BRASIL HOLANDES – VERBETE AMERICANISTA

O primeiro livro com conteúdo marxista brasileiro para Edgard Carone foi “A revolução russa e a imprensa”. Este, um pequeno livro de 16 páginas de autoria de Astrojildo Pereira. Carone era um colecionador de livros, frequentador de sebos na Praça da Sé em São Paulo, e um historiador dedicado na interpretação da república brasileira.

Aliás, bastante polêmico, embora com escrita narrativa. Dado como o seu estilo era bruto, sem rodeios e teorizações. Recusava participar de falsos debates acadêmicos. Toda a sua vida foi voltada para a leitura, mas não deixava de militar à esquerda. Quando faleceu foi homenageado pelo PT e pelo PCB. 

Por outro lado, ele também era acusado pelos universitários de ser um autor tradicional, devido as cronologias políticas que divulgava. Percebia que “a História não se repete exatamente como no passado”. Estava certo, como as duas invasões holandesas no Brasil nos mostram.

Logo, claramente injustiçado o bibliófilo marxista Edgard Carone, pois estava correto ao usar a cronologia e as narrativas. Deste modo enfatizando as práticas antes das teorias. Dizia, ironicamente: "Eu sou um velho marxista e vou ficar no que sei”. E assim que a partir de seus apontamentos, vamos lançar um breve olhar sobre o chamado Brasil Holandês (ocorrido nos períodos entre 1624-1625 e 1630-1654).

Sim, a Holanda invadiu o Brasil Colonial duas vezes e com resultados bem diferentes. Sobre as quais, antes de nos apoiarmos em Edgard Carone, vamos ver o que o mestre Gilberto Freyre escrevera sobre esses fatos de nossa História:

Com o domínio holandês e a presença, no Brasil, do conde de Maurício de Nassau [...] o Recife, simples povoado de pescadores em volta de uma igrejinha, e com toda a sombra feudal e eclesiástica de Olinda para abafá-lo, se desenvolvera na melhor cidade da colônia e talvez do continente. Sobrados de quatro andares. Palácios de rei. Pontes. Canais. Jardim Botânico. Jardim zoológico. Observatório. Igrejas da religião de Calvino. Sinagoga. Muito judeu. Estrangeiros das procedências mais diversas. Prostitutas. Lojas, armazéns, oficinas. Indústrias urbanas. Todas as condições para uma urbanização intensamente vertical. Fora esta a primeira grande aventura de liberdade, o primeiro grande contato com o mundo, com a Europa nova- burguesa e industrial- que tivera a colônia portuguesa da América, até então conservada em virgindade quase absoluta. Uma virgindade agreste, apenas arranhada pelos ataques de piratas franceses e ingleses e pelos atritos de vizinhança e de parentesco, nem sempre cordial, com os espanhóis. (MELLO, 2010, p. 5)


As duas invasões holandesas culminaram na tomada da região brasileira pela WIC- Companhia Holandesa das Índias Ocidentais- em guerras pelo açúcar e também pela autonomia política enquanto a Holanda era colônia da Espanha. O mercado de açúcar no nordeste e os conflitos entre os estados europeus foram, portanto, o que trouxeram os holandeses para as costas brasileiras.

Invasões holandesas que, como já foi mencionado antes, aconteceram de 1623 até 1654. Durante a luta pela emancipação da Holanda então sob o domínio espanhol (Guerra dos Oitenta Anos que dura de 1568 a 1648). E que, como uma consequência disso, houve bloqueio econômico dos domínios espanhois sob o reinado de Felipe II aos holandeses. 

Veja no mapa o que foi a União Ibérica

Ou, melhor dizendo, dos territórios espanhois e portugueses. Já que Felipe II, desde 1580 passara a reinar também em Portugal, através da chamada União Ibérica. Esta, uma união pessoal (que é uma associação de estados que tecnicamente continuam independentes entre si, apesar de serem regidos por um único soberano).

