Nos comente sobre sua formação acadêmica, profissional e militância.
Sou formado em História pela UFMG, especialista em História de Minas Gerais pela UFSJ, mestre em História pela UFJF onde atualmente também faço doutorado. Tenho uma experiência de vários anos lecionando, em escolas particulares, públicas, mas sobretudo em pré-vestibulares. Na minha experiência profissional é interessante destacar a organização da Escola Operária, um pré-vestibular ligado aos Sindicatos de São João Del Rei, que foi uma rica experiência de escola democrática. Como pesquisador me tornei um historiador da imprensa do século XIX, à qual me dediquei na especialização, no mestrado e agora no doutorado.
Comecei a militar ainda no ensino médio, participando da segunda criação da UMES de São João Del Rei, em 1993. Em 1994 eu estava já na UFMG e ingressei no PCdoB. Era a época de João Amazonas, era outro PCdoB, e eu aprendi muito. Escrevi sobre essa experiência de militância na UFMG o livreto “Reflexões sobre 5 anos de política estudantil”, do qual atualmente não tenho exemplares, mas que pode ser encontrado na Amazon. Nele eu tento compreender, entre outras coisas, a relação dialética entre o “aparelhismo” e a degeneração de partidos de esquerda, que assisti pessoalmente.
De volta a São João Del Rei, a própria criação da Escola Operária foi um trabalho militante. Colaborei o que pude com os movimentos sindical e estudantil. Na UFSJ ajudei a formar a chapa Kamikaze, que mudou o estatuto do DCE após vencer em 2004, colocando em prática um dos planos do livreto “Reflexões”, acima citado. O novo estatuto, de minha lavra, entregou o DCE aos Centros Acadêmicos, que na UFMG chamávamos Conselho de CAs, que na UFJF se chama CONCADA, e que na UFSJ se chama CEB, Conselho de Entidades de Base. O CEB continua na direção do DCE-UFSJ até hoje! É uma experiência riquíssima, sobre a qual existem diversos artigos no blog São João Del Pueblo.
No mesmo ano de 2004 saí do PCdoB. Eu imaginava que minha defesa e prática a favor das entidades de base tomarem os DCEs, acabando com as eleições diretas de DCE, causasse conflitos dentro do PCdoB/UJS, mas fato é que o motivo de minha saída foi outro, uma eleição municipal! A direção estadual do PCdoB, atrelada ao PT, queria que apoiássemos em São João Del Rei um candidato a prefeito do PSDB, porque o PT o apoiou. Nós do PCdoB de São João já tínhamos decidido que apoiaríamos um candidato a prefeito do PT, mas que se o PT se aliasse ao PSDB nós romperíamos e nos aliaríamos ao PMDB. O PT tinha apoiado o PSDB já por duas eleições municipais, e das duas vezes nós do PCdoB denunciamos esse apoio como contrário aos interesses políticos da Frente Popular. Não cometeríamos o mesmo crime. Já estávamos fazendo uma concessão, porque o PT tinha imposto seu candidato. Depois de chantagear toda a esquerda local para que aceitasse seu candidato, o PT traiu a todos e apoiou o PSDB! A direção estadual do PCdoB não permitiu nosso apoio ao PMDB, que então compunha a Frente Popular. Saímos todos do PCdoB, e se hoje existe um PCdoB em São João Del Rei é na verdade uma sigla do PT. Apoiei então publicamente o candidato do PMDB, subindo em seus palanques, e tentei ao mesmo tempo criar o MR8 em São João Del Rei, sem sucesso.
