OS GOVERNOS RADICAIS NA ARGENTINA (1916-1930)

Buenos Aires 1930

O grande volume das exportações de carne, lã e trigo deu a Argentina condições para fazer governos de caráter social. Ou seja, governos que podiam dar melhores condições de vida para os trabalhadores – como escolas e hospitais públicos, além de previdência social. É assim que se inaugura o chamado “Estado-providência” ou “Estado de bem-estar social”: um Estado que influência diretamente na economia dando aos trabalhadores melhores condições de vida e trabalho. Este modelo de Estado de bem-estar social (de tendências semelhantes à social-democracia europeia) vai influenciar outros governos latino-americanos nas décadas seguintes. O primeiro grande exemplo deste tipo de governo foi no Uruguai, governado por José Batlle[1]. Entretanto, é importante deixar claro que, embora estes governos reformistas deem um novo significado ao papel do Estado, eles não conseguiram romper totalmente com a ordem oligárquica.


Outro exemplo típico deste tipo de governo social e nacionalista foi o de Hipólito Yrigoyen, na Argentina. Yrigoyen pretendia implantar um projeto de bem-estar social, mas acabou não resistindo às pressões de ambos os lados ao qual estava ligado: as classes médias urbanas, trabalhadores industriais e facções de fazendeiros.

Yrigoyen era uma liderança do partido União Cívica Radical (UCR), partido oriundo de um racha no partido União Cívica, criado em 1889.

A União Cívica havia surgido como agremiação de toda oposição à oligarquia dominante do Partido Nacional, liberal economicamente mas conservador no plano político e social. Em 1891, parte da União Cívica, liderada por Bartolomé Mitre, fez um acordo com o Partido Nacional para lançá-lo a presidência – com um vice-presidente do próprio Partido Nacional. Isto levou a um racha na União Cívica e sob a liderança de Leandro Alem, Marcelo Alvear e Yrigoyen, formaram a União Cívica Radical, de tendência nacionalista e social-democrata.

Hipólito Yrigoyen
Para Yrigoyen e outros membros do seu partido, o fim da oligarquia só se daria por uma revolução armada, com apoio das classes médias urbanas e dos trabalhadores da indústria – em plena ascensão. Com esta ideia, os radicais fizeram uma tentativa de revolução política em 1905, que foi duramente reprimida pelo governo. Este movimento acabou “sensibilizando” alguns setores da oligarquia dominante: era preciso algum tipo de reforma política que possibilitasse a participação das classes trabalhadoras que estavam crescendo e se juntando aos radicais. Era preciso evitar uma “Revolução Mexicana[2]” na Argentina. Assim em 1910 foi promulgada a Lei Sáenz Peña, que mudou a política argentina; tornando o voto secreto, obrigatório e “universal” (mulheres não votavam). Esta lei, feita no intuito de evitar novas revoltas, acabou fortalecendo a UCR e, em 1916, Hipótilo Yrigoyen foi eleito presidente da Argentina para um mandato de 6 anos.

O primeiro governo Yrigoyen (1916-1922) enfrentou situações muito complicadas. Isto porque, não conseguiu suprir as demandas sociais que estava disposto a defender enquanto era oposição. Os radicais da oposição não eram tão radicais no governo. Apesar de ter aprovado muitas leis de auxílio e proteção ao trabalhador, durante o governo Yrigoyen estourou inúmeras greves. Em 1917 houve a greve dos ferroviários por aumento de 10% nos salários, reconhecimento sindical e jornada de trabalho de 8 horas. Em 1919, em Buenos Aires, várias greves paralisaram a cidade e contaram com o apoio da maioria dos trabalhadores do setor de serviços e indústrias. Em 1921, mais uma vez Buenos Aires é palco de uma greve: desta vez dos trabalhadores das docas do porto, que ficou impossibilitado de receber cargas – que foram redirecionadas à Montevidéu. Em todos estes movimentos o governo foi irredutível: tratou de desfazer as greves pela força, enviando o exército muitas vezes – como no caso da “semana trágica”, em janeiro de 1919.

Mas a repressão do governo radical também se deu no campo. No ano de 1921 a repressão a camponeses sem-terra na Patagônia foi brutal.

O único movimento de revindicação que o governo radical de Yrigoyen apoiou, mesmo que discretamente, foi o da “reforma universitária”. Desde o início da década de 1910 estudantes da Universidade de Córdoba lutavam por uma reforma, pois o sistema universitário estava totalmente atrelado ao clientelismo das oligarquias. Muitos professores eram nomeados e os horários das aulas impossibilitavam os estudantes de trabalhar para custear seus estudos. Em 1918, o movimento estudantil de Córdoba já tinha influência em vários países da América do Sul, como o Peru. Yrigoyen apoiou o movimento reformista dos universitários, pois ele abraçava uma de suas bandeiras: acabar com os vícios do Estado oligárquico.

No contexto internacional, o governo mantinha suas relações com o mercado internacional como exportador de trigo e carne. Neste sentido o presidente da Argentina se esforçou para manter a neutralidade durante a guerra de 1914-18.

Em 1922, a UCR conseguiu eleger o sucessor de Yrigoyen, Marcelo Alvear. Em 1928, Yrigoyen volta à presidência. Seu novo mandato tem curta duração: um movimento oligárquico conservador, influenciado pelos desdobramentos da crise de 1929, derruba-o da presidência em 1930. Mesmo sendo apoiados por facções dos setores econômicos vinculados à exportação de produtos primário (agricultura e pecuária), outras facções (como os oligarcas que governaram até 1916) não estavam satisfeitas com o governo radical, e não conseguindo vencer Yrigoyen no voto, derrubou-o por golpe. A velha oligarquia, dependente das exportações para mercado internacional, voltou ao poder. A década de 1930, na Argentina, será, por isso lembrada como “década infame”; o retrocesso político, contudo, fará germinar as bases de um amplo movimento de massas que trará novamente a questão social para o centro da política: o peronismo dos anos 1940/1950.


Notas:

[1] Para saber mais leia “O Governo Batlle no Uruguai, disponível em:
http://geaciprianobarata.blogspot.com/2015/10/o-governo-batlle-no-uruguai.html

[2] Para saber mais sobre a Revolução Mexicana acesse: http://geaciprianobarata.blogspot.com/2016/04/a-revolucao-
mexicana-1910-1920.html


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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