Durante os anos de graduação, muitos alunos de licenciatura entram em contato com as grandes teorias do conhecimento. A abordagem empirista, tida como tradicional, onde o aluno[1] é um “receptáculo” de conhecimento e o professor é o “senhor absoluto do saber”; a abordagem apriorista, onde o estudante é o próprio saber em estado latente de vir a ser; e a abordagem construtivista, tida como a mais abrangente e adequada aos dias de hoje.
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Curiosamente, nos dias de hoje vemos discursos aflorados sobre a crise na educação: professores mal remunerados, escolas sem estrutura e caindo aos pedaços. Mas será que esses autoproclamados “especialistas em educação” (que geralmente são economistas) que pregam melhores condições para a educação, ou mesmo os professores que lutam por melhores condições para sua categoria se apropriaram de forma correta das teorias educacionais, que são as verdadeiras chaves para que uma educação de qualidade realmente seja levada a cabo? Não somos contra as greves de professores, que são mais que justas, mas apenas queremos relacionar se estes professores grevistas realmente tem uma ideologia pedagógica, ou um projeto educacional realmente libertário.
Diante de tantos problemas, a primeira vista insolúveis, intelectuais de tradição marxista ironizam[2] ações práxicas na educação escolar. Já que Karl Marx na Tese 3 sobre Feuerbach reforçou que “quem de fato educa o homem é a sociedade” (ORSO, 2013, p. 57), para que diferenciar educação de formação, aluno de educando, estabelecer novos paradigmas? Afinal, entre a educação e a sociedade não há uma recíproca determinação?
Dentre as teorias da educação citadas acima (empirismo, apriorismo e construtivismo) o empirismo tem sido o maior alvo de críticas. Mas não podemos confundir o verdadeiro pressuposto empirista em sua forma “vulgar” – que é a mais contrariada por autores e estudiosos ditos construtivistas ou mesmo progressistas.
Em um outro texto (“Empirismo e História: algumas relações”, publicado no blog do GEACB), já abordamos a empiria com relação a história. Cabe agora relacioná-la a educação.
A educação escolar parece focar-se principalmente no aprendizado de duas matérias: português e matemática. Não negamos a importância destas disciplinas, mas porque algumas pessoas pensam que uma educação de qualidade é apenas saber matemática e português? Porque as olimpíadas nacionais de matemática ganham mais relevância do que a de outras matérias? Será que é mais importante saber teoremas, do que os processos históricos que levam milhões de pessoas às desigualdades sociais absurdas? Que fazem a luta de classe evoluir, de forma camuflada, a cada novo dia? Porque há mais períodos de matemática do que de História? Porque a História, uma matéria essencial para entendermos nossa realidade e aprendermos com o passado, com a empiria histórica, de modo a criarmos possibilidades de mudança? Porque se ensina tanto português nas escolas e o Brasil ainda é recordista no analfabetismo funcional? Será que todos os alunos de uma escola pública têm condições de adquirir os livros que gostam para exercitar a leitura e compreender a escrita?
Cremos que em grande parte isto se deve ao não entendimento da teoria empirista. Os construtivistas sempre se mostram contra o empirismo na educação, mas se baseiam numa figura extremamente empírica e positivista: Jean Piaget.
Este mesmo Piaget que tratava como ciência apenas a matemática e a História como seu apêndice, afirmou:
Ora, a Matemática nada mais é que uma lógica, que prolonga da forma mais natural a lógica habitual e constitui a lógica de todas as formas um pouco evoluídas do pensamento científico. Um revés na Matemática significaria assim uma deficiência nos próprios mecanismos do desenvolvimento do raciocínio [...]. (PIAGET, 1973, p. 63)
Sendo assim, ele inverteu a lógica educacional: ao invés de todas as ciências serem o suporte para a ciência histórica, são todas as matérias o suporte para as aulas de matemática. Isto se reflete na educação escolar em nível de senso comum: muitos alunos não dão importância para a História, tida como uma matéria chata, enquanto que matemática, uma matéria que, em boa parte, nada traz de concreto (apenas a lógica formal e representações numéricas), é temida e estudada assiduamente. A matemática deveria, em nossa opinião, contemplar as contas do dia a dia, aproximar-se mais da economia e não limitar-se a um monte de fórmulas, teoremas sem utilidade ao cotidiano concreto do estudante; e ainda assim é assimilada pelo aluno como uma matéria importante, mas pergunte a um professor qual a importância do teorema de Pitágoras para seu dia a dia? Ele o usa para calcular a passagem do ônibus, ou para comprar o pão de cada dia; ou ainda utiliza algum teorema de Tales para calcular se o salário do mês vai cobrir todas as despesas de um trabalhador com moradia, alimento e roupas?
