O IMPACTO DO IMPROVÁVEL NA HISTÓRIA

O que um trader do mercado financeiro teria de importante para contribuir com a História? 

Em seu livro “A Lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável”, o matemático e negociador de ações Nassim Nicholas Taleb aborda eventos chamados de Cisnes Negros, que possuem 3 principais características: 1. São eventos que fogem, escapam, das expectativas; de acordo com o autor, “nada no passado consegue apontar de modo convincente essa possibilidade” (p.12). 2. Exercem um impacto extremo; e 3. “A natureza humana nos faz engendrar explicações para sua ocorrência após o fato, tornando-o um evento explicável e previsível” (p.12). 


Se analisarmos friamente esses três tópicos, é possível aplicá-los a todos fatos históricos! 


A ideia de Cisne Negro de Taleb, apesar da desconfiança de ter vindo de um matemático negociador de ações (Taleb também nutre desconfiança de historiadores), faz muito sentido ao nos debruçarmos sobre a História. Afinal de contas, os eventos históricos (por mais triviais que sejam), são, em boa parte, eventos aleatórios, pouco esperados e/ou totalmente improváveis. Isso pode ser elevado ao extremo se pensarmos que cada pessoa, ou grupos, em lugares diferentes tem sua própria história. Não podemos prever tudo. Cabe justamente ao historiador traçar a “cronologia epistemológica” que organiza esses eventos em uma narrativa. 


Podemos até usar a lógica que todo historiador é um historiador do improvável, do aleatório; afinal, a história se baseia em um acumulado de eventos, fatos e culturas materiais que ocorrem ao mesmo tempo em lugares diferentes. Qualquer realidade histórica é um acumulado caótico de bilhões de eventos acontecendo ao mesmo tempo. E muitos desses eventos que marcam profundamente a história podem até ser chamados de Cisnes Negros, tal como na definição de Taleb. 


Na prática, o historiador dá a seu objeto de estudo uma importância retrospectiva. Ou, de acordo com o próprio Nassim Taleb: “Por história, não me refiro apenas àqueles livros eruditos, mas enfadonhos, da seção de história (com pinturas renascentistas na capa para atrair compradores). A história, vou repetir, é qualquer sucessão de eventos vista sob o efeito da posterioridade (p. 144)


A obra também apresenta um conceito interessante no qual “quanto mais sabemos, menos conhecemos”. Tipo assim, enquanto estamos presos a modelos, não somos capazes de explicar completamente alguma coisa nova, ou inesperada. Isso pode se aplicar à História no sentido de que, em certos momentos, a teoria parece valer mais que a metodologia. Na academia é assim. Com efeito, o autor faz uma grande apologia ao empirismo - ele se considera um "empirista cético". Uma coincidência, pois um dos lemas de nosso GEACB diz que o "empirismo é nosso ponto de partida".




O livro de Nassim Taleb, apesar de ser às vezes pouco claro e objetivo, é, sim, bem inovador. A obra pode ser mais interessante e empolgante para quem curte apostas, aplicações e outras variantes ligadas ao mercado financeiro. Mas é preciso reconhecer que poucos se dedicam a estudar o acaso, o aleatório; e pouquíssimos, assim como Taleb, acreditam que é possível viver bem tendo a consciência de que o mundo é aleatório.



Referência:

TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do Cisne Negro: O impacto do altamente improvável. Rio de Janeiro: Objetiva, 2021.



Sobre os autor:

 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Professor de escola pública. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Desenhista amador, tem um blog sobre quadrinhos, com resenhas e ênfase em histórias autorais: https://guerrilhacomix.blogspot.com/

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