POVOS DO PINDORAMA Parte 01 – Itararés: uma das tantas sociedades do Brasil Pré-Cabralino que os livros pouco contam

Não há outra forma de dizer isso. Os livros escolares tendem mais a ensinar a pré-história de outras realidades que não à da América. Por mais que já houve avanços significativos, abordando um assunto que antes era inexistente na maioria destes mesmos livros. Quanto então era a história (pré-história) de nossas populações pré-colombianas um mero apêndice do contexto em torno da chamada colonização. Em geral, abordando um pouco de curiosidades sobre nossos indígenas, em geral tupis e gês, se ignorando a todo o resto, salvo uma ou outra exceção de obra didática. 


Porém, ainda é preciso fazer os professores aprenderem mais de uma história que mostra como a assim chamada pré-história brasileira pode ser altamente interessante. Complexa, repleta de informações que revelam uma história altamente dinâmica.


Logo, é o que vamos tentar fazer aqui. Mostrar toda a diversidade e a complexidade que aqui existiu e que se sabe e até nos inspirar a ousar tentar descobrir mais. Portanto, vamos logo ao ponto, frisando que até o século XVI havia sim uma incalculável diversidade de pessoas que viviam aonde hoje é o Brasil, muito antes da chegada dos europeus. Pessoas a quem nos referimos que já demos a entender como o senso comum criar a impressão equivocada de que eram meramente populações selvagens, atrasadas, sem nenhum interesse a ser despertado conhece-las. Ledo engano. 

Dividindo-se estas populações em centenas de sociedades, com crenças e costumes diversos, tanto como com formas de organização, diferentes entre si, formavam assim um mosaico altamente complexo de práticas culturais, por mais que, até onde se sabe, eram todas elas populações pré-históricas. Ou seja, não tinham nenhuma forma de escrita (até onde se sabe; é preciso enfatizar, pois há evidências que criam dúvidas sobre isso), nem tinham cidades complexas ou domínio de metais. 

Todavia, já se sabe, sem mais quaisquer dúvidas, que havia grupos semi-sedentários, mesmo a maioria sendo de caçadores e coletores, inclusive os que detinham o conhecimento de agricultura que não supria todas as suas necessidades para se fixarem num único lugar por muito tempo. Mas voltando a tratar da diversidade, basta dizer que eles falavam em torno de 1.078 línguas distintas, a maioria das quais agrupadas em dois troncos principais, o tupi e o macro-jê. Tendo elas peculiaridades e engenhosidades ofuscadas por este senso comum de populações de todo homogêneas e sem atrativos conhece-las. 

Inclusive ao tratarmos a outros troncos de famílias, em especial na região Amazônica. Justamente o local onde mais podem estar encobertos segredos a serem desvendados. O que não é novidade para os leitores do GEA Cipriano Barata que, por exemplo, viram que já comentamos sobre a civilização marajoara (artigo “A fantástica civilização do barro” publicado em fevereiro de 2016 - http://geaciprianobarata.blogspot.com/2016/02/a-fantastica-civilizacao-do-barro-os.htm ) e sobre a “Stonehenge brasileira” de Calçoene no estado do Amapá (artigo: “Os mistérios de Calçoene” publicado em julho de 2016 - http://geaciprianobarata.blogspot.com/2016/07/os-misterios-de-calcoene-o-que-ainda.html ). 

Comunidades que mesmo não se comparando a nenhuma das civilizações pré-colombianas exaustivamente exaltadas nos livros (geralmente apenas incas, maias e astecas) mostram bem o erro de não olharmos com um pouco de atenção às maravilhas que temos em nosso passado. Então vamos por partes, mostrando um pouco de todo este muito. E que desta vasta variedade temos ainda muito por se descobrir. Então aos que quiserem; que se preparem para abrir seus horizontes. 

