O sistema mundo capitalista, depois da crise dos subprimes em 2008, tenta, através de governos e pseudo-autoridades dos organismos paraestatais como FMI e Banco Mundial, consolidar o neoliberalismo nos países periféricos – como os da nossa América Latina.
No caso específico do Brasil, esta consolidação do neoliberalismo seu deu em 3 etapas distintas, que se sucederam com o fim do regime ditatorial, inciado com o golpe de 1964. A primeira etapa, que ficou cristalizada com a Constituição de 1988 foi a etapa dos “ajustes iniciais”, cujas características são: adoção de um monetarismo baseado em “contenção” (de investimentos públicos) e estabilização da inflação, adesão ao Consenso de Washington, incentivos a privatizações (Plano Nacional de Desestatização). O ex-presidente Fernando Collor representou este início. Mais tarde com o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) o plano neoliberal para o Brasil seguiu na sua segunda fase. Desta vez as privatizações se intensificaram. Empresas com a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional foram privatizadas. O povo brasileiro ficou sem seu patrimônio. Não foi a toa que FHC disse certa vez que iria “acabar com a Era Vargas”. Após os oito anos de governo FHC se elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, que mesmo pertencendo ao Partido dos Trabalhadores, decidiu-se por manter o neoliberalismo no Brasil, inaugurando a terceira fase deste processo, cujas características são: terceirização em massa, incentivos ao capital financeiro e especulativo (apoio aos banqueiros: vale lembrar que Henrique Meirelles, deputado do PSDB, um autêntico Chicago Boy, foi indicado por Lula para o Banco Central) e ausência de grandes reformas estruturais. Lula fez sua sucessora, Dilma Rousseff, que manteve a mesma política neoliberal. Até que em 2016 a presidenta foi vítima de um golpe parlamentar-midiático que a impediu de continuar o mandato e pôs em seu lugar o vice Michel Temer (PMDB). Como os governos petistas conciliavam com a direita, empurraram esse golpe ao optarem por colocar como seu vice quem hoje eles acusam de golpista. Mas independente do nome que seja dado a subida ao poder máximo na política brasileira – e isso é o menos importante – chamamos a atenção para a terceira fase do neoliberalismo no Brasil, aonde Lula, Dilma e Temer estiveram, como estão, integrados. Afinal, partidos ligados ao governo deposto fizeram coligações com PMDB nas mais recentes eleições municipais, além de outros conchavos conhecidos por todos.
Este não tão novo cenário, com Temer na presidência, inaugura mais uma fase do avanço neoliberal. E a Reforma (Anti)Trabalhista é o episódio mais sinistro que se desenha. Se por um lado os governos petistas de Lula e Dilma não conseguiram levar a diante esta reforma, que tem por único objetivo acabar com a CLT, agora com Temer esta pauta volta pro centro do debate nacional. Curioso perceber que o próprio Lula, em 1989, já defendia uma das pautas desta antirreforma: o acordado sobre o legislado – ou seja, o trabalhador pode “optar” por negociar com o patrão horas de trabalho, intervalos, férias etc; quem você acha que tem mais vantagem ao negociar, o patrão ou o trabalhador que necessita vender a sua força de trabalho e ser explorado para se sustentar e sobreviver? Aí que entra mais uma perversidade desta antirreforma: o fim dos Tribunais do Trabalho, que são uma garantia ao trabalhador e até mesmo para empregadores.
“Os acordos coletivos de trabalho definidos entre as empresas e os representantes dos trabalhadores poderão se sobrepor às leis trabalhistas definidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 11 pontos específicos, que dizem respeito a jornada de trabalho e salário. Não podem ser alteradas normas de saúde, segurança e higiene do trabalho. Não podem mexer também no pagamento do FGTS, 13º salário, seguro-desemprego e salário-família, que são benefícios previdenciários, bem como o pagamento da hora-extra de 50% acima da hora normal, a licença-maternidade de 120 dias e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. A possibilidade de acordos trabalhistas terem força de lei recebe críticas de alguns setores por, em tese, permitir a redução de direitos assegurados nas leis trabalhistas”.[1]
A legislação trabalhista no Brasil é obra das lutas dos trabalhadores urbanos e rurais junto com os governos trabalhistas de Getúlio Vargas e depois João Goulart. Foi em 1943 que as leis trabalhistas que vinham sendo aplicadas foram reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os governos posteriores a Vargas, tentaram de todas as formas acabar com a CLT. Por exemplo o Fundo de Garantia por Tempo de serviço (FGTS) que foi posto em prática pela ditadura instaurada em 1964 para acabar com a estabilidade no emprego. Mesmo com estes ataques, a CLT continua vigorando, até quando não se sabe. É importante enfatizar que os ditadores de 1964 não foram tão incisivos contra a CLT como está sendo o (des)governo Temer.