Meus camaradas não queriam o MR8, mas queriam uma organização. Em 2007 ingressei, com um grupo de camaradas ligados à experiência do poder das entidades de base no DCE, no PCB. Entramos com a condição de que essa política seria aceita e mesmo difundida dentro do PCB. Ao contrário de minha história no PCdoB, no PCB ela está bem documentada por anos de artigos no blog São João Del Pueblo. Fui candidato a Deputado Federal e a Vice-Prefeito de São João Del Rei pelo PCB. Conseguimos, manter, desde 2008, unida uma Frente de Esquerda em São João Del Rei, com PCB, PSOL, PSTU e Brigadas Populares, tendo a Consulta Popular participado as vezes, e pensa-se até em uma sede conjunta. Infelizmente, como se nota no blog citado, os conflitos entre os comunistas de São João Del Rei e a direção do PCB, assim como com militantes de outras cidades, foram constantes. Em 2010, durante minha candidatura a Deputado, eu queria defender a legalização da produção de maconha pelos usuários, e a direção estadual impediu. Quase todos os membros do Partido em São João Del Rei saíram em 2011, em grande parte porque nunca engoliram essa intervenção, mas também por não gostarem de outras limitações resultantes de uma versão deturpada de centralismo democrático. Em Abril de 2015, o São João Del Pueblo teve que parar de se identificar como um blog do PCB, por “pedido” da direção, visto que emitíamos no blog opiniões divergentes daquelas da direção. Ao longo de dez anos, todos os que tinham entrado no PCB comigo em 2007 já tinham saído, por diversos atritos internos.
Recentemente tu publicaste uma carta aberta explicando tuas razões acerca de tua saída do Partido Comunista Brasileiro. O que de fato aconteceu?
Na verdade, como se lê em minha carta de desfiliação, eu fui “convidado a me retirar”, ou seja, expulso. Minha saída do PCB já era previsível, faltando somente a gota d’água que ultrapassasse os meus limites ou os da direção. A gota d’água foi o artigo “Meu posicionamento pessoal a respeito de uma intervenção militar”. Contudo, eu já preparava as “Críticas às Resoluções do XV Congresso”, que virou minha carta de desfiliação, e que provavelmente resultaria no mesmo convite.
Como se nota nessa carta de desfiliação eu discordo do PCB até sobre o que é e como funciona o centralismo democrático, e sem ter unidade sobre esse ponto não é possível sequer trabalhar em conjunto. Discordo das táticas eleitoral, sindical e estudantil do PCB. Também discordo da análise de conjuntura em pontos fundamentais. Todos os problemas, contudo, são provenientes de não funcionar o centralismo democrático como funcionava entre os Bolcheviques. Sem o estímulo ao debate, às opiniões divergentes, não podem brotar no seio do Partido as táticas e estratégias realmente acertadas. A leitura de centralismo democrático reinante no PCB e em toda a esquerda brasileira é uma idéia anticientifica (portanto antimarxista) de unidade de posições. Os Bolcheviques só tinham unidade de ação, mas em seus jornais, até sob Stálin e durante a Segundo Grande Guerra, se constata as opiniões mais divergentes. Foi de um ambiente de profundos debates que surgiram as lideranças capazes de fazerem a Revolução.
Continuo, contudo, amigo e aliado do PCB. No que posso, ajudo os camaradas que ficaram no PCB em São João Del Rei. Acho que o PCB tem no momento um importante papel de formação marxista da juventude, que está ingressando nesse Partido.
Professor Alex Lombello Amaral |
Algumas pessoas que te acompanham nas redes sociais identificaram uma defesa tua da volta dos militares no poder. Essa interpretação é correta?
Eu não defendo a volta dos militares ao poder. O que eu defendo, como uma das possibilidades de avanço, é que os militares intervenham (contra a lei e não a pedido de um dos poderes) e convoquem uma Constituinte. Defendo isso exatamente porque acredito que os militares não têm condições de se manterem no poder!!! Não têm condições, não têm vontade, não têm apoio, não têm planos, não têm nem munição seja de tiro, seja de boca. Até seus efetivos são hoje menores, e sabem que não teriam apoio para se manterem como tiveram em 1964, nem interno, nem externo. Sabem também que a oposição seria gigantesca. Defendo exclusivamente nessa conjuntura! Não defendia sob o governo Dilma, e não defendo depois que as eleições presidenciais esquentarem em 2018. Isso não quer dizer que eu não prefira uma insurreição popular, por exemplo. Eu prefiro, sim! O regime de 1988, que eu conto como a 6ª República, está morto e apodrecendo, e quanto mais rápido nos livrarmos dele melhor.
