Às
margens do rio Jacuí, no Rio Grande do Sul, está a vila de Santo
Amaro do Sul. As ruínas da cidade talvez não façam jus à sua
importância histórica. Por milhares de anos a região foi habitada
por indígenas Guarani e Jê. No século XVIII, em meio as disputas
coloniais entre Espanha e Portugal no sul da América do Sul, a
região onde hoje se localiza Santo Amaro foi palco de intensas
contendas coloniais.
“Neste
contexto, no local em que foi implantada a vila de Santo Amaro
existia, inicialmente, um armazém de víveres e munições,
estabelecido por Gomes Freire de Andrade em 1750, que atendia, na
retaguarda, ao avanço das tropas portuguesas em direção às
missões jesuíticas, que passariam ao domínio português. Junto a
essas tropas havia, também, alguns casais açorianos, que já se
encontravam em território sulino desde 1752. Esses casais foram se
fixando ao redor dos estabelecimentos militares à espera do
deslocamento para aquele que seria o seu destino final – a região
das missões (RHODEN, 2023, p. 103).”
A
partir de então, Santo Amaro do Sul se desenvolveu em torno da
agricultura de subsistência e da pecuária. Também houve o
desenvolvimento de comércio na região; devido a sua localização
estratégica, era um ponto de passagem obrigatório pelos navegantes
do rio Jacuí – que ligava a região de Viamão/Porto Alegre à
região central e norte do estado. Atualmente, Santo Amaro do Sul faz
parte do município de General Câmara, cerca de 80 km de Porto
Alegre.
Em
fins do século XIX, houve um novo impulso econômico no local,
graças a uma ferrovia que passava por ali. Diz o site do IPHAN:
“A
Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana foi aberta como empresa
federal em 1883, ligando Santo Amaro a Cachoeira do Sul. Antes da
ferrovia, as viagens para Porto Alegre eram feitas em embarcações
que navegavam pelo rio Jacuí. Em 1898, a Estrada de Ferro foi
encampada pela empresa belga Cie. Auxilaire e, em 1905, passou a ser
a linha-tronco da Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS),
ainda administrada pelos belgas. Em 1907, os trilhos chegara a
Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.1”
O
prédio da antiga estação, agora em ruínas e abandonado, fica bem
em frente ao rio Jacuí.
Consta
que cerca de 600 pessoas vivem hoje na vila de Santo Amaro do Sul. O
local é o único núcleo urbano ainda preservado de casais açorianos
do século XVIII. Na época em que estive no local (junho de 2023) a
estrada de acesso à vila era em parte de terra; ao que parece, hoje,
2025, já está totalmente asfaltada. Como se pode notar pela foto
abaixo, a pecuária ainda é uma atividade econômica importante na
região.
Ao
caminhar pelas ruas de Santo Amaro do Sul, o sentimento é de
solidão. Faz pensar em uma “cidade fantasma”, cujos moradores se trancam, fechando portas e janelas, quando recebem a inesperada visita de um forasteiro. Os antigos
casarões açorianos fechados e lacrados – alguns correm o risco de
desabar. Um desses casarões serve de bolicho, que para minha sorte
estava aberto quando estive lá – havia umas cinco pessoas (todos
senhores) sentados em um semicírculo; um deles tocava um velho vilão
enquanto entoava algumas músicas gauchescas.
Na
praça central da vila, a construção que mais se destaca é, por
obvio, a Igreja. Na fachada, consta que ela foi erguida em 1787.
A
frente da igreja uma grande praça, cercada pelos casarões
açorianos, todos devidamente numerados e tombados pelo patrimônio.
Uma
das casas mais curiosas é a de número 11:
Como
se pode ver pela placa de identificação, o casarão foi o lar do
primeiro presidente da República Rio-grandense, no período da
Guerra Civil dos Farrapos (1835-1845). Uma árvore desabou sobre o
casarão, destruindo a maior parte de seu telhado.
Porém,
o que chama atenção são os cartazes de “vende-se” colados nas
antigas e corroídas porta e janela de madeira. Será que o
patrimônio histórico deve ser tratado como uma mercadoria, aos
caprichos e privilégios da especulação imobiliária?
***
Descobri
posteriormente que o casarão identificado como “Venda do Nicolau”
serve de Museu Histórico de Santo Amaro do Sul. Na ocasião que
vistei o lugar, porém, ele estava fechado, como atesta a foto
abaixo:
***
O
que fica evidente ao conhecer Santo Amaro do Sul é como a cultura
regional (ou até mesmo nacional) odeia o patrimônio histórico. Talvez isso se reflita nas políticas públicas e nos governos.
Embora haja órgãos e secretarias responsáveis pela preservação
de patrimônio, o que se nota é que lugares importantes são
simplesmente destruídos e apenas parcialmente preservados. As ruínas
de Santo Amaro mereceriam uma atenção maior – equivalente a sua
importância histórica.
NOTA:
1http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1534/. Acesso em 09/08/2025.
REFERÊNCIAS:
RHODEN, Luiz Fernando. A vila açoriana de Santo Amaro, patrimônio histórico brasileiro. Revista del CESLA. International Latin American Studies Review, (31), 2023: p. 97-108.
Sobre os autor:
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Professor de escola pública. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Desenhista amador, tem um blog sobre quadrinhos, com resenhas e ênfase em histórias autorais: https://guerrilhacomix.blogspot.com/.
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