O Brasil não conheceu democracia antes do segundo governo de Getúlio Vargas. Afinal, a nossa república foi um golpe liderado por militares, a Primeira República possuía características autoritárias, começava com a República da Espada: os militares não largavam o osso, foram nossos dois primeiros presidentes os militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. A República Velha era a do Café (SP) com Leite (MG), por que as oligarquias desses dois lugares que mandavam no país, revezando no poder, mas todos favoreciam os cafeicultores. Na verdade, a República Oligárquica era o terceiro reinado do Brasil, cujo rei era o café. Mas essa república nada democrática foi golpeada por uma revolução de tipo burguesa, e liderada por um latifundiário que lia o socialista utópico Saint Simon e ansiava por colocar as ideias do autor na prática. E de certa forma conseguiu, por meio de uma ditadura, que ficou conhecida como Estado Novo. Com a renúncia e exílio de Vargas, o próximo presidente foi Eurico Gaspar Dutra, que no primeiro ano de gestão, governava mantendo as regras do Estado Novo, até em 1946 termos nossa nova constituição. Ainda não chegava a democracia, nem a representativa, tão limitada que ela é. A democracia teve seu primeiro esboço com Getúlio Vargas, a partir de 1951.
Panfleto do PCB contra o entreguismo
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CONTEXTO INTERNACIONAL
Nas vésperas do segundo governo de Vargas, acontecia a Revolução Socialista na China, que sempre foi alvo de ataques dos diversos países imperialistas, e começou pela via do nacionalismo partidário até chegar no ano de 1949, com um socialismo que, por que a China até então não era muito industrializada, a revolução era feita por trabalhadores camponeses. Esse acontecimento colocava mundialmente a pauta do socialismo.
Um pouco depois, começando em 1950 e indo até 1953, tivemos a Guerra da Coreia do Norte apoiada pela China e pelas URSS, contra a Coreia do Sul apoiada pelos EUA. Depois também de duas guerras entre Japão e Coreia, ambas vencidas pelo Japão, aumentando a sua influência na Península da Coreia. A divisão coreana ocorreu com o fim da Segunda Guerra Mundial. A Guerra da Coreia chegou a intervir na composição do governo varguista democrático.
Mas o ápice da histeria anticomunista aconteceu mesmo em 1951, quando a URSS explodiu sua terceira bomba atômica. Desde 1949, a URSS criava as suas próprias bombas nucleares, depois que em 1945, os EUA jogaram durante a Segunda Guerra Mundial, duas bombas atômicas no Japão. As bombas nucleares soviéticas assustavam os anticomunistas ocidentais, demonstrando mais uma vez o poderio bélico do país socialista.
A Guerra do Vietnã aconteceu entre 1946 e 1954, como consequência direta da Guerra Fria e da Guerra da Indochina. Durante esse conflito, vietnamitas (em geral, comunistas) lutaram contra o domínio colonial francês na Indochina Francesa – colônia da. França que agrupava Vietnã, Laos e Camboja. A Guerra do Vietnã envolveu esse país e os Estados Unidos, que saíram derrotados, mostrando que o imperialismo poderia ser derrotado e o socialismo poderia ser vitorioso.
Guerra do Vietnã
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Todos esses acontecimentos eram sintomas da bipolarizada Guerra Fria, que teve lugar no planeta todo, entre 1947 e 1991. Não havia como deixar de optar entre o capitalismo ou o socialismo. Os que se diziam neutros eram chegados dos socialistas. A Guerra Fria dividiu o mundo em dois grandes blocos, o do socialismo (liderado pela URSS) e o do capitalismo (comandado pelos EUA). Durante esse período jamais os EUA e a URSS se enfrentaram diretamente, mas ambas as nações estimulavam conflitos bélicos pelo mundo. Houve também a corrida armamentista, a corrida espacial e a crise dos mísseis em Cuba, como principais acontecimentos durante esse período. Acabou a era da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim e a desintegração da URSS. Foi durante a Guerra Fria, que Getúlio Vargas tentava governar o Brasil, mas não chegou a completar o seu mandato, adquirido por meio de eleição.
