Porto Alegre. 1864.
A capital da então província do Rio Grande do Sul não passava de uma modesta cidade com cerca de 20 mil habitantes. A cidade havia ganhado importância econômica, graças ao intenso comércio realizado às margens do lago Guaíba.
Dentre os habitantes da cidade provinciana estavam José Ramos e Catarina Palse. Ramos, ao que se sabe, era filho de um ex-combatente na Guerra dos Farrapos, que ao longo de dez anos (1835-1845) colocou em campos opostos os fazendeiros gaúchos, imbuídos de um tímido federalismo republicano, e o Império brasileiro. O pai de José, Manoel, se mudou para Santa Catarina após o conflito e lá sua mulher deu a luz. Os anos se passaram e José Ramos cresceu escutando de seu pai as histórias heroicas da guerra. Depois de desavenças familiares, José Ramos mata o próprio pai (para defender sua mãe, talvez). E ele é obrigado a fugir para não ser preso. É assim que Ramos vem parar em Porto Alegre, onde consegue trabalho como policial.
Embora uma cidade pequena, José Ramos ficou impressionado com a cidade, principalmente com sua vida cultural, materializada no charmoso Theatro São Pedro, inaugurado recentemente, em 1858. Ramos logo se tornou um frequentador assíduo do Theatro. Porém, seu trabalho na polícia foi relativamente breve. A corporação dispensa Ramos, após ele tentar degolar um preso.
Talvez tenha sido enquanto trabalhava como policial que José Ramos tenha conhecido e começado a se relacionar com Catarina Palse. Ela, uma imigrante húngara, que, especulava-se, era envolvida no meretrício. Ambos foram morar juntos, por volta de 1862 ou 1863.
Estes dois estão envolvidos no caso do suposto açougue de carne humana; os “crimes da rua do Arvoredo”, como ficaram conhecidos no imaginário popular da capita gaúcha. Os fatos, porém, são nebulosos, e o pouco que se sabe, de acordo com os registros da época, não há nenhuma comprovação de que o casal José Ramos e Catarina Palse vendiam linguiças de carne humana para a população local.
O boato sobre as linguiças de carne humana talvez tenham surgido devido ao assassinato de Carlos Klaussner, um açougueiro de origem alemã. O comércio de Klaussner, se localizava na rua do Arvoredo. Sendo assim, era um ponto estratégico, pois ele acabava tendo fregueses de toda região central de Porto Alegre.
Ramos e Klaussner eram próximos e tinham algo em comum: eram sozinhos na cidade, não tinham familiares por ali. Sem dúvida esse ponto em comum aproximou ambos. Não demorou muito para que Klaussner fosse um frequentador assíduo da casa de José Ramos.
A lenda urbana conta que Klaussner seria cúmplice nos crimes, ajudando a matar e esquartejar as vítimas. E seria ele o responsável por transformar as vítimas em linguiças, posteriormente vendidas no açougue de sua propriedade. Klaussner, porém, acabou como mais uma vítima de José Ramos. Este, após matar o açougueiro, se adonou do negócio. Como Klaussner era conhecido na região, seu sumiço repentino chamou a atenção dos fregueses de seu açougue. E causava certa suspeita que José Ramos tenha tomado conta. Mas aos que perguntavam sobre Klaussner, Ramos dizia que ele tinha se mudado para o Uruguai.
Os crimes cometidos por José e Catarina só foram descobertos em abril de 1864, quando a polícia resolveu investigar o misterioso sumiço do comerciante de origem portuguesa Januário Martins da Silva e do jovem caixeiro-viajante José Inácio Ávila. Ambos foram vistos por último na residência de José Ramos e Catarina Palse.
Ao investigar a casa de Ramos, ossadas foram descobertas num poço, localizado nos fundos da propriedade.
“O Doutor Juiz de Direito Dario Callado pronunciou a sentença e José Ramos foi incurso nas penas do crime de latrocínio, sendo condenado à pena de morte por enforcamento pelos seus crimes – depois comutada à prisão perpétua. Catarina acabou sendo presa como cúmplice, condenada a 13 anos de prisão, morrendo anos depois em um hospício.”1
O caso, escabroso e macabro para a época ganhou repercussão nacional. Veja o que consta no relatório dos Presidentes da Província do Rio Grande do Sul em 1864:
Catarina Palse ganhou a liberdade em maio de 1891. Este fato foi digno de nota no jornal “A Federação”, órgão do Partido Republicano do RS, na época governando o estado.
O “maior crime da Terra” de acordo com o historiador Décio Freitas, ainda suscita lendas, versões e pesquisas. Não apenas na área da história, mas na criminologia e direito. Claro que a versão do açougue de carne humana é muito mais legal como lenda urbana, apesar de hedionda. Entretanto, como observamos aqui, talvez a versão mais famosa esteja, na verdade, muito longe dos fatos.
Nota:
1https://www.jusbrasil.com.br/artigos/crimes-da-rua-do-arvoredo-as-linguicas-de-carne-humana/456091552
Fontes de pesquisa:
https://prati.com.br/?s=Rua+do+Arvoredo
MACEDO, Francisco Riopardense. História de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.
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