A relação imediata que se faz entre os militares atuarem, darem um golpe, e se instalar uma ditadura militar é puramente emocional, um medo, um trauma proveniente de 1964. Contudo se observarmos toda a história do Brasil os militares atuaram várias vezes e nenhuma foi igual a outra. Quando ajudaram a derrubar Pedro I não ficaram no poder. Quando proclamaram a República entregaram logo o poder, apesar de existir todo um movimento pedindo que Floriano Peixoto, eleito vice-presidente e depois presidente pelo Congresso, muito popular (gerou o florianismo), ficasse na presidência. Em 1930 deixaram o poder com Getúlio e uma Constituinte. Em 1937 mais uma vez deixaram o poder para Getúlio. Quando derrubaram Getúlio em 1945 se contentaram com eleger, com apoio oficial de Getúlio, um presidente para um mandato. Foi só a partir de então que passaram a ter um projeto de poder, que resultaria em 1964. Contudo, antes disso, em 1955 deram um golpe para garantir a posse de JK. A experiência da ditadura de 1964 fez os militares abandonarem o projeto de poder que tinham, e agora, pelo contrário, é nítido que estão resistindo a intervir. O setor da sociedade onde menos se pede intervenção militar é o dos militares!
Comunistas não devem defender a estabilidade dos regimes políticos. Um golpe militar iniciaria um período de instabilidade, de crise, e eu suspeito muito de “comunistas” que defendem “a democracia” e a estabilidade. Deviam então demonstrar que Marx e Lênin estavam errados, ou que a realidade mudou ao ponto de tornar errado o que era certo.
Comunistas devem sempre estimular a participação política dos militares, mesmo porque não haverá Revolução sem eles, muito menos contra eles. São cidadãos como nós. Todas as Revoluções Socialistas que já aconteceram foi com a participação de muitos militares.
Quando cai um regime político e outro se inicia, são anos de instabilidade. Dificilmente os primeiros a tomarem o poder ficam até o fim do período de instabilidade. Dificilmente o que se propunha quando se derruba o regime velho é o que realmente resulta no regime novo. O regime novo acaba resultando da correlação de forças após alguns anos de luta de classes, ou seja, da opinião pública, pois ser mais forte é influenciar a opinião pública e vice-versa. Estamos no tempo da Internet, e uma Constituição surgida em nossos dias seria filha da Internet, não de generais. O general que hoje der um golpe será somente um instrumento da história.
Contudo, no mesmo artigo que pedi um golpe de força, lembrei que é necessário aos comunistas e à esquerda em geral ter planos para o caso das coisas saírem erradas, ou seja, se minha previsão estiver errada e a crise política da 6ª República resultar em uma ditadura de direita. O objetivo principal nesses casos, conforme Lênin e Fidel ensinam, é salvar o maior número de militantes! Para isso é importante ter planos e preparo. No Brasil temos estranhos “comunistas”, que defendem a estabilidade, “a” “democracia”, mas não têm nenhum preparo para o caso da “estabilidade” ruir.
Recentemente a revista Aventuras na História publicou comparações entre as ditaduras do Estado Novo e Civil-Militar, dando a entender que a primeira foi pior. Qual a tua opinião?
Comparar duas ditaduras é sempre somente um exercício, mas por isso mesmo interessante. O perigo de anacronismo é enorme! Pode-se comparar por diferentes aspectos, manipulando assim as conclusões.
Dito isso, para mim, a ditadura de 1964 foi muito pior para o país que o Estado Novo!
Quando me perguntam qual foi o melhor governo que o Brasil já teve, eu sempre respondo “Foi Getúlio Vargas, apesar de ter sido ladrão e assassino”, e acrescento que foi Getúlio Vargas por WO, porque todos os outros foram muito piores. Claro que contando todo o período Vargas e não somente o Estado Novo. Antes de Vargas o Brasil era simplesmente uma fazenda, uma grande plantação de café e cana. A Revolução de 1930 começou a industrializar o Brasil, usando a via prussiana de desenvolvimento, ou seja, forte atuação estatal, sobretudo criando empresas estatais.
Em outras palavras, Getúlio Vargas foi o melhor porque não seguiu as idéias econômicas liberais dominantes entre as elites brasileiras até hoje, a crendice do fracasso.
Claro que Getúlio também fez muita coisa errada, para não falar da repressão, das quais se destaca a intervenção nos Sindicatos, que nunca mais se recuperaram completamente. Os parasitas deixados por Getúlio nos Sindicatos e nos governos estaduais e municipais foram muito mais nocivos que o próprio ditador, e duraram muito mais que ele! Escrevi sobre Vargas o artigo “O retorno do esquecido Getúlio Vargas”, também no Del Pueblo.