A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA DO BRASIL
Getúlio tomou posse em 31 de janeiro de 1951, e a UDN tentou contestar o resultado da eleição, sem sucesso. E cada vez mais apelavam às Forças Armadas um golpe. O governo não conseguia impedir a alta inflação, nem a brutal carestia, enquanto os golpistas tramavam a sua queda.
Durante a gestão de Gaspar Dutra, em 1945, Vargas foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul, mas foi um parlamentar pouco assíduo. Dois anos depois, o partido de Vargas, PTB, começava a fazer oposição ao governo Gaspar Dutra, pelo PSD.
Os militares foram decisivos para a deflagração do golpe de 1930. Mas a cada dia aumentavam o número de soldados fazendo oposição contra Getúlio. Os militares dividiam-se entre os nacionalistas e os entreguistas. O presidente Getúlio Vargas tentava conciliar com ambos, enquanto fazia investimentos públicos no sistema de transportes e energia, e reequipava da marinha mercante e no sistema portuário.Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDE, voltado para a diversificaçãoda indústria. Nesse ano, os nacionalistas venceram as eleições para a diretoria do Clube Militar.
Em 1953, Getúlio aprovou a lei mais polêmica, a lei que limitava a remessa de lucros ao exterior, pelas empresas multinacionais, estabelecidas em solo brasileiro, até em no máximo 20% ao ano.
OPOSIÇÃO DE EXTREMA DIREITA CONTRA O GOVERNO FEDERAL
A oposição da UDN, só crescia, ainda mais com leis como essas acima, criticava Getúlio, indicando que ele estimulava o conflito de classes e ameaçava a cooperação com o capital internacional. Os sindicatos estavam mais livres, e em 1953, eles incendiavam o Brasil, prenunciando o aumento de 100% do salário mínimo. O governo getulista enfrentava forte oposição da extrema direita, por meio do jornal Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, que inventava várias fake News contra o presidente. Um pedido de impeachment contra Vargas foi feito, mas negado. A oposição de extrema direita, causava desespero em membros do governo e amigos, resultando em um fracassado atentado contra Carlos Lacerda. Fracassado por que o alvo foi fortalecido. Não bastasse essa tragédia, que prejudicou o governo e aumentava a sua instabilidade, em 1954 era divulgado integralmente na imprensa, o Memorial ou Manifesto dos Coroneis. Esse documento criticava a “deterioração das condições naturais e morais”, e denunciava um“perigoso ambiente de intranquilidade”, contendo também reclamações de descaso do governo em face das necessidades do Exército e sérias críticas do aumento salarial, que, segundo os autores do manifesto, produzia desprestígio para as Forças Armadas, e era um elemento facilitador para ação dos comunistas, e que estancava recrutamento dos quadros inferiores. Desse modo, a pressão contra Getúlio era de todos os lados. Em 1952, foi assinado o Acordo Militar Brasil Estados Unidos, negociado em segredo, dava aos EUA o monopólio das compras de urano, areias monazíticas e manganês brasileiros, em troca de equipamentos, materiais e serviços. O acordo foi o preço pago pelo Brasil não ceder tropas para a Guerra da Coreia. Provocou demissão do ministro de guerra, o ex tenentista Estillac Real, que recusou expurgar comunistas do Exército e não permitiu o mencionado envio de soldados. Além disso, aumentava os argumentos da oposição de esquerda ao governo trabalhista, devido essa medida entreguista de Getúlio Vargas.
o ex tenentista Estillac Real |
GETÚLIO VARGAS PROPUNHA UMA REFORMA AGRÁRIA
Em 1952, o presidente apontava para projetos e criação de condições para uma reforma agrária, com a criação da Comissão Nacional de Política Agrária, aprovação do texto base das Diretrizes para uma Reforma Agrária, criação do Instituto Nacional de Imigração e Colonização, mas tendo como um problema a Constituição de 1946, que não permitia uma reforma agrária nos moldes que preferia Getúlio Vargas, com distribuição de propriedades gratuitamente.
