LUIZ GONZAGA DAS VIRGENS (Verbete)

Grandes movimentos sociais, onde o povo não foi apenas mero protagonista, merecem ser enfatizados. Por isso, complemento o valioso resgate que o GEA Cipriano Barata há algum tempo já tem realizado sobre a Conjuração Baiana, também conhecida como a Revolta dos Alfaiates ou Revolta de Búzios. Dada a sua relevância que em nada fica a dever ao movimento inconfidente de Minas Gerais (a Inconfidência Mineira). 

Justamente como o historiador Fábio Melo já escreveu em um dos seus verbetes, em setembro de 2015, que “Diferente da inconfidência mineira, que contava com um setor social mais elitista, a 'Revolta dos Alfaiates' (…), em Salvador, contou com uma ampla adesão popular (...)” (sem negrito no original). Sendo que o movimento de Ouro Preto até hoje tem uma presença muito maior na história do Brasil que se estuda tradicionalmente.

Logo, creio que entendam o porquê de minha escolha pelo soldado baiano Luiz Gonzaga das Virgens (1761-1799) definido como aquele que “não podia suportar em pás a diferença de condições e desigualdade de fortuna”, considerado “hum dos Chefes principais” da revolução baiana.

Responsabilidade esta, sobre a qual não se esquivou, mesmo ela lhe causando a sua execução por enforcamento em 08 de novembro de 1799, junto com outros três colegas dentro do movimento. Tendo todos os quatros seus corpos esquartejados e suas cabeças expostas ao público, além da posteridade, de suas três gerações seguintes de familiares, discriminada pela memória amaldiçoada publicamente. Fim que pode se perceber ter sido muito parecido com o de Tiradentes, contudo, sendo de pouco conhecimento público a heroica ousadia baiana.

Certo, mas então, quem era este Luiz Gonzaga das Virgens? Mulato, neto de escrava, nascido na capital baiana. Aos 20 anos de idade entrou para a força pública, sendo destacado para servir na Companhia de Granadeiros do 1º Regimento. Espaço aonde ele logo irá se mostrar um constante inconformado com a ordem imposta, vindo desertar do exército várias vezes (em 1786, retornando quatro anos depois; depois em 1790, quando recebeu o perdão governamental; e por fim em 1791).

Monumento dedicado a Luiz Gonzaga das Virgens em Salvador

Neste último episódio conheceu um comerciante português letrado, chamado Manoel João da Silva, que lhe ensinou latim e rudimentos de cirurgia. Sendo que no ano seguinte, em 1792, ele é preso, recebendo a condenação de seis anos de trabalho forçado. Contexto no qual Luiz Gonzaga se viu cada vez mais isolado dos companheiros de caserna, passando por algumas fases místicas, onde começa a participar das reuniões secretas que originariam a Conjuração Baiana.

Empolgado com as ideias de liberdade e maior justiça social do pensador Cipriano Barata, Luiz Gonzaga se decidiu por juntar forças com os idealistas que visavam à emancipação de sua terra sob o já insuportável jugo colonial português. Ocorrendo que, todavia, ao lado de outros membros do movimento, o ingênuo Luiz, infelizmente, se precipitou.

Quando no dia 12 de agosto de 1798 ele fora às escondidas afixar panfletos em pontos movimentados da cidade, como as esquinas da Praça do Palácio (atual Praça Tomé de Souza); das Portas do Carmo, no Carmo; do Açougue da Praia, no bairro da Conceição da Praia; da Igreja da Sé (hoje Praça da Sé) e da Igreja do Passo, na subida da Ladeira do Carmo. Panfletos que difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de "abomináveis princípios franceses". 

Proclamando que já “está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”; … “Homens o tempo é xegado para vossa ressurreição, sim para que ressuscitareis do abismo da escravidão, para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdade”. O que, sem querer, acabou por alertar as autoridades que, de pronto, reagiram, iniciando uma investigação sobre os possíveis suspeitos. Na qual o mulato Domingos da Silva Lisboa foi o primeiro preso.

O que não impediu que 10 dias depois, em 22 de agosto, novos boletins fossem distribuídos. Desta vez, jogados por debaixo das portas da Igreja do Carmo. Reincidência que levou os repressores a intensificarem as buscas pelo autor destes textos. Decidindo por comparar a grafia dos possíveis envolvidos. 

Concluindo assim que Luiz Gonzaga, um soldado conhecido por sua insubordinação ante a hierarquia imposta, fora de fato o redator de tais panfletos. Graças a uma carta sua em que, anos antes, ele fizera um pedido de promoção em sua função carreira (que, aliás, ele não recebeu). De modo que a reação se fez rápida, tornando o bravo soldado a voltar para a prisão.

Todavia, não tendo sido abandonado pelos seus companheiros. Que, no dia seguinte, realizaram a primeira de duas reuniões onde decidiriam como libertar a Luiz e, também de que modo eles iriam iniciar um levante armado. Contudo, no segundo encontro, realizado no dia 25, eles foram delatados por três colegas desta reunião. O que levou, ao fim de tudo, à detenção de todos os 41 envolvidos nesta organização.

De modo que com os principais líderes agora presos, o movimento não chegou a se concretizar de fato, tendo sido totalmente desarticulado. Mas que, a despeito disso, não pode ter negado os seus méritos que o tornam mais relevante que a Inconfidência Mineira. 

Visto que além da, já mencionada, participação de elementos populares, a Revolta dos Alfaiates igualmente permitiu a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, Luiza Francisca de Araújo, Lucrécia Maria Gercent e Vicência; também valendo menção sobre a sua (talvez possível) proposta de abolição da escravatura (que não era unânime entre todos os revoltosos).

Terminando assim o pobre soldado, de modo muito semelhante a uma das cenas finais do filme “Coração Valente” onde o patriota escocês William Wallace (1270-1305) retratado pelo ator Mel Gibson, bravamente enfrenta seu destino. Quando ao lado do colega João de Deus, Luiz Gonzaga foi conduzido para a Praça da Piedade em palanquins, sem cortinas ou tampas, para que toda a cidade os pudesse ver manietados por grilhões presos aos encostos das cadeiras. 

Ocorrendo que após o enforcar e o esquartejar, sua cabeça e mãos (tal qual a de seus outros três companheiros que tiveram somente a cabeça retirada) ficaram expostas na própria forca da Praça da Piedade. Como forma de melhor amedrontar aos possíveis imitadores. 

Lá ficando por cincos dias. Até que a Santa Casa de Misericórdia, devido ao intenso mau cheiro da putrefação, recolheu os restos mortais destes executados, sepultando-os em lugar até hoje desconhecido. 

Compondo deste modo, um espetáculo de terror público em retaliação à coragem de alguns bravos em prol de uma sociedade menos injusta. Preferindo morrer de pé a ter que ter que continuar a viver de joelhos sobre a prepotência colonial. Derrotados, mas não destruídos, em vista do seu legado que a História constantemente rememora.

                           
Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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