A CLT que os governantes neo liberais querem destruir foi criada durante a Era Vargas |
Vejamos os 11 pontos da (anti)reforma:
“Férias: O governo propõe o parcelamento das férias em até três vezes, com pagamento proporcional aos respectivos períodos, sendo que uma das frações deve corresponder a ao menos duas semanas de trabalho.
Jornada de trabalho: A jornada de trabalho poderá ser diferente de 8 horas diárias e 44 horas semanais. O limite diário, no entanto, é de 12 horas diárias e de 220 horas mensais.
Participação nos lucros e resultados: O acordo coletivo pode definir as regras para a participação nos lucros e resultados, incluindo parcelamento no limite dos prazos do balanço patrimonial e/ou dos balancetes legalmente exigidos, não inferiores a duas parcelas.
Jornada em deslocamento: Trabalhadores que vão e voltam ao emprego em transporte oferecido pela empresa têm esse tempo de deslocamento contabilizado como jornada de trabalho. Pela proposta, um acordo coletivo pode mudar isso.
Intervalo entre jornadas: Hoje, o tempo de almoço, por exemplo, é de um hora. Pela proposta do governo, esse tempo poderia ser diferente. O intervalo entre jornadas tem que ter um limite mínimo de 30 minutos.
Fim de acordo coletivo: A Justiça decidiu que quando um acordo coletivo estava vencido, o último acaba valendo. O Supremo Tribunal Federal, porém, reviu essa decisão. A proposta do governo prevê que as partes podem concordar com a extensão de um acordo coletivo após sua expiração.
Programa de seguro-emprego: Trabalhadores e empregadores, de acordo com o projeto de lei, deverão decidir juntos sobre a entrada no Programa de Seguro-Emprego (PSE).
Banco de horas: As negociações em relação a banco de horas ficarão nas mãos das partes, de acordo com o projeto de lei. No entanto, fica garantido o acréscimo de 50% no valor pago pela hora extra.
Remuneração por produtividade: A remuneração por produtividade será decidida também em acordo coletivo.
Trabalho remoto: Cada vez mais comum, as regras sobre o trabalho por telefone, internet e smartphone, por exemplo, ficarão nas mãos de trabalhadores e empregadores, de acordo com o projeto de lei.
Registro de ponto: A forma de registro e acompanhamento de ponto pode ser definida em acordo coletivo. Isso flexibiliza, por exemplo, a exigência de ponto eletrônico.”[2]
O presidente Temer, ilegítimo para alguns e golpista para outros mas impopular para a maioria dos brasileiros, pretende ainda fazer uma reforma nos sindicatos para enfraquecê-los; para impedir que tenham voz as entidades com pouca representatividade, na mesma direção da sua reforma nos partidos políticos vigentes no Brasil. Temer tem se mostrado um defensor proselitista dos interesses dos empresários, fazendo avançar com alta velocidade o neoliberalismo no nosso país.
Charge sobre Temer, inimigo dos trabalhadores brasileiros |
Se o mundo do trabalho mudou, concordamos que as leis trabalhistas também têm que mudar. Mas é preciso acrescentar mecanismos à CLT com mais direitos aos trabalhadores e não rasgá-la. É preciso incluir na CLT, por exemplo, a diminuição de horas de trabalho (de 8 para 6); compatibilizar o FGTS com a estabilidade do emprego, evitando a rotatividade de mão de obra; negociações entre empregados e empregadores junto aos Tribunais do Trabalho, jamais sobre o que está previsto na legislação, e é urgente consolidar a proibição de acúmulo e desvio de funções.
Notas:
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
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Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
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