A FANTÁSTICA CIVILIZAÇÃO DO BARRO: os marajoaras

Se perguntarmos à maioria das pessoas, que populações habitavam o Brasil pré- colombiano, a resposta mais comum será a de que populações primitivas como os tupis- guaranis e os gês. Nada mais do que povos nômades, sem qualquer organização social complexa ou considerável desenvolvimento material.

De modo que dificilmente podemos esperar que, as pessoas em geral, sequer cogitem a existência de alguma civilização indígena no Brasil, apesar do fato de que já foi provada a existência destas em nosso país.

Claro que, até onde a nossa arqueologia sabe, não é nada que se compare à civilização asteca ou o império Inca. Até onde se sabe, vale ressaltar. Mas de qualquer modo, já houve sociedades complexas dentro deste Brasil já antes de Cabral, merecendo serem elas mencionadas.

Cerâmica marajoara

Uma das quais foi a civilização Marajoara, localizada nesta ilha do Marajó (no norte do estado do Pará), entre os anos 400 e 1.400 d.C. A qual, talvez, você já possa ter ouvido falar ou visto alguma menção (por causa da cerâmica marajoara). Que, a despeito das relativas, poucas referências que deixaram para a posteridade, revelaram habilidades artísticas altamente sofisticadas, como pode se conferir acima.

Que já começava pela escolha da matéria-prima, fazendo a argila ser misturada com uma combinação de cascas de árvore e areia, antes de cozinharem, dando a ela uma composição diferente. Seguindo-se então pela variedade de objetos desenvolvidos: vasos, urnas funerárias, estatuetas, chocalhos e enfeites para o corpo.

Em todas estas havendo padrões que refletem uma divisão desta sociedade que as produziu em vários subgrupos. Por exemplo, em algumas obras predominando os relevos; ao passo que em outras, a pintura. Destacando que além de formas femininas, há muitas representações de escorpiões e lagartos estilizados.

Ao passo que observando as urnas funerárias em que eram sepultadas as mulheres, pode se notar que aparecia nelas uma série de desenhos, que por sua vez são ausentes nas urnas masculinas.

O que sugere, junto com essa forte presença de elementos femininos em sua ornamentação (que as já mencionei anteriormente) que toda a organização dessa sociedade se dava pelo matriarcado. O que pode ser explicado pela pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnografia da USP, Cristina Demartini ao afirmar que “Enquanto os homens saíam para caçar, as mulheres comandavam a vila”, mantendo a ordem, administrando seus problemas cotidianos.

Ocorrendo que a diferenciação em classes, não se restringia aos sexos. Não mesmo! Porque há muito mais desdobramentos nessa organização que, assim, é difícil chamá-la de primitiva.

Afirmação que pode se concluir com base na uma descoberta de um artefato cuja originalidade até este momento se crê que era exclusiva destes marajoaras: tangas de barro. Que eram produzidas na forma de um pequeno triângulo de argila ornamentado que, preso ao corpo, encobria a região genital. Certo, mas o que elas nos revelam sobre a diferencial social comentada?

Bem, de acordo com a arqueóloga Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará esse “biquíni” marajoara que era atado com fios à cintura, possuía cores e padrões que determinavam a idade e a classe social da mulher, sendo que as mais velhas usariam tangas vermelhas, ao passo que as mais jovens usariam peças de cor branca.


Tanga de barro marajoara

Havendo também oportunidade gerada por esta cerâmica para destacar como a sua diversidade de padrões evidencia uma divisão de trabalho, onde haveria aqueles que se ocupariam exclusivamente com este oficio. Pois somente desse modo haveria tempo para se ocupar com a cuidadosa (e demorada) elaboração destas peças. Algo somente possível, por sua vez, quando há um excedente na produção de alimentos, permitindo que nem todos vivessem constantemente em função da obtenção destes.

Sendo que além da cerâmica, uma grande organização entre este povo pode ser percebida por meio dos enormes morros artificiais chamados tesos, para abrigar suas casas.

Obra que se deveu ao ambiente extremamente inóspito: muito quente e úmido, sujeito a constantes enchentes e com solo pobre. Tanto que esta pobreza do solo pode ter sido a causa de uma série de períodos de forte carência alimentar que foram dizimando a comunidade. Por mais que a possibilidade de extermínio por guerras diante de populações mais fortes (e primitivas) não pode ser descartada.

Somente uma dentre outras dúvidas que esta civilização rudimentar nos inquieta. Dividindo espaço com outras questões como a imensa gama de símbolos que ilustra esta cerâmica. Se fazendo mais aceita neste momento a possibilidade de que esta simbologia seria fruto das experiências religiosas influenciadas pelo consumo de bebidas alucinógenas para evocar aos seus deuses.

Tal como que outros itens elaborados podem estas pessoas ter produzido, contudo, não tendo como sobreviver à ação do clima quente e úmido, como trabalhos em madeira, por exemplo. Quem sabe?

Havendo unicamente a certeza de duas coisas: Uma de que a quente, equatorial, alagadiça e fechada região Amazônica nunca foi, como há muito tempo se pensava, um espaço inviável ao desenvolvimento de grandes sociedades. Os mil anos, em que se sustentou esta fascinante civilização, provam isso.

A outra de que nossos indígenas alcançaram níveis de desenvolvimento muito além do senso comum que se criou sobre eles. Restando a nós simplesmente a coragem de querermos descobrir mais e assim podermos nos surpreender cada vez mais com o que pode estar por ser revelado.



Áudio e Vídeo




Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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