. A 'fartura' não é uma medida absoluta. Refere-se apenas a uma situação em que se tem acesso a tudo o que se julga necessário para ter uma vida feliz e confortável. [...]. O próprio fato de que muitos caçadores-coletores e mesmo horticultores pareciam passar apenas de duas a quatro horas por dia fazendo algo que se poderia considerar 'trabalho' prova como era fácil atender às suas necessidades" (p. 156). 


"De fato, para quase todos nós, parece difícil até mesmo imaginar como funcionaria em grande escala um igualitarismo consciente. Mas isso demonstra apenas a forma automática com que aceitamos a narrativa evolutiva, na qual o governo autoritário é de alguma forma o resultado natural sempre que se junta um grupo numeroso de pessoas [...]" (p. 346).


"Uma das principais funções do ayllu era redistribuir as terras de cultivo à medida que as famílias aumentavam ou diminuíam, de modo que nenhuma enriquecesse mais que as outras" (p. 451).









 
 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Professor de escola pública. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Também desenha quadrinhos com temas relacionados a História. 








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