Começando pelos povos que ocupavam um território chamado por eles de Pindorama. Palavra esta que quer dizer ‘terra das palmeiras’. No caso vamos tratar dos assim chamados povos da tradição Itararé (devendo se entender aqui neste contexto como tradição a quaisquer práticas e técnicas padrão dos antigos para a confecção, por exemplo, da indústria lítica e da pintura rupestre) que viveram até por volta de 1500 anos atrás, habitavam terras altas do sul. Tendo como umas das marcas de sua cultura as peças cerâmicas que, em sua maioria, eram recipientes para alimentos, em média tendo uma espessura fina, sendo raramente decorada, tal como os artefatos líticos (lâminas de machados de machado, alisadores, etc.) artefatos de osso (como pontas de seta, furadores, anzóis, etc.) e restos de animais com os quais se alimentavam. Além é claro, das suas casas subterrâneas, cujos tetos eram feitos com estacas e cobertas de palhas, tal como pode se ver num esquema que se segue. Providas de uma engenharia de terra, para construção de tais casas poços ou casas subterrâneas, conhecidas pela população como casas de bugre. Eram construídas nas regiões mais altas de campo aberto, submetidas a geada e ao vento frio.

Casas subterrâneas dos Itararés

Sendo que além de ceramistas, se especula que eram agricultores, mas não há certeza sobre isso, até porque há, por ora, uma evidência que contesta esta possibilidade. Sim, isto, mesmo! E qual seria? O fato de que os esqueletos das populações dessa tradição não apresentavam cáries. Certo, e o que isso quer dizer? Ausência de carboidrato na alimentação deles. Ou seja, é possível que não conhecessem o consumo de milho, mandioca, batata ou outro vegetal que temos conhecimento que outras populações cultivavam. Mas como nossa arqueologia ainda tem muito que descobrir, nada é conclusivo. 

Mas enfim, se certo isso, então a alimentação deles se basearia no consumo de peixes, mamíferos (da terra e da água) e outros animais, como moluscos que, por causa deste acumularam conchas, tal qual o fizeram, em muito maior quantidade, outras populações que chegaram a acumular grandes assentamentos destes restos de moluscos, os chamados sambaquis. 

Certo, mas o que esta informação nos acrescenta saber sobre estas populações no momento? O fato de que estas populações que tanto se ocupavam com a confecção de cerâmicas assim tinham tempo para isso que não precisava despender grande tempo pela obtenção de alimentos, tendo sido estas populações seminômades de acordo com Antônio Cavalheiro, arqueólogo da empresa de consultoria Estudos de Projetos em Patrimônio Cultural (EPPC), de Curitiba. Tal qual a outras populações ditas “mais desenvolvidas” que se seguiram a estes povos de tradição Itararé. Portanto, havendo muito a se estudar e compreender sobre este recorte da história do Brasil. 

Tanto que as evidências arqueológicas observadas até este momento colocam a Tradição Itararé-Taquara como portadora de uma das primeiras ocorrências de cerâmica no Brasil meridional de acordo com Astolfo Gomes de Mello Araújo em artigo da Revista de Arqueologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH/USP, em 2007. Acontecendo que muito ainda tem por se descobrir, inclusive se realmente, como é a teoria mais aceita no momento de que estas populações são ancestrais dos atuais caingangues, grupo de incontáveis comunidades tribais que ainda habitam desde São Paulo até o Rio Grande do Sul. 

Porém, este breve artigo visa somente provocar um debate sobre a riqueza que é a chamada “pré-história” brasileira que é repleta de história, precisando ser revisto o preconceito sobre estas populações que aqui viveram antes da vinda dos europeus para cá. Daí a necessidade de comentarmos sobre outras populações igualmente fascinantes, como é o caso das hoje conhecidas pelo seu legado de grandes montes chamados mais comumente no Brasil de sambaquis. 

Sendo esta a próxima população a tratarmos em nossa viagem pelos primórdios da história do Brasil que os livros ainda dão pouco espaço e por isso cabe a nós irmos na direção contrária a esta omissão.



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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