POVOS DO PINDORAMA Parte 03 – Marajoaras e Tapajônicos: cerâmicas complexas que por acaso já ouvir falar?

Continuando nosso retrospecto por algumas das sociedades pré-cabralinas que muito evidenciam o absurdo do mito que o Brasil antes da dita descoberta em abril de 1500, não havia sociedades complexas; então não há como deixar de lado a duas grandes civilizações do norte do Brasil. Sim, isto mesmo! Estou dizendo civilizações sim. Por mais que muitos podem achar prepotente esta afirmação ou mesmo incoerente. E por isso, começamos por uma sociedade que é bem possível que dela já tenha ouvido falar. Inclusive aqui neste blog: a fantástica civilização do barro dos marajoaras.

Estudantes universitários encontram urnas funerárias dos povos marajoaras, no Amapá

Sobre a qual tornar a falar não se torna cansativo diante de tanto que há a se dizer. Mas que o preconceito em cima do fato, de que, até onde se sabe, não legaram uma escrita, de pronto lhes gera a exclusão na categorização como civilização. Contudo, até onde se sabe. Sempre se pondo uma brecha para que não se crie um julgamento definitivo, pois a História sempre está descobrindo fatos novos, como veremos aqui inclusive. E, por ora, enquanto se insiste no critério da escrita para se considerar uma sociedade civilizada ou pré-Histórica, que tal refletirmos que já há povos que não deixaram legados escritos, mas que ninguém lhes nega o entendimento de terem sido uma civilização. Como é o caso do Império Inca. O majestoso e complexo império inca. Tendo neste aspecto este povo marajoara do qual voltamos a falar uma justa comparação com estes geniais indígenas dos Andes. 


Para tanto então, se compreender esta ousada afirmação, que não falemos somente por nós. Nisso citando, por exemplo, a pesquisadora Rosemeire Toyota em sua dissertação no ano de 2009 para obtenção do Grau de Mestre em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) tratando sobre essa complexa sociedade que se formou na ilha do Marajó, no norte do estado do Pará, a mesma expõe que a “cultura marajoara (...) sozinha já demonstra a necessidade de uma maior atenção à chamada “pré-história” brasileira, que não pode ser simplificada meramente num vasto conjunto de populações primitivas sem qualquer organização complexa”. 

Uma dentre outras colocações, selecionada justamente a reforçar que olhemos com outros olhos aos povos desta vasta terra das palmeiras. Inclusive se dispondo mesmo a se oferecer um maior espaço a este povo marajoara dentro das aulas de história. Uma vez ele tendo tanto a se ensinar como a história dos germânicos, dos hunos e outros que a despeito de inicialmente agrafos, nem por isso tem sua passagem omitida pelos livros. Com a diferença de que, talvez possam os marajoaras ter mais a ensinar que vultos como Átila, lembrado unicamente pela sua voracidade em conquistar, pilhar e matar. Talvez... Ou não... Certo... Dúvidas sobre isso? Pois se sim, podemos destacar muito mais, como que, por exemplo... 

As amostras arqueológicas coletadas nos locais de estudo sobre estas antigas populações marajoaras, evidenciam a ocorrência da propagação de pequenas vilas sedentárias numa grande região dos campos da ilha que, sem exagero nos permitem dizer que tivemos uma verdadeira civilização do barro. Pouco? Sem problemas. Então que tal nós relembramos a sua fantástica variedade de objetos desenvolvidos por eles: vasos, urnas funerárias, estatuetas, chocalhos e enfeites para o corpo. As quais até hoje são imitadas por artesãos que percebem o alto potencial de atração destas peças a incontáveis turistas. E que além da beleza e complexidade, relevam a outros aspectos igualmente apaixonantes.

Civilização Marajoara no mapa

A começar justamente por seus variados padrões que refletem uma divisão desta sociedade que as produziu em vários subgrupos. Tal como até a possibilidade de uma escrita ideográfica ante a repetição de símbolos a sugerir isso. Por mais que isso não tenha ainda como ser afirmado ou mesmo negado. Porém, indo de encontro justamente com o que expomos sobre a história estar sempre descobrindo novos fatos que inviabilizam julgamentos definitivos. Mas se por um lado, tal escrita se faz arriscada afirmar, não há como se ignorar, em compensação aos chamados "tesos", gigantescos montes feitos com barro, e lixo como preenchimento para mantê-los. Os quais serviram a muitos propósitos, como: cemitérios, habitação, defesa militar, defesa contra inundações. Uma obra de engenharia que mesmo sem despertar deslumbre igual às pirâmides do Egito, por exemplo, nem por isso pode ser desprezada, tendo ela fascinado pesquisadores desde o final do século XIX. 

Igual não é demais enfatizar que os marajoaras formavam uma sociedade matriarcal. Diferente de outras sociedades nativas da América, assim como dos ditos sofisticados gregos e romanos antigos, cujo machismo não havia como se negar ter sido brutal. Logo, uma sociedade de mentalidade, quem sabe, menos brutal como a que até hoje discutimos e clamamos torna-la menos excludente. 

Se fazendo ainda crucial tornar a destacar um artefato, já comentado no ano de 2016 neste mesmo blog, cuja originalidade até este momento se crê que tenha sido criação exclusiva destes marajoaras. Lembram? Pois senão relembremos sobre as tangas de barro. Sim, um tipo de tapa-sexo feminino; sendo produzido cada um deles, na forma de um pequeno triângulo de argila ornamentado que, preso ao corpo por fios, encobria a região genital, ao mesmo tempo em que evidenciava a condição social dentro das suas comunidades. E que sobre o mesmo não mais falaremos, haja vista que há mais aspectos a explorarmos. 