A ditadura de 1964 foi um fracasso quase completo, ou melhor, só não fracassou naquilo que planejava fazer o contrário, ou melhor ainda, só deu certo naquilo que fracassou!
Me parece claro que a repressão de Vargas e da ditadura de 1964 foram muito diferentes. Vargas assassinava opositores políticos, provavelmente (no Rio Grande do Sul) desde antes de 1930. Já a ditadura de 1964 se dedicou desde o primeiro dia a assassinar, prender, deportar intelectuais em geral. Vargas matava para ficar no poder, já os assassinatos da ditadura de 1964 eram a finalidade em si. Os resultados também foram muito diferentes. Nenhuma das duas ditaduras conseguiu reduzir a popularidade das forças de esquerda, mas depois do Estado Novo existia um Partido Comunista não só organizado como razoavelmente bem dirigido. Ao final da ditadura de 1964 a esquerda brasileira estava decapitada. Mal do qual padece até hoje. Se o centralismo democrático entre nós é um mandonismo democratista, é porque “líderes” fracos, que não são líderes de verdade, não podem continuar “líderes” com um ambiente de debates impiedosos. Mas como não são líderes de verdade, não conseguem dirigir os partidos mesmo com autoritarismo, e as novidades da moda se impõem a eles e seus partidos, configurando o democratismo reinante. De certa forma é uma das piores heranças da ditadura.
Os golpistas de 1964 eram privatistas, mas ao final de 20 anos a ditadura tinha criado uma grande estatal em cada setor estratégico da economia, ou seja, os golpistas fracassaram, e isso deu certo. Os golpistas de 1964 eram retrógrados, moralistas, fanáticos religiosos, e ao final de 20 anos as mulheres estavam de fio dental nas praias, o divórcio virara lei, os homossexuais saindo dos armários, e carolice tinha virado piada, de forma que mais uma vez fracassaram para o bem da nação. Os golpistas de 1964, assassinos, tentaram aniquilar a esquerda fisicamente, e ao final de 20 anos, embora decapitada, a esquerda teve já em 1989 os melhores resultados eleitorais de sua história. Deve-se saber que nos vinte anos de ditadura as vagas em cursos superiores cresceram 10 vezes. Em São João Del Rei, minha cidade, foi durante a ditadura que surgiu o ensino médio público, pois antes só existia particular. Não criaram essa escola por bondade ou planos seus, mas por pressão dos pais. Também é necessário explicar que criaram empresas estatais e ampliaram a educação pública porque foram realistas e perceberam que não teriam tanques de guerra, aviões e outros brinquedinhos com seus planos originais privatistas.
Pena que em algumas coisas eles fizeram o que planejaram! Na economia o pior que fizeram foi desativar toda a malha ferroviária. Atribui-se esse crime a JK, mas esse não é um dos muitos dele, que não desativou nem 1 só metro de ferrovia. Foram os militares que jogaram todo seu privatismo frustrado sobre nossa malha ferroviária, com o estúpido argumento de que não dava lucros, como se o objetivo das ferrovias de um país fosse dar lucros.
Corruptas essas duas ditaduras foram. Regimes que cerceiam a transparência, e ou as opiniões (cerceiam-se sempre juntas) são fábricas de corruptos. Não só os chefes de Estado corrompem, mas até o empregado público da menor das Prefeituras fica livre para roubar. Hoje se sabe que o general Kruel foi comprado nos dias mesmo do golpe.
A Constituição de 1988 também é uma herança da ditadura de 1964, pois dois terços dos constituintes já eram deputados durante a ditadura. Não é a toa que a Assembléia Constituinte de 1986 a 1988 foi marcada por inúmeros escândalos de corrupção.
Também foi sob a ditadura de 1964 que o capital financeiro internacional recolonizou o Brasil, crime no qual JK teve grande parte e os governos posteriores à ditadura são todos mais culpados ainda, pois privatizaram as estatais criadas por Vargas e pelos militares. Hoje o Brasil está desindustrializado! Voltamos a ser exportadores de minério e produtos agropecuários, como uma boa colônia.
Para o professor, Getúlio Vargas foi o melhor presidente do Brasil, “por WO” |
Quais as tuas propostas de resoluções dos problemas brasileiros atuais?
Fidel Castro definiu Revolução como mudar tudo o que precisa ser mudado. Temos que mudar tanta coisa no Brasil que nem sei se uma só Revolução basta! Contudo, verdadeiros revolucionários também propõem reformas.
Precisamos ter ao mesmo tempo um programa revolucionário, socialista, um programa mínimo, para antes da Revolução, e propostas de reformas que nem servem para um programa mínimo.
A necessidade de um bom programa socialista
É necessário explicarmos ao povo o que é o socialismo que defendemos. A simples repetição de palavras, “socialismo”, “revolução”, não convence ninguém, porque não estamos vendendo porcarias na rua. É necessário explicar algumas coisas em detalhes e demonstrar outras!!! Ademais um programa socialista tem funções estratégicas.
Por exemplo, a pequena burguesia é a segunda maior classe social brasileira, depois do proletariado. É necessário ganhar parte da pequena burguesia para o socialismo. Para isso é necessário explicar que na China, no Vietnã, e crescentemente em Cuba, aprendemos que o mercado de miúdos deve continuar particular, ou seja, botequins, salões de cabeleireiras, pequenas oficinas, hospedarias etc. devem ser deixadas ao mercado. De fato as experiências do século XX provaram o que Marx já descobrira, que o capitalismo é que socializa a produção, e só cabe à Revolução Socialista tornar social a posse das empresas que a Revolução Industrial socializou. Quando nossas Revoluções do século XX tentaram socializar setores da economia que ainda não eram industrializados, ou seja, onde o trabalho ainda não era social, mas individual, isso deu muito errado. Mas o pior não foram os resultados econômicos, nem a corrupção resultante de se estatizar milhões de pequenos estabelecimentos, mas sim empurrar para a contra-revolução amplos setores da pequena burguesia que não tem nada a ganhar com o capitalismo. A pequena burguesia urbana não é como a pequena burguesia rural, os camponeses, que são uma fábrica de burgueses. Donos de botequim, cabeleireiras, artesãos, donos de oficinas, milhares de categorias urbanas, não viram “kulaks” como os camponeses.
Sem subestimar a corrupção, que é o ar do capitalismo! Na URSS foi a corrupção que nos derrotou. A questão da corrupção faz parte da questão do Estado, mais importante de nossa era. Sobre esse assunto escrevi dois livretos que também estão na Amazon, “Uma história da União Soviética” e “Primavera de Praga”, o primeiro com fins didáticos, e o segundo foi uma investigação. Também escrevi o artigo “A queda dos Soviets e o fim da URSS”, no blog Estudos Vermelhos.
Se defendemos mesmo o socialismo, o poder popular, temos que demonstrar isso onde somos nós que temos mais força. Nos Sindicatos e nos DCEs é necessário implantar novas formas de democracia, mais avançadas, se não a defesa do socialismo não passa de hipocrisia e carreirismo. Nesse caso temos que demonstrar, experimentar, nosso programa. Minha defesa do poder das entidades de base, como se nota no livreto “Reflexões”, é uma denuncia de toda a “democracia capitalista”.
Necessidade de um programa mínimo
Sem perder de vista a Revolução, é necessário ter um programa mínimo, ou seja, um programa para antes da Revolução, um programa para agora, que não deixa de ser propaganda revolucionária! Um Partido que deseja fazer uma Revolução, ou seja, tomar o poder, precisa ter solução para todos os problemas, já. Um Partido que não tem soluções concretas (não vale o vago “socialismo” ou a vaga “revolução”) é incapaz, não serve para nada, merece e tem o desprezo do povo.
Economia: A melhor defesa é o ataque!
É absurdo que a esquerda brasileira não esteja exigindo uma auditoria da dívida pública, assim como leis que criem um máximo de gastos da União com dívidas. É absurdo que a esquerda brasileira não denuncie dia e noite que os ricos desse país não pagam impostos sobre suas fortunas e latifúndios. É surreal que a esquerda brasileira não denuncie dia e noite que os gastos da União com saúde, educação, cultura e defesa somados não chegam a 10% do orçamento, enquanto 47% é entregue aos banqueiros e outros agiotas.