O construtivismo difundido em muitas faculdades contribui para que este quadro permaneça, pois muitos professores de graduação ensinam apenas as ideias conservadoras de Jean Piaget sobre a educação; chegando ao cúmulo de comparar História com matemática, buscando através de planejamentos, cronometrar e mecanizar o processo de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo, estes professores negam o empirismo – ou seja, alegam que o professor não pode falar muito, não deve expor conhecimentos “prontos”. Até que ponto esta abstinência de fala de um professor não é prejudicial, na medida que não expõe conteúdos importantes para a formação social do aluno? O próprio Piaget se serviu de muitos dados empíricos para escrever seus livros. Para piorar, os professores que se apropriam de forma inadequada de um “construtivismo conservador” acabam praticando aulas liberalizantes, onde o aluno faz o que bem entende. Ou seja, o construtivismo vira liberalismo. O autogoverno foi elogiado por Piaget, mas suas teorias não resumiam-se nisso.
Mas até que ponto o construtivismo e as pedagogias do “aprender a aprender” são vazias de conteúdo social? Os alunos de graduação fazem planos de aula e praticamente obrigam os alunos a perguntarem sobre o conteúdo, fazendo um paralelo grosseiro com a realidade. É como se o questionamento saísse a fórceps! Tanto o “historicismo” quanto o “presentismo” devem ser moderados – é preciso buscar o equilíbrio entre os dois. A empiria possibilita a percepção da realidade e o conteúdo de História é uma realidade que está sendo desenvolvida em uma aula, seja ela sobre século XIX, sobre África ou sobre China, no momento em que o indivíduo entra em contato com o conteúdo, ele (o conteúdo) vira experiência pessoal deste aluno!
O “aprender a aprender” só aliena o estudante de sua realidade imediata, pois não coloca o empirismo histórico em questão. Não dá ao aluno os subsídios empíricos para que ele analise a sua realidade. O “aprender a aprender” não é nada mais que uma máscara ao liberalismo na educação, é como se dissessem ao aluno “faça por si mesmo”, ache o caminho no meio da selva complexa de conhecimentos e saberes que parecem “desligados” uns dos outros. Mas se perder é fácil, o difícil é se achar sem qualquer ponto de referência. Sendo assim, o professor não tem nada a contribuir. Nas teorias de Piaget, ao contrário, o professor teria papel fundamental.
Alguns teóricos da educação colocam o construtivismo como uma educação, ou pedagogia ativa. Ou seja, é a ação do sujeito/aluno que faz com que ele aprenda. Até ai nada de inovador, pois todos sabemos que a práxis diária nos ensina a cada momento de nossa existência. Entretanto, relacionar a ação, a atividade, sem ter o embasamento empírico é o mesmo que deixar uma criança aprender a mexer em um celular; com certeza ela vai saber mexer no aparelho e fazer algumas coisas com ele, mas será que realmente aprendeu algo novo? Ou só organizou seu conhecimento frente ao celular? Consideramos como “aprender a aprender” a prática nada práxica de professores que utilizam apenas o lado conservador das teorias pedagógicas desenvolvidas por Piaget. Ele não tinha o dom para ensinar, não considerava-se um “educador de profissão” (PIAGET, 1973, p. 34).
A partir deste desabafo de Piaget, percebe-se que, para ele, o homem não é educado pela sociedade, como defendeu Marx em sua terceira tese sobre Feuerbach!
De acordo com Snyders:
Uma verdadeira sabedoria exige uma orientação para elementos só alcançáveis a mercê de pensamentos sutis: trabalho assalariado, capital, troca, divisão de trabalho – sem o que a noção de classe, a separação em classes, nem sequer pode ser posta. A sabedoria exige uma combinação de perspectivas: o concreto da ciência é um resultado, torna-se concreto como recompensa de um longo processo, só é concreto “por ser a síntese de múltiplas determinações" (1981, p. 255).
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Notas:
[1]“Aluno” significa aquele que não tem luz própria e é iluminado pelos conhecimentos vindos de fora, pelo
professorado.
[2] Sobre estas ironias e uma visão determinista de educação, ler o artigo de Paulino José Orso, chamado “A educação na sociedade de classes: possibilidades e limites”, disponível pela internet e em livro. Entre os pontos altos desta produção científica está a definição de educação pelo autor: “a forma como a própria sociedade prepara seus membros para viverem nela mesma.” (ORSO, 2013, p. 50).
REFERÊNCIAS:
BECKER, Fernando Becker. Educação e construção do conhecimento. 2ª Ed. Porto Alegre: Penso, 2012.
ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria. Educação e luta de classes. São Paulo, Expressão Popular, 2013.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1973
SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª Ed. Lisboa: Moraes, 1976.
Fábio Melo. Membro
Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata.
Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América
(América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa
"História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre
educação, cultura e política.
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Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w.
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Excelente !
ResponderExcluirGrato pela leitura e pelo elogio, Carol!
ResponderExcluirPara comparar História com matemática corretamente, antes é preciso conhecer as duas na mesma medida. Seu texto foi bem organizado, mas está muito dirigido a quem está deslumbrado com História. Amigo, seu texto não fará tanto sucesso, porque você não tem autoridade em matemática para falar dela. Opinião extremamente limitada. Valeu a intenção, você chega lá! Se estudar sobre o que vai falar, é claro!
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