Tornando a comentar sobre a engenharia que desenvolveram, numa área onde cerca de 70% da área de campo ou savana, onde viviam tais populações, permanece sob a água por um período de 4 a 5 meses, afetando seus habitantes primeiramente pelo drama das inundações, seguidas da seca, estes perceberam que boa parte dos peixes que se multiplicam na época das cheias, então acabava presa nas águas rasas das cabeceiras dos igarapés e lagos com a chegada da estiagem. E assim deste modo observando a tal dinâmica da natureza, essas populações nativas passaram a manipular conscientemente a ecologia, construindo lagos e barragens, reproduzindo técnicas de manejo onde quer que as condições ecológicas fossem favoráveis. 

Tendo muito mais a se falar e se mais for preciso dizer, então o faremos. Porém, porque ao invés disso não aproveitarmos a indagar: porque isto tudo que vemos agora não é destacado nos livros escolares? Por mais que tenhamos que ser justos que uma dada evolução nos livros já aconteceu em ao menos fazerem alguma breve menção, por menor que ela seja sobre essa cultura marajoara ao tratar da chamada pré-história no Brasil. Contudo, não o sendo todos que o fazem. Algo a mudar somente havendo uma conscientização sobre isso. 

Entretanto, como este texto mencionou que sozinha a civilização marajoara já tinha muito do que falar, se não fosse que ela não é um caso isolado. E o objetivo desta jornada é justamente expor toda esta diversidade e complexidade. Para tanto devemos falar dos Tapajós, na região aonde hoje fica o oeste do estado do Pará, que igualmente eram sociedades ceramistas, que produziam cachimbos, e estatuetas representando divindades humanas e com formato de animais. E que também não figuram sós, havendo outras sociedades na região amazônica que também estão longe do estereótipo de meramente primitivas. Contudo, não há como se falar tanto sem se tornar cansativo. 

Por isso nos limitemos a esta admirável civilização do interior do Pará, cuja beleza desta Cerâmica Tapajônica, ou como também é conhecida Cerâmica de Santarém, lembra o estilo barroco e a antiga arte chinesa, devido os detalhes de suas peças zoomorfas de feições ornamentais muito análogas. A maioria das peças da Cerâmica de Santarém foi encontrada em zonas de terra preta ou nas áreas conhecidas como bolsões. Talvez sendo ela a antiga manifestação de arte cerâmica na região amazônica já que ela se desenvolveu na região de Santarém a partir do ano 1200 a.C. Isso mesmo: já é certo que há mais de 3.200 anos que esta habilidosa arte já era desenvolvida. 

Sobre estas peças podem-se classificar a elas em dois tipos: o vaso de gargalo onde predominam elementos zoomorfos e também os com representações de rostos humanos nos bojos esféricos dos vasos. Nos quais além da decoração incisa e ponteada, há muita e rebuscada decoração plástica, com motivos antropomorfos e zoomorfos.

Foto: Arquivo Departamento de Mulheres do Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns (CITA)

Além desses dois tipos de peça da Cerâmica Santarena, destacam-se também as estatuetas; essas apresentam grandes variedades de formas antropomorfas ou zoomorfas. Podem ser: ocas, maciças, ou com partes ocas e partes maciças. Os Muiraquitãs, que são Fabricados de barro, pedra e até concha, podem ser encontrados em cores variadas (amarelo, preto, cinza, vermelho) e não apenas verde como geralmente é mais conhecido. 

Embora haja beleza e qualidade do trabalho de antigos habitantes desta região (tal como podemos observar abaixo) e que atualmente é imitada por novos artistas de nossa época, a cerâmica tapajônica ainda é pouco valorizada. Talvez a causa dessa desvalorização seja a falta de divulgação na história.

Arte dos povos originários tapajônicos

Daí a necessidade de resgates que chamem a atenção das pessoas para estas culturas tal qual já o tem feito a alguns privilegiados dentro e fora de nosso país que não tiveram pudores em adquirir muitas destas obras de artes que por isso, hoje, só possam ser encontradas em museus e em coleções particulares. Um fato triste, mas que o citamos justamente para evidenciar que não é exagero dizer o quanto é valiosa a qualidade do legado de nossos indígenas. 

E para quem pensa que nossa jornada pela chamada pré-história brasileira chegou ao fim, não se enganem. Mesmo não sendo possível comentar sobre toda a história que existe sobre o Brasil antes de Cabral, devido ao enorme tamanho desta, ainda vamos continuar um pouco mais nossa trajetória por esta série que iniciamos chamada “Povos do Pindorama”. Pois melhor do que dizermos meramente da riqueza de nossa história ignorada pela historiografia tradicional, se faz demonstrarmos tudo que há para ver e nos surpreender.
  

Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Um comentário:

  1. Não sei de onde veio esse critério de que civilizações precisam ter escrita. Se fosse assim os incas não seriam uma civilização. A palavra civilização vem de "civitas", cidade. Povos que vivem em cidades são civilizados, e os que vivem na selva, selvagens. Os juízos de valor são falsos. Os povos civilizados se mostraram muito mais cruéis, assassinos, porcos etc. do que os selvagens.

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