Nisso, o espanhol Felipe II rompeu a longa parceria dos holandeses com Portugal no comércio do açúcar brasileiro. O que obrigou esses primeiros a buscarem novos territórios para compensar suas perdas.

Vale aqui um parêntese. Os livros de História os chamam de holandeses, mas na verdade teríamos de lhes chamar neerlandeses. Desde a sua emancipação faziam parte da República das Províncias Unidas dos Países Baixos. 

A qual, paralelamente a sua luta pela independência, também acabou se envolvendo na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Um dos conflitos mais traumáticos do século XVII na Europa, gerado entre outras razões pelas divergências entre nações católicas e protestantes. 

Embate que igualmente fragilizara a todo o império colonial da Espanha. Legando ao rei Felipe IV (neto de Felipe II, morto em 1598) um enorme desgaste em combater as constantes investidas de seus maiores inimigos então nessa Guerra dos 30 anos (Inglaterra, França, além desses Países Baixos) sobre seus domínios.

Todos esses acontecimentos reunidos acabam se refletindo no processo que gerou os ataques neerlandeses ao Brasil Colonial. Foi quando o Nordeste, insurgente e brasileiro, por três décadas foi dominado pelos neerlandeses.

Nas vésperas da primeira invasão neerlandesa no Brasil Colonial, o governador geral do Brasil era Diogo de Mendonça Furtado. Ele foi avisado com antecedência da chegada dos flamengos (neerlandeses) e procurou arregimentar tropas para a defesa. Uma espera longa e cansativa. 

Já que depois de quatro meses de espera, a armada neerlandesa ainda não havia chegado. Então tudo voltou ao normal no Recôncavo Baiano. Por isso que na data de 8 de maio de 1624, a população em Salvador foi pega de surpresa e no dia seguinte esses invasores bombardearam a cidade.

O resultado era óbvio: todos entraram em pânico, deixando a cidade deserta para o saque europeu. Somente o governador esperou pelo inimigo, disposto a morrer ao invés de abandonar seu posto. O que não chegou a acontecer, pois ao ser preso foi enviado para a república neerlandesa.

Resistência deste governador que, todavia, não foi em vão. Seu exemplo inspirou o bispo da capital (Salvador) D. Marcos Teixeira a continuar a luta. Agora através da guerrilha, ou “guerra brasílica”. Quando portugueses e brasileiros de modo eficaz surpreendiam em emboscadas aos invasores. Ainda que isso não tenha sido tudo.

Não mesmo. Pois houve muito mais elementos nesta trama. Tropas pernambucanas e da Espanha vieram em reforço. A guerra, logo, foi violenta. Disse um historiador que “durante vinte e três dias não se passou um quarto de hora, de dia nem de noite, sem se deixar de ouvir estrondo de bombardeios, esmerilhas e mosquetes de parte a parte”. 

Além disso, vale destacar que um total de 52 navios de guerra, com 1.185 peças e 1.2563 da armada luso-espanhola atuava desde 22 de março de 1625. Foi assim que em maio desse mesmo ano, por toda essa combinação de forças, que os neerlandeses foram expulsos do Brasil pela primeira vez.

Contudo, como disseram (em 1632) ao rei Felipe IV: o Brasil era “o melhor e mais substancial” de sua monarquia e “por esta razão, mais apetecido dos inimigos dela (...)”, segundo Pedro Calmon. Por isso que depois de fracassada a invasão na Bahia, tomam Pernambuco em 1630 e instalam em Recife a sede de seu governo. 

A invasão acontecera novamente, mas com resultados diferentes. Começa assim a história da chamada Nova Holanda, que chegou ao seu ápice com a vinda do conde João Maurício de Nassau em 1636. Que, dentre outros destaques, incrementou a economia açucareira local, ao introduzir métodos aperfeiçoados de cultivo da cana-de-açúcar e do fumo. No interior, adquiriu engenhos abandonados. Ao mesmo tempo em que concedeu empréstimos aos senhores de engenho e investiu em infraestrutura na então Cidade Maurícia (a atual Recife), sua capital.

