TREM, TREM, SERÁ QUE TE LEVAM TAMBÉM? (parte 01)

Tem coisas que nem a modernidade consegue nos fazer esquecer. Por mais que elas, hoje, estejam de todo obsoletas no dia-a-dia de um mundo, como o nosso. Em que a evolução tecnológica corre em velocidade meteórica. E mesmo assim algumas relíquias do passado continuam encantando ao nosso imaginário, devido ao seu charme, do qual, nós nem sempre percebemos. 

Por exemplo, apesar de todo o fascínio dos possantes e reluzentes automóveis, passeios de charrete (ou carruagem) puxada por cavalos ainda são uma forte referência para a magia de muitos românticos, como é o caso, por exemplo, do Central Park, em Nova York. Ou então o que dizer dos tradicionais fogões a lenha, ainda produzidos e comercializados em lojas? 

O mesmo vale para as chamadas “Maria Fumaça”, locomotivas a vapor. Povoando inclusive a imaginação e a empolgação de crianças em desenhos como “Thomas e seus amigos” transmitido na TV Cultura. Este uma animação infantil em que o protagonista Thomas é uma locomotiva a vapor com um rosto de criança. 

Um dentre outros exemplos de como a imagem do trem com sua chaminé hoje nem um pouco ecológica é forte em nossos íntimos. Então o que dizer da emoção de poder se contemplar pessoalmente a uma antiguidade como esta pessoalmente? 

Sim, as verdadeiras locomotivas que tanto marcaram a história não só do Brasil como do mundo como um todo. Mas que mesmo assim, têm sido relegadas, em sua maioria, ao abandono. Por mais que algumas já tenham sido resgatadas da perdição que ação do tempo tenta sempre impor. 

Contudo, sendo exceção e não regra. Como é o caso da chamada “Baroneza”. Nada menos do que uma das primeiras locomotivas a vapor no Brasil. A qual circulou pela primeira vez em 1854. Construída, em 1852, pela empresa Willian Fair Bairns & Sons, em Manchester na Inglaterra e comprada pelo empresário Ireneu Evangelista de Sousa (o então futuro Visconde de Mauá).


 Locomotiva Baroneza – exposta no Museu do Trem - RJ

Considerada um marco na história dos transportes do Brasil, ela foi incorporada ao Patrimônio Nacional, por Decreto, a 30 de Abril de 1954, quando se completou o centenário de existência da Estrada de Ferro Mauá em que ela funcionou. Estando hoje ela conservada no Museu do Trem no Rio de Janeiro.

Bem diferente de outro patrimônio que tem relação não só com a história de duas cidades distintas, como também de dois estados brasileiros. Estou me referindo à locomotiva 310 que fica na estação ferroviária em que a linha do trem que é a única fronteira entre as cidades de União da Vitória no Paraná e Porto União em Santa Catarina.

Uma referência a um curioso capricho da história que transformou o que era antes uma única cidade em duas, desde então separadas pela passagem dessa linha férrea. Quando ao fim da chamada Guerra do Contestado, as fronteiras, entre os dois estados que disputavam esta área, foram revistas. 

Daí que por onde passava a estrada de ferro, neste trecho em especial, que acabou se tornando a linha divisória, ela fragmentou de modo radical e definitivo uma localidade inteira. O que por si só já algo muito interessante.

Essa, uma evidente diferença quanto às estruturas públicas que são de responsabilidade do Paraná e as de Santa Catarina, por meio de uma simples linha de trem e nada mais. Se não fosse que a Locomotiva 310, independente desta divisória tão peculiar, é igualmente, por si, só uma forte referência à identidade destas cidades. 

Basta ver como ela está fortemente presente nos materiais de divulgação sobre o turismo local. No entanto, fisicamente, a charmosa locomotiva a vapor 310 ainda está largada à própria sorte. A despeito de toda a história que cada Maria-fumaça sempre tem repleta de emoções e simbolismos.

