NÃO SE COMBATE A DESIGUALDADE COM EMPREENDEDORISMO!

Novos empreendedores

Empreendedorismo é a palavra do momento. Há um tipo de narrativa sendo veiculada constantemente pela mídia tradicional, por setores empresariais e políticos que diz mais ou menos assim: “Seja empreendedor. Seja o patrão de si mesmo. Se liberte e empreenda”. Essa narrativa aparenta uma ideia que parece muito boa, a de que se pode sair de uma situação de pobreza e desemprego empreendendo, mas esconde uma realidade extremamente perversa: o fim das leis sociais do trabalho, junto com o desmonte da Previdência Social!

Estamos quase no final da segunda década do século XXI. As relações de trabalho, em várias partes do mundo, retrocedem a um patamar muito semelhante ao do final do século XIX, onde as legislações trabalhistas praticamente não existiam.

Enquanto os capitalistas bem-sucedidos, e ricos, dão a “receita” para o “sucesso empreendedor”[1] , a massa marginalizada com subempregos abre mão de perder os direitos (que muitas vezes nem sequer teve acesso, devido às desigualdades inerentes do capitalismo brasileiro, e que, agora, dificilmente terá). É o que acontece com a chamada “uberização” do trabalho e do trabalhador. Vende-se uma imagem de “empresário de si próprio”, e o que se compra é “trabalho sem salário fixo, sem limite de horas e sem seguro social algum”.

A socióloga Léa Marques explica: “Esse discurso do tal empreendedorismo é mais uma forma da precarização do trabalho. Isso se dá para os trabalhadores das periferias, que estão longe dos centros comerciais e precisam lidar com o mercado de trabalho sem nenhum direito. Esse discurso do empreendedor é para que o Estado não tenha responsabilidade sobre políticas públicas de emprego e renda”[2]

Vendas do sucesso garantido

Com efeito, essa “onda do empreendedorismo” serve bastante aos governos neoliberais, que se estalaram na América Latina a partir dos anos 1980 e 1990. Por exemplo, aqui no Brasil a política nacional é pautada por um ultra neoliberalismo que defende um Estado banqueiro para os grandes empresários, donos dos títulos do governo e especuladores financeiros. Saúde, educação, segurança e previdência NÃO são prioridades. O trabalho decente também não. Segundo o IBGE, “A taxa de desemprego no Brasil recuou 0,7 ponto percentual (de 12,5% para 11,8%) no trimestre encerrado em julho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADContínua), [...]. 


Essa é a quarta queda consecutiva, atingindo o menor patamar desde dezembro de 2018. Apesar da queda, o número de trabalhadores que seguem em busca de um trabalho ainda soma 12,6 milhões de pessoas no Brasil. Segundo o IBGE, o número de ocupados subiu 1,2 milhão puxado principalmente pelo aumento do trabalho informal. No entanto, o total de trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho assinada atingiu 11,7 milhões de pessoas, o maior contingente da série histórica iniciada em 2012. A quantidade de trabalhadores por conta própria também atingiu o maior patamar da série: 24,2 milhões de pessoas — alta de 1,4% na comparação com o trimestre anterior (fevereiro a abril de 2019), significando mais 343 mil pessoas neste contingente. Em relação ao ano anterior, o indicador também apresentou elevação (5,2%), um adicional estimado de 1,2 milhão de pessoas. ”[3]


De um lado, trabalhadores desempregados; de outro o trabalho informal, que leva, consequentemente, ao trabalho precarizado oferecido pela economia dos aplicativos, desde entregas até transporte particular – esta tem se tornado a única forma dessa multidão desempregada conseguir algum tipo de remuneração.

Há, também, a canalhice dos meios de comunicação que vendem uma imagem de trabalhadores precarizados como se fossem “empreendedores livres e felizes”, e que nem sequer pensam em aposentadoria.

Por isso, não se combate as desigualdades com empreendedorismo. A falácia de que trabalhadores agora podem se tornar empresários de si mesmos esconde, como identificamos, o fim das leis trabalhistas e de uma aposentadoria digna. As desigualdades só serão combatidas com políticas públicas de geração de empregos; que garantam o trabalho regulado por leis e direitos, como um salário necessário, aposentadorias, férias remuneradas, licenças. O mundo do trabalho mudou, mas não precisa ser o mundo do trabalho precarizado e análogo a escravidão. O capitalismo necessita do trabalho e dos trabalhadores. Não sobreviverá se o trabalhador não for bem pago e tiver qualidade de vida. Para além disso, só a construção de uma justa sociedade socialista vai dar condições para o trabalhador realizar-se enquanto ser humano.

REFERÊNCIAS

HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.

SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Editora Elefante,

2017.

Notas:

1 https://administradores.com.br/noticias/empreendedorismo-e-o-caminho-para-acabar-com-a-miseria-no-mundo- segundo-richard-branson

2 http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/587031-nao-existe-empreendedorismo-mas-gestao-da-sobrevivencia-diz-pesquisadora

3 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/30/economia/1567170649_987940.html



Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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