Paralelo a isso foi concedida liberdade religiosa pela primeira vez na História do Brasil. Pernambuco se tornou uma mistura de pessoas e culturas, com holandeses calvinistas, portugueses católicos, indígenas e negros africanos. Judeus mediavam o comércio entre luso-brasileiros e holandeses. Artistas e cientistas, como Franz Post, George Marggraf, dentre outros, seguiram o convite desse visionário (para muitos) Maurício de Nassau. 

Ainda que as classes dominantes locais, conservadoras, se fechassem a tudo dos holandeses, como língua, religião e república. Mas, a despeito disso, não iria demorar para que os luso-brasileiros, endividados, apoiassem cada vez mais a Companhia Holandesa. Isto é, enquanto ela, por meio de Nassau, promovesse uma politica conciliadora.

Bandeira da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou WIC – Fonte – http://www.forum-numismatica.com/viewtopic.php?f=48&t=81940&mobile=on

Por outro lado, um expansionismo agressivo destes mesmos neerlandeses que continuaram anexando: em 1634, a Paraíba; em 1637, o Ceará; em 1641, Sergipe e Maranhão. Assim como a escravidão foi mantida. Além disso, a tolerância promovida não pode ser confundida com integração, confraternização. E sim, “cada um no seu quadrado”. 

Isso porque pouco foi feito por parte dos holandeses para desfazer realmente as desconfianças de cada grupo, dentro da colônia, em relação aos demais: índios, negros, luso-brasileiros e holandeses. E as mudanças que os livros tanto destacam, tiveram lá o seu o preço. Por causa de muitas delas que Nassau chegou a desagradar seus superiores na Companhia das Índias Ocidentais. Já que estes esperavam que ele simplesmente lhes promovesse maiores ganhos financeiros e nada mais. 

O que fez com que, em 1644, ele fosse demitido pelo governo holandês. E imediatamente os novos administradores holandeses passam a agir em função destes tão ansiados lucros, custando o que fosse necessário para isso, sem pudores. Daí um grande aumento nos impostos. 

A ocupação agora cada vez mais ávida e destemperada foi gerando revolta entre os pernambucanos. Com o apoio de Portugal, os colonos brasileiros, ao lado dos indígenas e dos negros iniciam uma difícil guerra de expulsão dos holandeses. Fazendo com que, após 09 anos de guerra (1645-1654), cheguasse ao fim o chamado Brasil Holandês. 

"E, tal como seus antecedentes foram os mais diversos, seus desdobramentos não foram menos amplos. Uma mentalidade menos conformista se criou com isso. Uma vocação revolucionária entre os pernambucanos que, a partir de então, se puseram a frente de vários levantes contra os abusos das autoridades. Tanto as coloniais como também depois (com a independência formal do Brasil em 1822) do Império brasileiro que se seguiria. "

Em vista de que o maior esforço para expulsão holandesa partiu dos próprios pernambucanos. Por essa razão que eles tomaram consciência de sua força, não aceitando mais a sujeição conformada ainda dominante nas demais capitanias do Brasil. 

Assim como outros aspectos valeriam a pena ser levantados, como o fato incontestável da participação de negros e indígenas como agentes decisivos nestes acontecimentos de reação aos neerlandeses. Cabendo assim terminar essa análise citando, como uma curiosidade a mais, as principais batalhas deste movimento que foram as de Monte Tabocas em 1646, Guararapes em 1648 e de Campina do Taborda em 1654.



Referências

CALMON, Pedro (org.). História do Brasil. Enciclopédia Delta Larouse. Volume 02. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1968.
MAIOR, Armando Souto. História do Brasil para o curso colegial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
MELLO, Evaldo Cabral de (org.). O Brasil holandês. São Paulo: Penguin Classics, 2010.PERICÁS, Luiz Bernardo. SECCO, Lincoln. Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014. 


Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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