Nisso, sobre a saga desta, em especial, podemos dizer que ela foi construída nos Estados Unidos em 1913 pela Lima Locomotive Corporation (em Ohio, nos EUA), Encomendada pela estada de ferro Sorocabana, onde atuou até 1947. 

Quando a linha foi modernizada, a locomotiva foi transferida para a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC), lotada no terceiro distrito de produção, com sede em Porto União da Vitória, trecho da ferrovia São Paulo Rio Grande (a mesma estrada ligada á Guerra do Contestado).

Sendo que apesar da modernização constante, ela não caiu em desuso. Ela então atuou por seis anos consecutivos no trecho Marcílio Dias a Canoinhas (municípios de Santa Catarina) até próximo a 1965. Depois disto, foi levada para exercer mais uma função importante: a de locomotiva de manobra, na formação de composições no pátio de manobras da Estação Uruguai, em Marcelino Ramos (RS). 

Lá permaneceu por seis anos até retornar às Gêmeas do Iguaçu (apelido pelo qual atendem as cidades de União da Vitória e Porto União) onde trafegou até a década de 1970. Momento em que, enfim, já em 1973, a 310 foi cedida por comodato à prefeitura de União da Vitória que a transformou em monumento à memória ferroviária e a colocou na praça Visconde de Nácar, área central da cidade. 

Lá, em exposição, como era de se esperar, ela também passou por maus bocados. Além de banheiro público e lixeira, chegou a sofrer um atentado quando vândalos atearam fogo em sua cabine em madeira.

Somente no final de 2005, a Maria-fumaça 310 foi retirada de lá e iniciada a sua revitalização. Em parte pelo projeto bem sucedido de passeios com outra locomotiva semelhante. Muitos achavam que era inviável a recuperar, mas no ano seguinte, ela estava apta para passeios turísticos. O sucesso foi absoluto. A Maria-fumaça 310 se fez um dos maiores potenciais turísticos das duas cidades irmãs.

Contudo, divergências administrativas e a necessidade de novos investimentos no projeto, que não viam, começaram a enguiçar a máquina. Até que em 2010, novamente sem condições de trafegabilidade na linha e de funcionamento na máquina ela parou mais uma vez.

Não retornou à praça, mas ficou estacionada na estação central, sendo volta e meia, empurrada de lá para cá com um trator. Atualmente, limitada a servir de pano de fundo para fotos e, muitas vezes, como objeto de vandalismo e depósito de lixo. Trem, trem será que te levam também?

Será que a ação do tempo, a depredação e o descaso com a própria história vão te consumir como já o fizeram a outros tesouros do passado? Trem, trem, será que te resgatam também? Destino semelhante a outro tesouro ignorado na cidade de Ponta Grossa, também no interior do Paraná.

Esta uma cidade que se orgulha de ser um grande entroncamento rodo-ferroviário, de importância nacional (por ser caminho a destinos diversos como Mato Grosso, Paraguai, Argentina, Santa Catarina, Porto de Paranaguá – este o segundo maior porto do Brasil -, São Paulo, Rio Grande do Sul, dentre outros). Vocação iniciada pelos mesmos trens que muitos hoje ignoram todo o débito destes para com a nossa história.

Sim, estou me referido a uma locomotiva (de número 250) instalada numa praça central desta cidade (Complexo Manuel Ribas) que igualmente atraí incontáveis admiradores. Por mais que ela já seja comum à maioria na paisagem local. Que nem se percebe que ela tem um diferencial que a faz, em um dado aspecto, mais importante que a Baroneza (no Rio de Janeiro) ou a 310 (entre União da Vitória/PR e Porto União/SC).

E qual seria para se afirmar a pretensão de ter mais valor que uma das primeiras locomotivas da história do Brasil? Bem, para responder a esta pergunta, deixarem para o próximo artigo a ser publicado em seguida. Desde já adiantando, tenham certeza de que vão concordar como é válido dizer que não se julga um livro pela capa. 


Portanto, aguardem e confiram....

Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...