A reforma agrária era defendida em discursos por Getúlio, que estrategicamente não usava esses termos. Sabia que essa era uma pauta constante entre os comunistas, principalmente do Luis Carlos Prestes. Provavelmente esse empenho getulista no enfrentamento da questão agrária mais urgente, era devido o apoio crítico dos comunistas ao governo trabalhista.
PODER POPULAR DURANTE E DEPOIS DO GOVERNO DEMOCRÁTICO DE GETÚLIO VARGAS
Em 1953, o Brasil foi palco de duas grandes greves, a primeira cronologicamente foi a Greve Geral dos 300 Mil, que ocorreu de 26 de março a 23 de abril, efetivada por trabalhadores das indústrias, entre têxteis, metalúrgicos, vidreiros, gráficos, entre outras categorias, e em meio a uma eleição para a prefeitura de São Paulo. As reivindicações dos grevistas eram aumento salarialde 60%, uma legislação menos restritiva ao direito de greve e medidas do governo federal contra a carestia.
A outra greve foi a dos marítimos, em junho de 1953, quando 100 mil operários nos portos do Rio de Janeiro, Belém e de Santos, cruzaram os seus braços para cobrar os mesmos direitos previstos no Estatuto dos Servidores Públicos, melhores condições de alimentação, aumento salarial, entre outras pautas. Jango assumiu o cargo de Ministro do trabalho durante essa greve e atuou de modo eficaz. Conseguiu forçar a renúncia da diretoria da Federação dos Marítimos, atendendo a uma das reivindicações dos grevistas.
A mais importante conquista dos trabalhadores com as duas greves era o aumento salarial de 100%, algo ainda hoje sem repetição. Uma vitória não menos importante foi a troca do ministro do trabalho, do governo democrático de Getúlio Vargas: o novo nome faria História nos anos seguintes, era o João Goulart.
1953 foi um ano com muita combatividade popular. A Petrobrás foi criada, em meio a uma campanha com amplo alcance nas massas, chamada “O petróleo é nosso”, com destaque para a participação dos comunistas.
Mas um ano depois, Getúlio praticava o suicídio. E esse acontecimento surpreendente causou uma revolta nas ruas, foram incendiadas sedes da UDN, Carlos Lacerda teve que se esconder, e a embaixada estadunidense quase foi invadida.
Era o Poder Popular mais uma vez nas ruas, dessa vez impedindo um golpe militar, que era o objetivo último da oposição de extrema direita, liderada pelos udenistas, que chegaram ao poder em primeiro de abril de 1964. Foi uma agitação espontânea e inesperada, que mostrava a força entre os trabalhadores urbanos, do trabalhismo inventado no Brasil por Getúlio Vargas.
AS CONSIDERAÇÕES FINAIS SÃO LIÇÕES QUE PODEMOS APREENDER
Getúlio Vargas tinha um acúmulo de experiências de autoritarismo contra os trabalhadores organizados. Durante a Era Vargas, a questão social ainda era de segurança pública. E o sindicalismo era tomado pelo peleguismo dos trabalhistas. Foram com todas essas dificuldades que a classe proletária organizava greves, ia para as ruas, e conquistava aumento salarial e o monopólio estatal do petróleo, para benefício dos brasileiros. Temos, portanto, muito a aprender com a classe trabalhadora desse tempo memorável!
REFERÊNCIAS
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2002.
NETO, José Alves de Freitas & TASINATO, Célio Ricardo. História geral e do Brasil. 2° ed. São Paulo: HARBRA, 2011.
SCHMIDT, Mario. Nova história crítica. São Paulo: Editora Nova Geração, 2008.
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
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