Um programa de reformas econômicas é uma denúncia e vice versa! É a melhor defesa contra os ataques aos direitos do povo. Como é necessário dificultar as aposentadorias, massacrar os aposentados, se os ricos nem pagam impostos sobre suas fortunas, e 47% do orçamento é gasto com ricos estrangeiros?
Pedir auditória da dívida é denunciar como o capital financeiro explora um país colonizado.
Pedir impostos sobre grandes propriedades rurais é denunciar concentração de terras subutilizadas, nas mãos de poucas famílias e de estrangeiros.
Pedir impostos sobre grandes fortunas é denunciar que no Brasil os pobres pagam impostos para enriquecer os ricos.
Programa mínimo para política: Quando a “esquerda” é a direita.
Do ponto de vista político é possível notar no São João Del Pueblo que defendo amplas reformas políticas que não resultam em um regime socialista, e mesmo que para grande parte de nossa esquerda, curiosamente, seria um programa de direita. A rigor a esquerda brasileira não tem um programa de reforma política, pois o que apresentam é extremamente conservador, não muda nada! Verdadeira pérola, grande parte de nossa esquerda é presidencialista!?!? Defende eleições diretas, voto obrigatório, e o monopólio dos partidos sobre as candidaturas. Em resumo, é conservadora, é a direita de fato. E por outro lado existem parlamentares de direita que defendem uma ou outra das bandeiras que defendo. Claro que a extrema esquerda defende o “poder popular” ou seja lá o nome que se der, não tem programa mínimo, portanto. Não está no jogo. É “café com leite”.
O parlamentarismo não é nenhuma maravilha, é o presidencialismo que é muito ruim mesmo! O presidencialismo gera parlamentos ruins, porque os eleitores só votam a sério no presidente, prefeito etc. O presidencialismo alimenta a infantilidade do povo que busca um salvador da pátria. A idéia de que o presidencialismo é menos conservador que o parlamentarismo não corresponde à realidade mundial, nem ao que se observa no Brasil. De fato é uma ilusão autoritária, de que o presidente controlaria o parlamento. Extremamente corruptor, o presidencialismo obriga os executivos a terem maioria nos parlamentos, e lhes dá recursos legais e ilegais para comprarem os parlamentares, com se nota na história dos 5 mil municípios brasileiros nos últimos 30 anos, mas também em todos os países presidencialistas, a começar pelo modelo, os EUA.
O voto obrigatório barateia e esconde a compra de votos. Os políticos distribuem dinheiro público o tempo todo, sem pedirem o voto, não configurando compra. O eleitor que só vota por obrigação, na falta de outro candidato, se lembra do “presente” que ganhou. Com voto livre os compradores teriam que pagar transporte, lanche, não só encarecendo a compra, como tornando possível provar que ela aconteceu. Com o voto obrigatório os eleitores politizados votam nulo em protesto, e os despolitizados votam em quem lhes “deu” alguma coisa, gerando os resultados que temos visto. O fim do voto obrigatório afastará das urnas muitos despolitizados e reaproximará politizados, pois não votar perderá o sentido de protesto.
Os partidos têm donos, que vendem as direções estaduais e municipais, e que decidem quem pode ou não pode se candidatar. Ou seja, existe uma oligarquia partidária que manda no país sem ter sido eleita para isso. A obrigatoriedade de partidos é que faz existirem dezenas dos mesmos. Defendo, portanto, candidaturas sem partido.
Todas as críticas ao voto distrital são verdadeiras, mas no Brasil, o voto distrital simples, ou misto, seria um grande avanço. As pessoas ao menos saberiam quem é seu representante no parlamento, o que hoje não existe. Poderiam se acampar em frente à casa dele, mesmo que não tivessem votado nele. Ademais, o voto distrital permite posteriormente reivindicar a revogabilidade dos mandatos parlamentares por distrito. Os defeitos do voto distrital, todos, já existem no nosso sistema eleitoral. Pessoalmente, como todo comunista, eu preferiria o voto em lista fechada, ou seja, votar no Partido, e não em pessoas, mas é óbvio que, no momento, a população brasileira abomina essa idéia.
A defesa da revogabilidade dos mandatos tem sido uma de minhas bandeiras constantes. O verdadeiro poder está em depor, não em escolher. Escolher é sempre um chute, um exercício de adivinhação. Uma empresa faz todo um processo de seleção, pesquisando detalhadamente a vida dos candidatos, e ainda erra! É o poder de demitir, não o de contratar, que torna o empregado obediente. Os governantes só serão empregados do povo quando o povo puder demiti-los.
Passei a defender também o fim das reeleições de parlamentares. Primeiro, do ponto de vista moral e doutrinário, ser político não é trabalho, não é emprego, e uma pessoa que vive muitos anos como político não conhece mais a realidade, não serve mais como representante de base nenhuma. Para se reelegerem os parlamentares se vendem ao governo em troca de verbas para as regiões onde têm votos. Mas o pior é que a reeleição de parlamentares criou máfias políticas que dominaram os partidos. São os partidos quase todos dominados por parlamentares que os controlam para se reelegerem incessantemente, obstruindo os canais democráticos. Com os recursos que têm compram militantes de peso, tornando-se caciques em seus partidos e regiões.
Também defendo o fim dos supersalários, das verbas estratosféricas e das mordomias, não só por questões morais, mas pelos mesmos motivos democráticos - Esses recursos produzem caciques políticos.
Reformas simples
Defendo algumas reformas que não chegam nem a servirem para um programa mínimo, dos quais o mais importante é a liberação da maconha e das folhas de coca. Defendo por motivos econômicos, políticos e sociais. Do ponto de vista econômico é lógico que deixaríamos de perder bilhões de reais em divisas e nos tornaríamos exportadores. Ademais, a cannabis é uma ótima matéria prima que poderia nos livrar dos eucaliptos. Do ponto de vista político a proibição é que sustenta o tráfico, corrompe juízes e policiais, além de alimentar a indústria armamentista. Do ponto de vista social é muito injusto que a população pobre das favelas viva um cenário de guerra civil para supostamente proteger-se os usuários de seus próprios vícios. Também creio que o uso de folhas de coca reduziria o consumo de cocaína, e é uma reivindicação da Bolívia, nossa aliada.
Na educação sou defensor da presença livre, destacadamente nas Universidades, como fator de qualidade, saúde e como um direito que os estudantes trabalhadores deviam ter. Mas se eu começar a discutir, educação, sou professor, não para mais.
Muito obrigado por responder as perguntas. Recado final?
Eu é que agradeço o espaço para debatermos! Foi uma honra!
Por fim, já durante os conflitos de rua de 2013, como se nota nos blogs São João Del Pueblo e Estudos Vermelhos, diagnostiquei que se iniciara a crise da república de 1988. O ano de 2013 foi como o de 1922 para a Primeira República, ou a Revolta do Vintém de 1881 para a monarquia. Regimes políticos são muito diferentes de modos de produção! Os modos de produção, como o capitalismo, duram muito mais, e não caem de podres. Os regimes políticos caem o tempo todo, e no Brasil de podres, porque depois os historiadores precisam investigar longamente as causas da queda, e dificilmente entram em acordo. A 6ª República é já o terceiro regime mais longevo de nossa história independente, perdendo somente para o Segundo Reinado com seus 49 anos, e para a Primeira República com seus 41 anos, e é nítido que já está com os pés na cova. Precisamos ter planos para influenciar a construção da 7ª República, e isso sabendo que o proletariado não está preparado, nem do ponto de vista organizacional, nem de politização, e que portanto o socialismo não tem chances a curto prazo. O socialismo é, para mim, o poder do proletariado, que não está mandando nem em seus sindicatos. Portanto a Sétima República dificilmente será socialista.
Nessa conjuntura, mais do que nunca, é necessário organizar o proletariado. A politização caminha lado a lado com a organização. Tenho defendido a criação de Uniões de Trabalhadores a nível municipal, abertas a todos os trabalhadores, de todas as categorias, e com algum tipo de democracia digital. Só metade dos trabalhadores pode ter Sindicatos, pois donas de casa, cooperados, sub-empregados, autônomos etc., por lei, não podem! A lei também divide os trabalhadores em categorias. Os partidos, por sua vez, dividem os trabalhadores em várias “centrais”, que são cada uma braço de um partido. E como todos sabem a maioria dos Sindicatos está sob controle de parasitas. Sendo assim, sem perder de mira libertar os Sindicatos dos parasitas, é necessário criar organizações que realmente unifiquem os trabalhadores.
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na web rádio La Integracion. Colunista no Jornal de Viamão.
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