Sempre, ao longo da história, poucos lutaram pela garantia do direito de muitos. Nas últimas grandes manifestações contra políticas desastradas e antissociais do governo Bolsonaro (PSL) essa máxima se mostra evidente. A reforma da previdência atinge a toda a classe trabalhadora no Brasil, no entanto, poucos foram para as ruas no dia da greve geral, que era para somente um dia, um esforço pequeno, se compararmos com a primeira greve geral na nossa História, que durou um mês, em julho de 1917!
A sociedade civil organizada, junto com partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais, iniciou, no dia 1° de maio de 2019, uma grande mobilização de massas, que não se via desde o fracasso (para a esquerda) de 2013. Em 2013, os movimentos de rua, que surgiram com bandeiras progressistas, acabaram do “lado errado”: deram de presente para a direita uma significativa parcela da população cansada da corrupção e uma classe média com medo da proletarização. Essa parcela significativa, naquela ocasião, era composta por um amplo espectro social, que ia de estudantes (que foram beneficiados das políticas governamentais de cotas e até de financiamento universitário), até funcionários públicos.
Passado o turbilhão de 2013, vieram as eleições de 2014. Elegeu-se um Congresso conservador, que, uma vez assentado, abriu caminho para o desastre das eleições de 2018. Porém, entre 2014 e 2018, tivemos 2016: o ano do golpe. Golpe contra o partido que golpeou a classe trabalhadora por meio da conciliação com a direita, o Partido dos Trabalhadores. Entre a queda de Dilma (PT) e a ascensão de Jair Bolsonaro, o governo de Michel Temer (MDB) procurou garantir a rentabilidade dos bancos, ao mesmo tempo que destruiu uma parte significativa dos direitos trabalhistas (desmonte da CLT de 2017) e preparava a agenda neoliberal para seu sucessor: o fim da Previdência Social (defendida fanaticamente pelo lacaio do imperialismo, Paulo Guedes).
Unidade na luta entre comunistas e anarquistas no Paraná |
Nesse processo, que vai de 2013 até 2018, a esquerda pareceu não ter entendido a real pauta política e econômica que os políticos no poder estavam colocando para a sociedade, e preferiu buscar seus discursos em temas como gênero, diversidade, culturalismo, entre outros assemelhados (não que essas pautas não tenham sua importância, afinal as opressões culturais ajudam a impedir a consciência de classe entre os de baixo, mas frente a uma massa crescente de desempregados, ou a violência urbana, um tema complexo que exige a percepção de várias causas, se tornam pouco importantes). Enquanto a direita se jogou numa narrativa raivosa em relação a corrupção seletiva (afinal, grandes manifestações não ocorreram contra os políticos do Partido Progressista, do Democratas ou do MDB que também estavam envolvidos em escândalos, e muito menos em apoio ao PCO, ao PSTU, ou ao PCB, já que esses partidos não estiveram envolvidos com o mensalão por exemplo).
No dia 30 de maio de 2019, estudantes de todo país se mobilizaram contra os “contingenciamentos” desastrados feitos pelo governo federal, com um ministro da educação claramente mais despreparado do que seu antecessor (como esperar algo de bom vindo desse grupelho que ganhou as eleições e hoje governa o país?). Fica evidente que o governo federal trata a educação universitária do nosso país (onde a universidade pública ainda não é popular), como um “antro de balbúrdia”. Ao que parece o próprio governo desconhece que das universidades brasileiras listadas como as melhores do mundo da Forbes, pelo menos 3 são brasileiras.
O ato do dia 30 mostrou a força das ruas e da população em torno de uma nobre causa, que é a causa da educação. Ainda longe do ideal, a educação no Brasil parece ser a maior resistência frente a uma onda de obscurantismo, anticonhecimento e fake news, apoiadas pelos próprios discursos absurdos do teórico do governo federal, o estranho Olavo de Carvalho, que foi do comunismo para o fascismo.
No dia 14 de junho foi convocada uma greve geral dos trabalhadores contra o fim da Previdência Pública. Muitos não puderam fazer parte dos atos, pois corriam o risco de perder seus empregos caso cruzassem os braços (trabalhadores da iniciativa privada). O que seria uma greve geral, acabou se tornando uma paralisação de algumas horas.
Em várias cidades do nosso país manifestações ocorreram. Nosso Grupo de Estudos recebeu inúmeras demonstrações públicas, ocorridas em diversas cidades do país, em vários estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Porém, entre essas demonstrações, a que mais nos chamou a atenção, veio de Alvorada, devido a violência da Brigada Militar, que chegou a usar como instrumentos de repressão, algo semelhante a uma bola de sinuca presa a uma corda e um relho (que usualmente é exibido nos CTGs como parte da indumentária gauchesca).
Fotografias organizadas por um manifestante, demonstrando como funciona o estado burguês em Alvorada |
Em Alvorada, cidade que deu origem ao nosso Grupo de Estudos, a greve geral que deveria ter sido um protesto contra a reforma da previdência, foi um massacre. A Brigada Militar feriu dezenas de manifestantes, atingindo também provavelmente um de seus soldados, embora a grande mídia diga que foi uma pedra lançada por um grevista que o atingiu. Um detalhe importante de salientar é que, o senhor acusado pela grande mídia de atirar a pedra no olho do soldado estava detido, com algemas, fazia meia hora antes do mencionado ferimento. Nada mais falso, portanto, já que a violência foi praticada somente pelos brigadianos. os acontecimentos em Alvorada, solidificam a afirmação de Valdete Souto Severo no site Carta Capital: “O dia 14 de junho mostrou, uma vez mais, com muita clareza, o quão distante estamos de uma realidade democrática.”. O que vocês acham? Ela não está correta? Sim! Ela está correta! Afinal, estamos vivendo no Brasil de Bolsonaro, onde (como durante a República Velha), a questão social é caso de polícia, uma polícia que diante da cidadania sendo exercida na prática, joga granada, bomba, bala de borracha, ataca os trabalhadores e estudantes com cacetete, aos ponte pés, como durante a tortura comprovada por reportagem em vídeo do jornal Correio do Povo, pelos policiais em um manifestante de mais de 50 anos de idade: o mesmo senhor que foi acusado pela RBS de ser o autor do ferimento no soldado que dias depois foi homenageado pelo governador do Estado, quando estava no hospital. O tucano Eduardo Leite não foi visitar os agredidos que estiveram entre os trabalhadores de Alvorada, que tiveram marcas das balas de borracha ou queimaduras em seus corpos, afinal, sabemos para quem ele governa...
Queimaduras no rosto de uma manifestante, resultado da repressão da Brigada Militar, no massacre de 14 de junho em Alvorada |
Algumas considerações podem ser observadas sobre os atos do dia 14 de junho. O que chama a atenção, logo de cara, é que o movimento deveria ser muito maior – visto que a causa (defesa da previdência pública) é indiscutível, exceto pelos mais apaixonados pelo Bolsonaro. Ainda assim, há muitas resistências de trabalhadores em lutar contra a “reforma” proposta pelo governo federal. Salvo o exemplo citado (dos trabalhadores que não podem aderir às mobilizações, por que podem perder o emprego), existe uma grande confusão do que realmente é essa tal de “reforma”; e os desencontros de informações, além da própria complexidade do assunto, faz com que tenha, em alguns setores, pouca ou nenhuma mobilização.
Outra grande questão que fica é: Como mobilizar gente que sequer teve acesso a um direito para lutar ao lado dos que tem esse direito adquirido? A realidade histórica brasileira é cruel. Milhões jamais tiveram acesso a um salário digno, um emprego estável, aposentadorias decentes. Estes milhões, porém, acreditam que aqueles que tem acesso a estes direitos são “privilegiados”.
Talvez por este motivo o populismo de direita (ou fascismo, para alguns) esteja ganhando cada vez mais uma massa de trabalhadores desempregados, “autônomos” e uberizados. A esquerda necessita agregar essas pessoas ao seu projeto de nação, que faça avançar a nossa democracia, tornando ela uma realidade!
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.
|
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário